Conto: O pescador e o gênio – Conto árabe
Há muito, muito tempo um velho pescador
morava com a esposa perto do mar. Todo dia ele lançava sua rede quatro vezes,
nem mais nem menos – ganhando a vida com o que tirava do mar. Um dia a má sorte
o perseguiu. Na primeira vez em que jogou a rede, pescou um asno morto; na
segunda, uma urna cheia de areia e, na terceira, apenas cacos de cerâmica.
Desesperado, rezou a Alá, pedindo melhor sorte na sua última tentativa. E
realmente, quando puxou a rede, viu nela emaranhada uma pequena ânfora de
cobre.

O objeto estava selado e em sua tampa
estavam gravados textos sagrados. Por mera curiosidade, o velho abriu a ânfora.
Nada encontrou dentro dela mas, no instante seguinte, começou a vazar fumaça e
um gênio horrível se materializou. O monstro curvou-se ante o pescador e disse:
– Poderoso Salomão, eu vos saúdo e agradeço por me terdes libertado de minha
prisão!
O pescador tremia aterrorizado. – Eu
não sou Salomão – disse –, o grande rei está morto há milhares de anos!
O gênio parou e depois riu. – Neste
caso, prepare-se para morrer, homenzinho!
O pescador estava apavorado. – Mas eu o
libertei da ânfora! – ele gritou. – Que gratidão é essa?
– Salomão me prendeu nesta ânfora
porque me rebelei contra ele – o gênio explicou – e então, durante os primeiros
cem anos, fiz o voto de tornar a quem me libertasse mais rico do que se possa
sonhar. Mas não apareceu ninguém. Nos cem anos seguintes, prometi conceder três
pedidos ao meu libertador. Mas, de novo, não apareceu ninguém. Então fiquei
zangado e fiz um juramento solene: que mataria, no ato, o homem que me
libertasse. Portanto, mortal, prepare-se para morrer!
O pescador implorou em vão pela própria
vida. Então pensou depressa e disse finalmente: – Muito bem, você pode me matar,
monstro ingrato! Mas, invocando o Mais Terrível Nome de Alá, pelo menos me diga
a verdade. – O gênio tremeu ao ouvir o nome de Alá. – Como pôde um gênio grande
como você caber numa ânfora tão pequena? – O pescador perguntou. – Você deve
ter vindo de um outro lugar.
O gênio se sentiu insultado. – Homem
tolo – vociferou –, você não acredita em mim? Vou lhe mostrar o poder da minha
magia e depois matá-lo! – Dizendo isso, o gênio transformou-se numa nuvem de
fumaça e entrou de novo na ânfora. Imediatamente, o velho pescador fechou a
tampa. Uma voz metálica partiu do objeto. – Deixe-me sair! – o gênio gritava.
– Jamais! Respondeu o pescador.
Então o gênio falou com mais
delicadeza. – Eu o recompensarei generosamente, se você me soltar! – ele
prometeu.
– Você é um assassino – retrucou o
pescador – e eu vou jogar sua ânfora no mar, construir minha casa neste lugar
como um aviso às pessoas para que nunca mais pesquem aqui.
– Não, não! – implorou o gênio. – Eu só
o estava testando! Agora que sei que você é um homem temente a Alá, vou
recompensá-lo!
– Você me toma por algum tolo? – o
pescador disse rindo. Acendeu o cachimbo, sentou-se na areia e então sorriu. –
Isto me lembra a história do “Rei ingrato” – o velho ponderou.
– Eu não conheço essa história – disse
o gênio. – Por favor, conte-a para mim! Porém não posso ouvir bem, dentro desta
ânfora, por isso você precisa, primeiro, abrir a tampa.
– Eu não vou libertá-lo – disse o
pescador rindo –, mas vou contar-lhe a história. – E assim ele contou a
história de um rei que fora vitimado por uma horrível doença, pior que a lepra.
