Conto: Uma noite no paraíso
Ítalo Calvino
Era uma vez dois grandes amigos que, de
tanto que se queriam, haviam feito um juramento: quem casasse primeiro deveria
chamar o outro para padrinho, mesmo que se encontrasse no fim do mundo.

Depois de algum tempo, um dos amigos
morre. O outro, devendo casar, não sabia como fazer e pediu conselhos ao
confessor.
— Negócio complicado — disse o pároco
—, você deve manter a sua palavra. Convide-o mesmo estando morto. Vá até o
túmulo e diga o que tem a dizer. Ele decidirá se vem ou não.
O jovem foi até o túmulo e disse:
— Amigo, chegou o momento, vem para ser
meu padrinho!
Abriu-se a terra e pulou fora o amigo.
— Claro que vou, tenho que manter a promessa,
pois se não a mantiver não sei quanto tempo terei que ficar no purgatório.
Vão para casa e depois à igreja para o
matrimônio. A seguir veio o banquete de núpcias e o jovem morto começou a
contar histórias de todo tipo, mas não dizia uma palavra sobre o que vira no
outro mundo. O noivo não via a hora de lhe fazer umas perguntas, mas não tomava
coragem. No final do banquete, o morto se levanta e diz:
— Amigo, já que lhe fiz este favor,
você tem que me acompanhar um pouquinho.
—
Claro, por que não? Porém, espere, só um momentinho, pois é a primeira noite
com minha esposa…
— Certamente, como quiser!
O marido deu um beijo na mulher.
— Vou sair um instante e volto logo. —
E saiu com o morto.
Falando de tudo um pouco, chegaram ao
túmulo. Abraçaram-se.
O vivo pensou: "Se não lhe
perguntar agora, não pergunto nunca mais", tomou coragem e lhe disse:
— Escute, queria lhe perguntar uma
coisa, a você que está morto: do outro lado, como funciona?
— Não posso dizer nada — respondeu o
morto. — Se quiser saber, venha você também ao Paraíso.
O túmulo se abriu, e o vivo seguiu o
morto. E logo se encontravam no Paraíso. O morto o levou para ver um belo
palácio de cristal com portas de ouro, cheio de anjos que tocavam e faziam
dançar os beatos, e são Pedro, que tocava contrabaixo. O vivo estava de boca
aberta e quem sabe quanto tempo teria ficado ali se não tivesse de ver todo o
resto.
— Agora, vamos a outro lugar! — disse-lhe
o morto, e o levou a um jardim onde as árvores, em vez de folhas, tinham
pássaros de todas as cores que cantavam. — Vamos em frente, o que faz aí
encantado? — E o levou a um prado onde os anjos dançavam, alegres e suaves como
namorados. — Agora vou levá-lo para ver uma estrela!
Não se cansaria nunca de admirar as
estrelas; os rios, em vez de água, eram de vinho e a terra era de queijo.
De repente, caiu em si:
— Ouça, compadre, já faz algumas horas
que estou aqui em cima. Tenho que voltar para minha esposa, que deve estar
preocupada.
— Já está cansado?
— Cansado? Sim, se pudesse…
— E muito mais haveria para descobrir!
— Tenho certeza, mas é melhor eu
voltar.
— Como preferir. — E o morto o
acompanhou até o túmulo e depois sumiu.
O vivo saiu do túmulo e não reconhecia
mais o cemitério. Estava todo cheio de monumentos, estátuas, árvores altas. Sai
do cemitério e, no lugar daquelas casinhas de pedra meio improvisadas, vê
grandes palácios e bondes, automóveis, aviões. "Onde é que vim parar?
Terei errado o caminho? Mas como está vestida esta gente!"
Pergunta a um velhinho:
— Cavalheiro, esta aldeia é…?
Sim, é esse o nome desta cidade.
— Bem, não sei por que, não consigo me
situar. Saberia me dizer onde fica a casa daquele que se casou ontem?
— Ontem? Estranho, trabalho como
sacristão e posso garantir que ontem ninguém se casou!
— Como? Eu me casei! — E lhe contou que
acompanhara ao Paraíso um padrinho seu que morrera.
— Você está sonhando — disse o velho. —
Essa é uma velha história que contam: do marido que acompanhou o padrinho até o
túmulo e não voltou; e a mulher morreu de desgosto.
— Não, senhor, o marido sou eu!
— Ouça, a única solução é que vá
conversar com nosso bispo.
— Bispo? Mas aqui na aldeia só existe
um pároco.
