Conto: O sonho de Habib, filho de Habib
Conto sufi
Durante todo o dia, Habib, o tapeceiro,
sentava-se diante de seu tear com os aprendizes à sua volta e tecia um lindo
tapete. Mas seu filho, Habib, filho de Habib, quase nunca estava presente. Ele
não se interessava por tapetes. Ele gostava de ir ao caravançará, onde se
reuniam todas as caravanas de camelos no seu caminho para Samarkanda, para
Bokara ou para as praias da Enseada Dourada.
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Um dia, enquanto olhava um cavalariço
penteando a cauda prateada de um dos cavalos pertencentes a um mercador de
Tabriz, Habib, filho de Habib, pensou consigo mesmo:
“Ah, se eu pudesse seguir as
caravanas.”
– Por que você está tão interessado no
lindo corcel do meu senhor? – perguntou o cavalariço. – Você, um menino
empoeirado, deve estar muito mais acostumado com burros!
– Um dia, quando for mercador – disse
Habib, filho de Habib –, terei um cavalo como esse, também terei bolsas cheias
de ouro e vou me casar com uma princesa.
– Fora daqui, pequeno galo de briga! –
gritou o cavalariço. – É melhor você sair de perto deste cavalo ou então vai
levar um coice quando menos esperar.
Então o menino foi embora, e chegou em
casa bem na hora em que seu pai ia sair à sua procura com uma grande vara na
mão.
– Preguiçosa criatura! – gritou Habib.
– Quando preciso de você para separar os fios de lã colorida você não está.
Aonde você foi? Aposto que estava outra vez no caravançará. Volte ao trabalho
ou vai levar uma surra.
– Pai, se eu pudesse ir com as
caravanas para algum lugar diferente poderia fazer fortuna, tenho certeza
disto.
– Sonhando acordado outra vez! – e
Habib deu-lhe um tapa no pé do ouvido, levandoo, pela orelha, para dentro da
loja.
Nessa noite, Habib, filho de Habib,
esgueirou-se para fora de casa sob a brilhante luz da lua, determinado a
juntar-se à caravana que partiria ao amanhecer. Debaixo do braço levava um
pequeno tapete, o mais velho da loja, do qual ninguém sentiria falta, ele tinha
certeza, pois há muito tempo estava jogado num canto. Esperava que quando seu
pai notasse a sua ausência ele já estivesse longe.
No mercado, camelos com sinos em seus
arreios estavam sendo carregados. Todos os mercadores arrumavam suas bolsas nas
selas e suas cestas nas costas dos camelos.
Habib, filho de Habib, aproximou-se de
um velho homem de barba e disse:
– Bondoso senhor, deixe-me
acompanhá-lo, pois quero viajar e meu pai só quer que eu faça tapetes.
– Vá embora – disse o mercador. – Não
posso levá-lo comigo sem o consentimento de seu pai. Volte para falar com ele,
e se ele permitir então pode ser que eu leve você comigo.
Habib, filho de Habib, dirigiu-se a
outro mercador:
– Tomarei conta de seus camelos,
deixe-me ir com você para lugares distantes.
Mas o homem respondeu:
– Você é muito pequeno e, de qualquer
forma, já tenho dois meninos que cuidam dos meus camelos durante a viagem. Vá
embora, volte para sua casa antes que notem a sua falta.
Nesse momento os galos já começavam a
cantar, e o dia estava nascendo. Os camelos se levantaram e logo iriam partir
pelo portão da cidade em direção as terras estrangeiras.
Quando o último camelo estava partindo
o homem que o guiava disse a Habib, filho de Habib:
– Quer seguir com a caravana, meu
menino? Você parece estar sozinho e não ter ninguém para cuidar de você. Quer
acompanhar-me no caminho de Samarkanda?
Então o menino pulou de alegria e saiu
correndo ao lado do último dos camelos. O homem, que era um mercador de lã,
seguiu ao lado de seu camelo, que estava carregado demais, e ficou contente de
ter o menino como companhia. Seu nome era Qadir e disse a Habib, filho de
Habib, que lhe daria um dinar de prata por mês se ele o ajudasse a cuidar de
seu camelo nos poços e fontes de água.
Foram dias e noites de grande alegria
para o menino enquanto ele viajava no final da enorme caravana de camelos,
através de lugares montanhosos e desertos de areia, sob sol e chuva até que
chegaram a Samarkanda.
Habib, filho de Habib, ganhou seu
primeiro dinar de prata e foi andar pelas ruas da cidade, procurando coisas
para comprar. Comprou uma boina branca bordada com fios de seda e um colete
verde de feltro revestido de algodão verde. Nessa noite não conseguiu dormir de
tão feliz que estava. Sentou-se no tapete que havia trazido de casa e olhou
para os brincos que havia comprado para sua mãe.