Nenhum de seus médicos e magos o puderam curar até que, um dia, passou por lá
um médico que diagnosticou o mal… Esse médico o tratou e o rei, em sinal de
gratidão, distinguiu-o com honrarias que jamais concedera a nenhum homem em
seus domínios. Isso suscitou a inveja do vizir, que segredou aos ouvidos do rei
sobre a facilidade com que o médico poderia envenená-lo. O tolo rei atentou à
mentira do vizir e atirou o médico à prisão. Todos os rogos do bom homem foram
vãos e o rei condenou-o à morte. Antes de morrer, ele fez menção a um livro que
possuía e que continha toda a sabedoria do mundo. Então, o rei apossou-se do
livro do defunto e folheou-o simplesmente para descobrir que o volume não
trazia uma palavra escrita. Pelo contrário, suas páginas estavam envenenadas e
logo depois o rei morreu, em agonia. – Da mesma forma, Alá se vingaria de você,
se você me tivesse matado! – o pescador concluiu.
– Mas nosso caso não tem nada que ver
com essa história – protestou o gênio. – É mais parecida com a história do
“Príncipe e o Ogre”.
– Ah! – murmurou o pescador. – Essa eu
não conheço. Conte-a para mim.
– Não consigo lembrar-me dela dentro
desta ânfora – disse o gênio. – Solte-me e tenho certeza de que a relembrarei
melhor.
– Outros milhares de anos no fundo do
mar refrescarão talvez a sua memória? – perguntou o pescador.
– Não, não – respondeu o gênio. – Agora
me lembro dela.
– E então ele contou a história, que
era, por sinal, maravilhosa. Quando o gênio terminou, o pescador sorriu.
– Essa foi uma bela história – disse –,
mas não tão boa quanto esta aqui… – E assim os dois passaram a tarde trocando
histórias, até que o pescador notou a hora avançada. – Preciso deixá-lo em
breve, meu amigo – ele disse ao gênio.
– Por favor, me liberte! – o gênio
insistiu. – Prometo que não lhe farei nenhum mal e que o ajudarei. Diante do
Mais Terrível Nome, eu juro! – A ânfora sacudiu-se toda quando o gênio tremeu
lá dentro.
O pescador fez uma pausa e depois
disse: – Muito bem, eu vou libertá-lo.
O velho tirou a tampa e o gênio
reapareceu. No mesmo instante, com um pontapé, jogou a ânfora ao mar. –
Lembre-se do seu juramento! – balbuciou o pescador, cujos joelhos começaram a
tremer.
O gênio franziu o sobrolho e depois
ordenou mal-humorado: – Siga-me.
O gênio conduziu o velho ao mais
profundo seio da floresta e pararam junto a um lindo lago rodeado por quatro
montanhas. Nas águas nadavam peixes de quatro cores – vermelhos, amarelos,
azuis e brancos. – Lance a sua rede aqui – o gênio disse ao velho –, mas
somente uma vez por dia. Depois leve ao sultão o que pescar. – Com isso, o
gênio bateu o pé no chão, a terra se abriu e ele desapareceu.
O pescador lançou a rede no lago e
pescou imediatamente quatro peixes, um de cada cor. Eram a coisa mais bonita
que já vira, de forma que ele correu ao palácio do sultão e os deu de presente
ao monarca. O sultão ficou encantado com a beleza dos peixes e recompensou o
velho regiamente. Depois entregou-os a um cozinheiro para que os fritasse.
Quando este os colocou sobre o fogão, a parede da cozinha rompeu-se com
violência e dos escombros saiu uma mulher. – Vocês foram fiéis a seus
compromissos? – perguntou aos peixes, e todas as criaturas responderam sim, e a
mulher e os peixes desapareceram.
O cozinheiro relatou o fato ao sultão,
mas ele não acreditou. De forma que pediu ao pescador que trouxesse no dia
seguinte mais quatro peixes, o que o velho fez. Porém, aconteceu o mesmo: no
momento em que o cozinheiro estava prestes a fritar os peixes, a mulher saiu de
dentro da parede, dirigiu-se às criaturas e depois desapareceu juntamente com
elas. O sultão decidiu constatar o estranho fato por si mesmo, de forma que
pediu ao pescador que trouxesse mais quatro peixes, e o velho novamente
atendeu. Dessa vez o sultão ficou observando, enquanto o cozinheiro se
aprestava para fritá-los. A parede se escancarou e um negro surgiu, perguntando
aos peixes: – Vocês foram fiéis aos seus compromissos? – Todos responderam: –
Sim – e depois desapareceram juntamente com o estranho.
– Aqui tem magia! – o sultão falou.
