sábado, 9 de agosto de 2025

CRÔNICA: GENTE BOA - MAITÊ PROENÇA - COM GABARITO

 Crônica: Gente boa

              Maitê Proença

        Li outro dia um artigo sobre monges budistas, freiras de clausura e essa gente toda que medita com frequência. Estudos provam que eles têm mais desenvolvida a parte do cérebro que percebe o aspecto luminoso das coisas. Enxergam mínimas virtudes, têm mais com paixão e sabem amar com desprendimento.

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjxWvouuPwYTcVwE7V9rAVyXnfyoBBTyBef7OB_jq2LX204Q_EBuaKxrA9VJL5nFNsO2PT6Gih-FL9kTj65D-_mzxHfwLBdPfscihNYRuv8vdfAUZpDDDl5-DjUzFcaJx6_y3HT6xx-0Ll0w8XihzPDo4CvRfEE2HG88mhh-Xy4IBTYzQRKT6Hzj6b0r0Q/s320/79192016-conjunto-de-pessoas-de-religi%C3%A3o-cole%C3%A7%C3%A3o-de-personagens-diferentes-monge-budista-sacerdotes.jpg

        Há sete anos passei um mês em Myanmar, a antiga Birmânia, e lembro-me de sentir nitidamente que aquela gente era melhor que eu. Havia harmonia e benevolência na expressão das pessoas. Não penso que fosse a visão superficial de quem enxerga os encantos do exotismo. Lá eu acordava predisposta para o bem e não porque seja de fato boa, mas porque era o que se esperava de mim. Ninguém na rua imaginava que eu pudesse dar um golpezinho, enganar ou pensar algo negativo enquanto sorria gentilmente. A delicadeza estava por toda parte apontando para o que há de mais puro na gente, contagiando com qualidades altruístas. Enquanto estive com aquela gente, umas belezas emboloradas foram brotando feito susto de dentro de meus egoísmos. Não havia, na época, o hábito da televisão a qualquer hora, sequer existia TV por satélite, e a cultura mantinha-se, assim, preservada dos costumes ocidentais. Não vi uma pessoa vestindo calça jeans, nem eu mesma, que rapidamente aprendi a amarrar panos na cintura pra fazer saia igual à das moças de lá — se amarrar diferente vira saia de homem. A única infiltração de hábito ocidental que se percebe é um pouco de cinema e, mesmo assim, os filmes são quase sempre indianos. Quem chega ali vindo de um mundo onde tudo se consegue pela força fica perplexo diante de meninos e meninas que escolhem passar às vezes três anos de sua adolescência burilando o espírito em monastérios budistas, no preparo para a vida adulta. Saem sabendo tudo de abnegação, de generosidade, da importância do silêncio, do não julgamento… Sabem pouco ou nada de sexo, drogas e rock’n’roll. E conseguem viver sem isso, rindo! Não falarei do sistema político e suas violências, contradições há por toda parte, e não se contrapõem ao relato que faço aqui. Também não pretendo fazer o relato sentimental da pureza de um povo simples e isolado do mundo, mas é que a virtude precisa mesmo de exercício para manter-se espontânea, e aquele povo, sei lá por que, parece achar essa prática importante.

        Também não compreendo por que as pessoas mais simples tendem a ser melhores. Por que os jogadores de futebol, por exemplo, compram casa pra mãe, pra tia e pra família inteira, enquanto os “bem de berço”, se fazem fortunas, tratam logo de brigar com qualquer infeliz que possa um dia vir tirar uma lasquinha.

        Tenho consciência de que um dia fui melhor que hoje — quando era mais simples. A vida foi se sofisticando, me deixando esperta e mais apta pro jogo social. Tive ganhos com isso, mas perdi algo de genuíno que me diferenciava. Fui perdendo, no corre-corre do “fiz faço aconteço”, o que me aproximava de uma experiência particular e única — e melhor, eu acho. Felizmente, nada é irreversível e não preciso ir morar em Myanmar pra resgatar minhas virtudes distantes. Posso fazer isso do meu apartamento em Copacabana, já que nada é mais poderoso que a firmeza de uma intenção.

        Mas aí… cadê a firmeza?

Maitê Proença. Entre ossos e a escrita. Rio de Janeiro: Agir, 2008. p. 95-96.

Fonte: Universos – Língua Portuguesa – Ensino fundamental – Anos finais – 9º ano – Camila Sequetto Pereira; Fernanda Pinheiro Barros; Luciana Mariz. Edições SM. São Paulo. 3ª edição, 2015. p. 66.

Entendendo a crônica:

01 – De acordo com a crônica, qual foi a principal percepção da autora durante sua estadia em Myanmar?

A – Ela ficou frustrada com a falta de modernidade e de entretenimento como televisão e cinema.

B – Ela percebeu que as pessoas eram melhores que ela e que ela mesma se sentia predisposta ao bem.

C – Ela sentiu que a cultura ocidental era superior e que o povo de lá era muito atrasado.

D – Ela se sentiu isolada e solitária, pois não conseguia se comunicar com os habitantes locais.

02 – A autora compara a generosidade de monges e freiras com qual característica das pessoas simples em geral?

A – A capacidade de se afastar do mundo ocidental para ter virtudes.

B – A tendência de serem melhores e a espontaneidade da virtude em suas vidas.

C – A tendência a viverem em monastérios budistas.

D – A habilidade de meditar para desenvolver o cérebro.

03 – Qual é a principal razão pela qual a autora acredita que os habitantes de Myanmar mantêm suas virtudes?

A – O isolamento do país devido a um sistema político violento.

B – A exposição constante à cultura ocidental através da televisão e internet.

C – A forte influência do cinema indiano.

D – A prática constante da virtude, que se torna espontânea.

04 – A autora faz uma distinção entre jogadores de futebol e pessoas 'bem de berço' com fortunas. Qual é essa diferença?

A – Ambos os grupos tendem a brigar para proteger suas fortunas.

B – Jogadores de futebol compram casa para a família, enquanto os 'bem de berço' evitam dividir a fortuna.

C – Os 'bem de berço' são mais simples e generosos, enquanto os jogadores de futebol são mais espertos e egoístas.

D – Jogadores de futebol tendem a gastar seu dinheiro consigo mesmos, enquanto os 'bem de berço' ajudam a família.

05 – No final da crônica, qual é a principal reflexão da autora sobre o resgate de suas virtudes?

A – Ela decide que precisa se mudar para um local mais simples, como Myanmar, para se tornar uma pessoa melhor novamente.

B – Ela conclui que é impossível recuperar suas virtudes perdidas devido ao 'jogo social'.

C – Ela acha que suas virtudes se perderam para sempre no corre-corre da vida e não há como recuperá-las.

D – Ela acredita que a firmeza de uma intenção é o mais poderoso, mas questiona se ela tem essa firmeza.

 

 

 

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