– Gostaria de poder voar nesse tapete –
disse baixinho, enquanto olhava à sua volta.
Nem bem as palavras saíram de sua boca,
ele já estava voando pelo ar sentado de pernas cruzadas sobre o tapete.
– Um tapete mágico! – ele gritou. – Eu
nunca soube disso durante todos estes anos.
Então se dirigiu ao tapete e disse:
– Leve-me ao palácio do rei deste país.
Era uma noite de lua brilhante, tão
clara como o dia, e ele viu que, lentamente, o tapete o levava para o terraço
de um palácio de mármore, onde, à luz da lua, a princesa Flor Dourada brincava
com bolinhas de gude. A princesa era da mesma idade que Habib e ficou tão
contente de ter um companheiro para brincar que o chamou para perto dela. Ela o
confundiu com o filho do aguadeiro do palácio. Deu-lhe uma bola de rubi e pegou
uma de cristal, ordenando-lhe que tentasse vencê-la no jogo. Em alguns minutos
várias bolinhas preciosas, um diamante, uma esmeralda e uma turquesa, estavam
sendo espalhadas para todos os lados pelo rubi de Habib.
A princesa Flor Dourada estava
começando a arrumar uma outra linha de bolinhas quando se ouviu um grito. A ama
da princesa vinha correndo na direção deles.
– Princesa, princesa, volte para casa
imediatamente! – ela gritou. – Que ousadia deste camponês empoeirado, vestido
com um colete de feltro verde, vir brincar com a filha do rei!
Nesse momento, Habib, filho de Habib,
pulou no seu tapete mágico e ordenou que ele começasse a voar.
– Leve-me de volta para minha própria
casa! – disse. Imediatamente o tapete levantou voo, para surpresa da princesa e
da velha ama.
Houve um som de ventania, e tudo ficou
escuro para Habib, filho de Habib. Ele começou a sentir-se tonto e seus olhos
se fecharam. O tapete continuou a voar, e logo ele estava dormindo. Ele só
acordou quando estava outra vez na casa de seu pai.
Abriu os olhos e viu que estava na sua
própria cama. Os galos cantavam e o dia amanhecia.
– Acorde meu filho – disse o tapeceiro,
sacudindo os ombros do filho. – Você gostaria de seguir a caravana e ver o
mundo? Eu consegui que um mercador de Bagdá consentisse em levá-lo com ele na
viagem.
Habib, filho de Habib, olhou embevecido
para seu pai. Então tudo tinha sido um sonho? Mas ele segurava na mão uma
bolinha vermelha, de rubi. Entregou-a ao pai.
– Veja, ganhei isto quando jogava com a
princesa. Intrigado, o tapeceiro girava o rubi entre seus dedos.
– Onde achou isto? Se vendermos este
rubi ao joalheiro ficaremos ricos. Tem certeza de que não o roubou?
– Eu o ganhei – insistiu o menino, e
contou ao pai toda a história, do começo ao fim.
– É magia – gritou Habib, e correu para
contar tudo à mulher.
Quando
os dois foram falar com o menino, ele contou novamente a história, e eles
acreditaram nele.
– Onde está o tapete voador? –
perguntou sua mãe. Mas o tapete não se encontrava em parte alguma. Então Habib,
filho de Habib, pôs um pouco de comida num alforje e correu para o caravançará.
Habib deu-lhe sua bênção e o mercador de Bagdá prometeu trazê-lo de volta
depois de seis meses.
Alguns anos mais tarde, quando cresceu
o bastante, tornou-se mercador de tapetes e transportava a mercadoria de seu
pai de país em país, e com isso conseguiu reunir grande riqueza. Então começou
a se perguntar se existiria de fato uma princesa com o nome de Flor Dourada que
ele conhecera no seu sonho e cujo rubi o colocou no caminho da fortuna. Durante
as viagens perguntava a todos se a conheciam, até que chegou à terra de
Sogdiana.
– Qual é o nome da filha do rei? –
perguntou a alguém na casa de chá em que se encontrava.
– Princesa Flor Dourada – disseram.
Então ele soube que sua busca
terminara. Enviou valiosos presentes para o rei e pediu permissão para casar-se
com sua filha.
– Só se minha filha quiser – disse o
rei.
E arranjou para que Flor Dourada visse
o jovem através de uma treliça secreta que havia na parede da câmara de
audiências.
Assim que a princesa pôs os olhos no
jovem e belo mercador de tapetes se apaixonou por ele, e enviou uma mensagem a
seu pai dizendo que se casaria com ele e com nenhum outro.