Então chamou o pescador ao palácio e perguntou: – Onde você pesca seus peixes?
– O velho guiou o sultão até o lago rodeado pelas quatro montanhas. – Acho –
pensou o sultão – que vou explorar esta área pessoalmente.
Nessa noite o sultão enveredou
pessoalmente pelas encostas das montanhas até que, afinal, chegou a um castelo.
Aventurou-se por aquele lugar sombrio onde não havia viva alma. Então ouviu
alguém gemer e, seguindo o som, chegou a um jovem cuja cintura e pernas estavam
petrificadas e que se contorcia de dor!
– Alá tenha piedade! – o sultão
exclamou. – O que aconteceu com você? – O jovem espantou-se ao ver um rosto
humano no castelo encantado, mas logo lhe contou a história de sua desdita. Ele
era o príncipe da Ilhas Ocidentais, explicou, e havia desposado uma mulher
maravilhosa. Porém, sua esposa era, na verdade, uma terrível feiticeira, e,
pior ainda, amava um outro homem. – Quando soube desse caso maldito – o
príncipe continuou – saquei a espada e golpeei o vilão. – Em vingança, a bruxa
transformara metade de seu corpo em pedra e enfeitiçara todo o seu reino. Suas
ilhas se converteram em montanhas, o mar, num deserto e seu povo querido, nos
peixes do lago – rubis, amarelos, azuis e brancos, devido aos quatro
compromissos assumidos pelo reino.
O infeliz príncipe contou que toda
noite a feiticeira aparecia e o açoitava; que em algum lugar do palácio jazia
seu amante, nem morto nem curado de seu ferimento. – Você precisa partir
depressa, antes que a bruxa o encontre aqui! – o príncipe concluiu.
– Não – respondeu o Sultão –, se puder
vou ajudá-lo.
Estudou a situação e arquitetou um
plano. Vasculhou todo o castelo até que descobriu o amante da bruxa,
semi-adormecido, em um quarto escuro. O vilão tomou o sultão pela feiticeira e
sussurrou por alguns minutos. O sultão ouviu atentamente e depois matou o
desgraçado, afastou o infame cadáver e deitou-se na cama, puxando o cortinado.
Logo depois a bruxa chegou.
O sultão imitou a voz de seu amante: –
Querida do meu coração – ele disse –, agora, enquanto dormia, soube em sonhos
por que não saro de meu sofrimento. É porque todas as noites você atormenta o
moço e não ficarei bom até que você o liberte!
A malvada regozijou-se e correu a
libertar o jovem do feitiço. Voltou depois para junto do amado. O sultão
sussurrou em voz mais audível: – Sinto que as forças estão me voltando, mas
ainda não estou curado. O povo que você transformou em peixe, todas as noites
clama a Alá e até que você não o liberte desse sofrimento, Alá não terá
compaixão de mim.
A feiticeira correu para o lago.
Pronunciou umas palavras mágicas e, no mesmo instante, as montanhas se
transformaram em ilhas, o deserto, em mar, o lago em cidade e, em lugar dos
peixes, surgiram todos os súditos. A bruxa correu ao encontro de seu amado e o
sultão a matou.
No momento seguinte, o castelo sombrio
converteu-se em um palácio cheio de fontes e de flores. O príncipe e toda a sua
corte apressaram-se em agradecer ao sultão por libertá-los e entoaram louvores
à sua inteligência e bravura. O sultão, porém, era um homem honesto e justo, de
forma que mandou chamar o velho pescador. – Este é o homem a quem devemos
homenagear – declarou. O sultão não era casado e quando conheceu a filha mais
velha do pescador, apaixonou-se e casou-se com ela, fazendo-a sua rainha.
Depois, o príncipe conheceu a filha mais moça do pescador, apaixonou-se e
casou-se com ela. Finalmente, o sultão concedeu ao pescador uma túnica de honra
e uma riqueza fabulosa.
– Você nunca mais precisará pescar –
declarou o sultão. E assim o velho e sua esposa passaram o resto de seus dias
cercados de conforto e honrarias. O velho, porém, ia frequentemente pescar –
para matar as saudades.
Resumo do conto “O
pescador e o gênio”, extraído de R. Burton, Tales from the Arabian Nigths. Nova
York, Avenel, 1978.
