domingo, 10 de agosto de 2025

CONTO: O HOMEM DA FAVELA - MANOEL LOBATO - COM GABARITO

 Conto: O HOMEM DA FAVELA

             Manoel Lobato

        Doutor Levi dá plantão no Hospital dos Operários, que fica perto de uma favela. Ele é meio conhecido na favela porque sobe o morro de vez em quando, em visita médica à Associação dos Deficientes Visuais. Mesmo assim, já foi assaltado nove vezes, sempre de manhã, quando está saindo do pátio em seu carro. Por causa disso, Dr. Levi anda prevenido. Não compra revólver, mas, ao deixar o plantão, já vem com a chave do carro na mão, passos rápidos, abre a porta, entra depressa, liga o motor, engrena a marcha, acelera e dispara. Não se preocupa com os malandros que tentam abordá-lo na estrada.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgeFm5DgFdqVxJQT8pRF2rdJtU-PM4U7PPNJ3l2r-khkSKpYqNwvzEwvNWpKZHA9TYTDzB5jMMMozQDKtZWAEi_gFZ1So4Cd7aiS8AD-DYCnhGglU0wjFsnHyYjKPWMxVETbkUs55aJRIkLJj_lqsnXmKTB_cqVmrhXwKiRkmjw8GP5orAbCTp7OEQTntg/s320/hospital-do-trabalhador-970x550.jpg


        A neblina prejudica a visão do médico nessa manhã de inverno. Ele aperta o dispositivo de água, liga o limpador que faz o semicírculo com seu rastro no para-brisa. Vê no meio da estrada, ainda distante, um pedestre que finge embriaguez. O marginal está um tanto desnorteado, meio aéreo, andando sem rumo, em ziguezague. Parece trazer um porrete na mão.

        Dr. Levi será obrigado a diminuir a aceleração e reduzir a marcha. Se o mau elemento continuar na pista, terá de frear. Se parar, poderá ser assaltado pela décima vez. O carro se aproxima do malandro. Ele usa boné com o bico puxado para a frente, cobrindo-lhe a testa. Óculos escuros para disfarce, ensaia os cambaleios, tomba um pouco a cabeça, olha um pouco para cima, procura o Sol que está aparecendo, sem pressa, com má vontade.

        O médico, habituado a salvar vidas, tem ímpetos de matar. Acelera mais, joga o farol alto na cara do pilantra, buzina repetidas vezes. O mau-caráter faz que procura o acostamento, mas permanece na pista.

        O carro vai atropelar o velhaco. Talvez até passe por cima dele se continuar fingindo que está bêbado. Menos um pra atrapalhar a vida de gente séria.

        O esperto pressente o perigo, deve ter adivinhado que o automóvel não vai desviar-se dele, ouve de novo a buzina, o barulho do motor cada vez mais acelerado. De fato, o carro não se desvia de seu intento. Obstinado, segue seu rumo. Vai tirar um fino.

        O vivaldino é atingido de raspão, cambaleia agora de verdade, cai de lado. O cirurgião ouve o baque, sente o impacto do esbarro. Vê pelo retrovisor externo a vítima caída à beira da estrada. O vidro de trás está embaçado, mas permite distinguir o vulto, imagem refratada. Gotas de água escorrem pelo vidro, não como lágrimas e sim como bagas de suor pelo esforço da corrida. Não há piedade, há cansaço.

        Dr. Levi nota que o retrovisor externo está torto, danificado. Diminui a marcha, abaixa o vidro lateral, tateia o retrovisor do lado de fora. O espelho está partido, sujo de sangue. O profissional se sente vingado, satisfeito, vitorioso, como se estivesse saindo do bloco cirúrgico, após delicada operação, na qual fica provada sua frieza, competência, habilidade. O dom de salvar o semelhante e também salvar-se.

        No dia seguinte, ao cair da tarde, chega o plantonista ao Hospital dos Operários. Toma conhecimento do acidente. O paciente – algumas fraturas, escoriações – está fora de perigo. Deu entrada ontem de manhã, mal havia chegado o substituto do Dr. Levi.

        Na ficha, anotações sobre a vítima: funcionário da Associação. Seus pertences: recibos das mensalidades, uns trocados, óculos e bengala. Cego.

LOBATO, Manoel. "O homem da favela". In: LEITE, Alcione Ribeiro (Org.). O fino do Conto. Belo Horizonte. Editora RHJ, 1989.

Fonte: Língua Portuguesa: Singular & Plural. Laura de Figueiredo; Marisa Balthasar e Shirley Goulart – 6º ano – Moderna. 2ª edição, São Paulo, 2015. p. 248-249.

Entendendo o conto:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras baixo:

·        Ímpeto: impulso.

·        Obstinado: persistente, firme.

·        Vivaldino: pessoa muito esperta, que age com malandragem.

·        Refratada: refletida.

02 – Qual a profissão e o local de trabalho do Dr. Levi?

      O Dr. Levi é um médico que trabalha de plantão no Hospital dos Operários, localizado próximo a uma favela.

03 – Por que o Dr. Levi adota uma atitude de precaução ao sair do hospital?

      O Dr. Levi adota essa atitude porque já foi assaltado nove vezes ao sair do pátio do hospital, sempre pela manhã. Por isso, ele age rapidamente ao entrar no carro, ligar o motor e sair em disparada para evitar um novo assalto.

04 – Como o "pedestre" na estrada se apresenta inicialmente e o que ele parece ter na mão?

      O pedestre se apresenta fingindo embriaguez, andando de forma desnorteada e em ziguezague no meio da estrada. Ele parece trazer um porrete na mão.

05 – Qual a reação inicial do Dr. Levi ao ver o homem na estrada e o que ele faz para tentar afastá-lo?

      Apesar de ser médico e ter o hábito de salvar vidas, o Dr. Levi sente "ímpetos de matar". Ele acelera o carro, joga o farol alto na cara do homem e buzina repetidamente para tentar afastá-lo da pista.

06 – O que acontece com o homem após o Dr. Levi não desviar o carro?

      O homem é atingido de raspão, cambaleia de verdade, cai de lado e fica à beira da estrada.

07 – Qual a reação do Dr. Levi ao perceber o dano no retrovisor e o que isso significa para ele?

      O Dr. Levi nota que o retrovisor externo está torto e com sangue. Ele se sente vingado, satisfeito e vitorioso, comparando a situação a uma cirurgia delicada onde prova sua frieza, competência e habilidade.

08 – Qual a revelação chocante sobre a identidade do homem atropelado no final do conto?

      A revelação chocante é que o homem atropelado era um funcionário da Associação dos Deficientes Visuais, onde o Dr. Levi fazia visitas médicas, e ele era cego.

 

 

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