– Que assim seja – disse o rei. – A
felicidade de minha filha é mais importante do que qualquer título de nobreza.
Que os ritos de casamento sejam realizados.
Na festa de casamento, Habib, filho de
Habib, colocou um rubi de raro valor incrustado em uma corrente de ouro em
volta do pescoço de sua esposa.
Eles viveram felizes para sempre, até
que Allah mandou buscá-los finalmente.
Histórias da tradição
sufi. Grupo Granada de Contadores de Histórias (seleção e tradução) e Nícia
Grillo (coordenação). Dervish, Instituto Tarika, 1993.
Entendendo o conto:
01 – Qual era a ocupação do
pai de Habib, e por que Habib, filho de Habib, não se interessava por ela?
O pai de Habib
era um tapeceiro, que tecia belos tapetes. Habib, filho de Habib, não se
interessava por essa ocupação porque preferia ir ao caravançará, onde se
reuniam as caravanas de camelos, sonhando em seguir viagem para lugares
distantes como Samarkanda e Bokara.
02 – Que sonho Habib, filho de
Habib, compartilha com o cavalariço, e como o cavalariço reage?
Habib, filho de
Habib, sonha em ser um mercador um dia, ter um cavalo tão bonito quanto o do
senhor do cavalariço, bolsas cheias de ouro e casar-se com uma princesa. O
cavalariço reage com desprezo, chamando-o de "pequeno galo de briga"
e mandando-o embora, dizendo que ele estava mais acostumado com burros.
03 – O que Habib, filho de
Habib, faz ao tentar fugir de casa, e o que ele leva consigo?
Habib, filho de
Habib, esgueira-se para fora de casa à noite, determinado a se juntar a uma
caravana. Ele leva consigo um pequeno tapete, o mais velho da loja do pai, que
ele achava que ninguém sentiria falta.
04 – Por que os primeiros
mercadores recusam levar Habib com suas caravanas?
Os primeiros
mercadores recusam levá-lo porque não poderiam fazê-lo sem o consentimento de
seu pai e, no caso de outro mercador, por ele ser muito pequeno e eles já terem
cuidadores para os camelos.
05 – Quem é o mercador que
finalmente aceita levar Habib, e qual é o combinado entre eles?
O mercador que finalmente aceita levar Habib é Qadir, um
mercador de lã, que o guiava o último camelo de uma caravana. Qadir aceita
levá-lo como companhia e lhe promete um dinar de prata por mês em troca de
ajuda para cuidar do camelo nos poços e fontes de água.
06 – Como Habib descobre que o
tapete que trouxe de casa é mágico?
Habib descobre
que o tapete é mágico quando, em Samarkanda, após ganhar seu primeiro dinar e
comprar roupas e presentes, ele se senta no tapete e diz baixinho:
"Gostaria de poder voar nesse tapete". Imediatamente, ele começa a
voar pelo ar sobre o tapete, percebendo sua natureza mágica.
07 – Onde o tapete mágico leva
Habib, e quem ele encontra nesse local?
O tapete mágico
leva Habib ao terraço de um palácio de mármore, onde ele encontra a princesa
Flor Dourada, que tinha a mesma idade que ele.
08 – Qual a interação de Habib
com a princesa Flor Dourada e como a ama da princesa reage a isso?
Habib brinca com
a princesa Flor Dourada, jogando bolinhas de gude. Ele ganha várias bolinhas
preciosas dela, incluindo um rubi. A ama da princesa reage com indignação,
gritando com a princesa e criticando a ousadia do "camponês
empoeirado" de brincar com a filha do rei.
09 – O que acontece com Habib
após a intervenção da ama, e o que ele encontra ao acordar?
Após a
intervenção da ama, Habib, filho de Habib, pula no tapete mágico e ordena que o
leve de volta para casa. Ele sente-se tonto, desmaia e acorda em sua própria
cama, ao amanhecer. Embora tudo pareça um sonho, ele encontra uma bolinha
vermelha, de rubi, na mão, que provava a experiência.
10 – Qual é o desfecho da
história para Habib, filho de Habib, e a princesa Flor Dourada?
Habib, filho de
Habib, usa o rubi como prova de sua história, o que leva seu pai a permitir que
ele viaje. Ele se torna um mercador de tapetes bem-sucedido, acumulando
riqueza. Anos mais tarde, ele encontra a princesa Flor Dourada na terra de
Sogdiana, casa-se com ela (presenteando-a com o rubi incrustado em ouro) e eles
vivem felizes para sempre, concretizando o sonho de sua infância.
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