Entendendo o conto:
01 – Qual era a rotina diária
do velho pescador e o que aconteceu em um dia de má sorte?
O velho pescador
lançava sua rede quatro vezes ao dia, nem mais nem menos, para ganhar a vida.
Em um dia de má sorte, ele pescou um asno morto, uma urna cheia de areia e
apenas cacos de cerâmica nas três primeiras tentativas.
02 – O que o pescador
encontrou na sua última tentativa e qual foi a sua reação inicial ao abri-lo?
Na última
tentativa, o pescador encontrou uma pequena ânfora de cobre selada com textos
sagrados. Ao abri-la por curiosidade, uma nuvem de fumaça vazou e um gênio
horrível se materializou, deixando o pescador aterrorizado.
03 – Qual foi a promessa
original do gênio para seu libertador nos primeiros cem anos e o que mudou
depois?
Nos primeiros cem
anos de prisão, o gênio prometeu tornar quem o libertasse mais rico do que se
possa sonhar. Como ninguém apareceu, nos cem anos seguintes ele prometeu
conceder três pedidos. Por fim, zangado pela espera, ele jurou matar quem o
libertasse.
04 – Como o pescador conseguiu
enganar o gênio para que ele retornasse à ânfora?
O pescador usou
de astúcia, questionando a capacidade do gênio de caber numa ânfora tão
pequena, sugerindo que ele "deve ter vindo de um outro lugar".
Sentindo-se insultado e para provar seu poder, o gênio se transformou em fumaça
e voltou para dentro da ânfora, momento em que o pescador rapidamente a fechou.
05 – Que história o pescador
conta ao gênio enquanto ele está preso na ânfora, e qual é a moral dessa
história?
O pescador conta
a história do "Rei Ingrato". A moral da história é que a ingratidão e
a falta de ética podem levar a consequências desastrosas e à própria ruína,
como aconteceu com o rei que, por inveja de seu vizir, matou o médico que o
curou e acabou envenenado pelo próprio livro do médico.
06 – Como o gênio finalmente
consegue ser libertado da ânfora?
O gênio consegue
ser libertado ao insistir e jurar diante do "Mais Terrível Nome" de
Alá que não faria mal ao pescador e o ajudaria. O pescador, após uma pausa,
decide confiar e remove a tampa da ânfora.
07 – Para onde o gênio leva o
pescador após ser libertado e o que ele o instrui a fazer?
O gênio leva o
pescador ao mais profundo seio da floresta, onde encontram um lindo lago
rodeado por quatro montanhas. O gênio instrui o pescador a lançar sua rede ali
somente uma vez por dia e a levar o que pescar ao sultão.
08 – Qual é o mistério dos
peixes coloridos e o que acontece quando o cozinheiro tenta fritá-los?
Os peixes são de
quatro cores: vermelhos, amarelos, azuis e brancos. Quando o cozinheiro tenta
fritá-los, a parede da cozinha se rompe, e uma mulher ou um negro (dependendo
da vez) emerge, pergunta aos peixes se foram fiéis aos seus compromissos, e
então desaparece com eles.
09 – Quem é o jovem
petrificado encontrado pelo sultão no castelo encantado e qual é a causa de sua
maldição?
O jovem
petrificado é o príncipe das Ilhas Ocidentais, cuja cintura e pernas foram
transformadas em pedra. Sua maldição foi causada por sua esposa, uma terrível
feiticeira, que o amava e, em vingança por ele ter golpeado seu amante, o
petrificou e enfeitiçou todo o seu reino, transformando-o em montanhas, o mar
em deserto, e seu povo em peixes coloridos.
10 – Como o sultão consegue
reverter o feitiço e quais são as recompensas para o pescador e sua família?
O sultão
arquitetou um plano, descobriu o amante da bruxa, o matou e se passou por ele.
Ele enganou a feiticeira fazendo-a libertar primeiro o príncipe e depois o povo
transformado em peixes, usando o nome de Alá. Após a libertação, o sultão mata
a bruxa, e o castelo se transforma. O sultão casa-se com a filha mais velha do
pescador, o príncipe casa-se com a filha mais moça, e o pescador recebe uma
túnica de honra e uma riqueza fabulosa, nunca mais precisando pescar.
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