Crônica: Na Contramão da História
Moacyr Scliar
Ao entrar na rodovia ficou surpreso em
ver um carro vindo em sua direção – e aquela era uma pista de mão única. Acenou
nervosamente para o motorista para que desviasse, e aí nova surpresa: o homem
também lhe acenava, com o mesmo propósito. Passaram um ao lado do outro, de
raspão. “Contramão!”, ele gritou indignado. O motorista do outro carro também
gritou: “Contramão!”.

Ele mal se refizera do susto quando, de
novo, avistou um veículo – um caminhão – igualmente em sentido contrário ao
seu. E logo uma moto, uma van, e carros de passeio, e um ônibus – todos na
contramão. Meu Deus, ele se perguntava, o que está acontecendo? Será que todo
mundo enlouqueceu nesta rodovia, neste estado, neste país?
A dúvida então lhe ocorreu: não seria
ele o errado? Não estaria ele na contramão?
Não. Ele não estava na contramão, disso
tinha absoluta certeza. Conhecia bem aquela rodovia, era um caminho habitual
para ele. Teria havido, sem que ele soubesse, uma inversão de pistas? Talvez,
mas isso não lhe tirava a razão. Uma alteração tão significativa deveria ter
sido previamente divulgada; e teria sido necessário colocar avisos na rodovia.
Não. Ele estava certo, e continuaria em
seu rumo, mesmo que todos os outros fizessem o contrário. Não seria a primeira
vez na História que tal aconteceria. Afinal, Galileu Galilei tinha sido
condenado pela Inquisição por dizer que a Terra girava em torno do Sol, quando
todos afirmavam o contrário. Enfrentara corajosamente o julgamento, sem mudar
de opinião. E ele não mudaria de pista. Continuaria dirigindo e fazendo sinais
para os imprudentes até que todos se dessem conta da verdade.
Não demorou muito e foi detido pela
polícia. O que ele aceitou com resignação. A conspiração não era só dos
motoristas, era das autoridades, dos seres humanos em geral. Um dia, porém, a
Verdade apareceria naquela estrada. Avançando celeramente, e na mesma mão em
que ele estava.
Moacyr Scliar. Folha de
São Paulo.
Entendendo a crônica:
01 – Qual a situação inicial
que causa surpresa e indignação ao protagonista da crônica?
O protagonista
fica surpreso e indignado ao ver um carro vindo em sua direção em uma rodovia
de mão única, e mais ainda quando outros veículos, como caminhão, moto, van e
ônibus, também aparecem no sentido contrário.
02 – Que dúvida surge na mente
do protagonista diante do grande número de veículos na contramão?
A dúvida que lhe
ocorre é se não seria ele o errado, se não estaria ele mesmo na contramão, em
vez de todos os outros motoristas.
03 – Com que figura histórica
o protagonista se compara para justificar sua convicção de estar certo?
Ele se compara a Galileu Galilei, que foi
condenado pela Inquisição por defender que a Terra girava em torno do Sol,
mesmo quando todos afirmavam o contrário. Ele usa essa comparação para reforçar
sua decisão de não mudar de rumo.
04 – Como o protagonista
interpreta sua detenção pela polícia no final da crônica?
Ele aceita a
detenção com resignação, interpretando-a como parte de uma conspiração não
apenas dos motoristas, mas também das autoridades e dos seres humanos em geral.
05 – Qual é a principal
mensagem ou reflexão que a crônica "Na Contramão da História"
pretende transmitir?
A crônica é uma
alegoria sobre a teimosia, a convicção individual e a resistência contra a
maioria, mesmo quando essa maioria parece estar equivocada. Ela explora a ideia
de que, por vezes, a verdade pode parecer estar na "contramão" do que
a maioria acredita ou pratica.
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