— Nada disso. Há muitos anos que temos
um bispo. — E o levou até o bispo.
O bispo, quando o jovem lhe contou o
que lhe acontecera, lembrou-se de uma história que ouvira quando rapaz. Pegou
os livros, começou a folheá-los: há trinta anos, não; cinquenta anos, não; cem,
não; duzentos, não. E continuava a folhear. No final, numa folha toda rasgada e
gordurosa, encontra justamente aqueles nomes.
Aconteceu há trezentos anos. O jovem
desapareceu no cemitério e a mulher dele morreu de desgosto. Leia aqui se não
acredita!
— Mas sou eu.
— E você esteve no outro mundo?
Conte-me como é!
Porém, o jovem ficou amarelo como a
morte e caiu. Morreu assim, sem poder contar nada do que vira.
Extraído de: Ítalo
Calvino. Fábulas italianas. Tradução: Nilson Maulin, São Paulo, Companhia das
Letras.
Fonte: Programa de
Formação de Professores Alfabetizadores. Coletânea de textos – Módulo 1. p.
290-292.
Entendendo o conto:
01 – Qual é o juramento feito
pelos dois amigos no início do conto, e qual sua importância para a trama?
O juramento feito
pelos dois amigos é que quem casasse primeiro deveria chamar o outro para
padrinho, mesmo que estivesse no "fim do mundo". Este juramento é o
motor de toda a trama, pois é ele que força o amigo vivo a convidar o amigo
morto, desencadeando todos os eventos sobrenaturais e a jornada para o Paraíso.
02 – Como o amigo morto
descreve sua razão para aceitar o convite para ser padrinho?
O amigo morto
afirma que precisa manter a promessa para não ter que ficar mais tempo no
purgatório. Ele diz: "Claro que vou, tenho que manter a promessa, pois se
não a mantiver não sei quanto tempo terei que ficar no purgatório." Isso
adiciona uma camada de urgência e um toque de humor irônico à sua aparição.
03 – Por que o amigo morto se
recusa a descrever o "outro lado" durante o banquete de núpcias?
Durante o
banquete, o amigo morto conta "histórias de todo tipo, mas não dizia uma
palavra sobre o que vira no outro mundo". Ele se recusa a descrever o
"outro lado" porque a condição para o vivo saber é ir ele mesmo ao
Paraíso. Ele só revela a natureza do Paraíso ao vivo quando o leva para lá.
04 – Quais são as
características do Paraíso descritas pelo amigo morto ao amigo vivo?
O Paraíso é
descrito com elementos maravilhosos e fantásticos: um "belo palácio de
cristal com portas de ouro" e anjos tocando e fazendo os beatos dançar,
com São Pedro tocando contrabaixo. Além disso, há um jardim com árvores que, em
vez de folhas, tinham pássaros de todas as cores que cantavam, um prado com
anjos dançando "alegres e suaves como namorados", e estrelas para
admirar. Os rios eram "de vinho e a terra era de queijo".
05 – Qual é o principal
problema que o amigo vivo enfrenta ao retornar do Paraíso?
O principal
problema que o amigo vivo enfrenta ao retornar é a passagem exorbitante do
tempo sem que ele perceba. Ele pensa que esteve fora por "algumas
horas", mas ao sair do túmulo, percebe que a cidade mudou drasticamente.
Ele não reconhece mais o cemitério, a arquitetura, os meios de transporte, e
descobre que se passaram trezentos anos desde que saiu de casa.
06 – Como o conto explora a
ideia da relatividade do tempo?
O conto explora a
relatividade do tempo de forma central. Para o amigo vivo, o tempo no Paraíso
parece passar muito rápido, apenas "algumas horas", mas ao retornar
ao mundo dos vivos, ele descobre que trezentos anos se passaram. Isso demonstra
como a percepção do tempo pode ser alterada em diferentes realidades ou
dimensões, e como o que é um breve instante em um lugar pode ser um vasto
período em outro.
07 – Qual é o desfecho trágico
do amigo vivo e o que isso simboliza?
O desfecho trágico do amigo vivo é que,
após descobrir que trezentos anos se passaram e que sua esposa já morrera de
desgosto, ele morre subitamente, sem conseguir contar nada do que vira no
Paraíso. Isso simboliza a impossibilidade de transpor completamente a
experiência do sobrenatural para o mundo mortal. O conhecimento do Paraíso é
tão avassalador e incompatível com a vida terrena que a tentativa de recontá-lo
ou de conciliar essas realidades é fatal, mantendo o mistério do além-vida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário