Artigo de opinião: Crianças, cores e imaginação
Por Monica de Sousa
Embora a discussão sobre a necessidade
de regulamentar a publicidade infantil no país seja pertinente, uma resolução
do Conselho Nacional da Criança e do Adolescente (Conanda), ao tentar evitar
excessos, atingiu, por tabela, um sem-número de atividades econômicas e
culturais destinadas única e exclusivamente à criança.

Trata-se do licenciamento de marcas,
pelo qual o criador de uma música, um personagem ou uma animação infantil cede
o direito de uso de sua criação ao fabricante de um produto. É o licenciamento
que, no final, permite que essas criações sobrevivam, dado o limitadíssimo
consumo cultural em nosso país.
A resolução, de abril deste ano, além
de estabelecer que é abusiva a conduta de direcionar a publicidade à criança,
com a intenção de persuadi-la para o consumo de produtos e serviços, também
considera abusiva toda a comunicação mercadológica dirigida à criança que
contenha linguagem infantil, excesso de cores, trilhas sonoras e personagens
infantis, desenhos animados e bonecos. A mesma resolução define comunicação
mercadológica não apenas como a publicidade propriamente dita, mas também
páginas na internet, embalagens, ações em shows e disposição dos produtos em
lojas e supermercados.
Na tentativa de coibir eventuais
abusos, a resolução provoca efeitos certamente indesejáveis. Estranho imaginar,
por exemplo, uma boneca embalada em papel pardo na vitrine da loja de
brinquedos ou uma caixa de lápis de cor que, por fora, seja inteira em preto e
branco. Difícil aceitar também que se queira substituir o papel crucial que os
pais exercem na educação de seus filhos. Aos pais cabe impor regras saudáveis
de consumo de produtos e limitar compras de artigos que considerem prejudiciais
às crianças.
Ao considerar abusivo o uso de criações
desenvolvidas para a criança em embalagens de produtos infantis, a resolução
afetará diretamente a produção cultural voltada às crianças. Curioso notar que
a nova norma abre uma exceção ao permitir o uso dos personagens, cores e
trilhas sonoras infantis em campanhas de utilidade pública – como se essas
mesmas criações brotassem de fonte natural e não fossem produzidas por músicos,
artistas, cartunistas e escritores para serem comercializadas, direta ou
indiretamente, por meio do licenciamento. Esses, sim, serão diretamente
afetados caso a resolução se mantenha.
Quem se espanta com a posição desses
artistas “ao trocar suas criações por dinheiro” e acredita que a publicidade é
a mais nefasta das profissões deve lembrar não apenas os casos de abuso
existentes no passado e no presente e cujos exemplos proliferam nas redes
sociais. Mas também aqueles que, ao atingirem em cheio o universo infantil,
levaram à criança muito mais do que um simples produto. Como o lápis de cor que
inseriu no imaginário infantil um valioso pedacinho da música popular
brasileira ao imortalizar a “Aquarela” de Toquinho envolta em cores e desenhos
na TV.
A sociedade responsavelmente cobra dos
órgãos públicos mais atenção na prevenção aos riscos a que a criança está
exposta. Mas, certamente, não é seu desejo passar uma borracha nos desenhos,
personagens e animações que fazem parte do universo infantil. Tampouco creio
que as famílias queiram evitar o excesso de cores ou as músicas infantis que
tanto encantam seus filhos em qualquer situação.
Ainda assim, ao agir com o legítimo
intuito de coibir práticas comerciais abusivas direcionadas à criança, a
resolução acabou por recomendar que se apaguem algumas das luzes do universo
infantil.
O que precisamos mais do que tudo neste
momento é ouvir a sociedade e debater o tema sem radicalismos, para que se
chegue a um consenso do que é, no fim das contas, o melhor para a criança.
Monica de Sousa.
Crianças, cores e imaginação. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/173275-criancas-cores-e-imaginacao.shtml.
Acesso em: 11 mar. 2015.
Entendendo o artigo:
01 – Qual é o principal tema abordado
pela autora no artigo?
O principal tema
abordado pela autora é a Resolução do Conselho Nacional da Criança e do
Adolescente (Conanda) que, embora com a intenção de regulamentar a publicidade
infantil e evitar excessos, acabou por afetar negativamente diversas atividades
econômicas e culturais voltadas para crianças, como o licenciamento de marcas e
o uso de elementos visuais e sonoros infantis.
02 – O que é o licenciamento
de marcas e qual sua importância para as criações infantis, segundo o texto?
O licenciamento
de marcas é o processo pelo qual o criador de uma música, personagem ou
animação infantil cede o direito de uso de sua criação ao fabricante de um
produto. Segundo o texto, o licenciamento é crucial para a sobrevivência dessas
criações, dada a limitação do consumo cultural no Brasil.
03 – Quais elementos a
resolução do Conanda considera abusivos na comunicação mercadológica dirigida à
criança?
A resolução do
Conanda considera abusivos elementos como linguagem infantil, excesso de cores,
trilhas sonoras e personagens infantis, desenhos animados e bonecos em qualquer
comunicação mercadológica dirigida à criança, não apenas na publicidade
tradicional, mas também em páginas de internet, embalagens, shows e disposição
de produtos em lojas e supermercados.
04 – Que exemplos a autora
utiliza para ilustrar os "efeitos indesejáveis" da resolução?
A autora utiliza exemplos como uma boneca
embalada em papel pardo na vitrine de uma loja de brinquedos ou uma caixa de
lápis de cor inteira em preto e branco por fora, para ilustrar os efeitos
indesejáveis e, para ela, estranhos da resolução.
05 – Qual o papel dos pais na
educação de consumo dos filhos, de acordo com o artigo?
Segundo a autora,
o papel crucial dos pais é impor regras saudáveis de consumo e limitar a compra
de artigos que considerem prejudiciais às crianças. Ela argumenta que a
resolução do Conanda tenta substituir esse papel fundamental dos pais.
06 – Como a resolução afeta os
artistas e produtores de conteúdo infantil?
A resolução afeta
diretamente os músicos, artistas, cartunistas e escritores que criam para o
universo infantil. Ao considerar abusivo o uso de suas criações em embalagens e
produtos infantis, a resolução ameaça o modelo de comercialização direta ou
indireta (por meio do licenciamento) que permite a sobrevivência dessas obras.
A autora ressalta que, embora a resolução abra exceção para campanhas de
utilidade pública, essas criações não "brotam de fonte natural", mas
são produzidas para serem comercializadas.
07 – Qual é a proposta final
da autora para lidar com a questão da publicidade infantil?
A proposta final
da autora é ouvir a sociedade e debater o tema sem radicalismos, buscando um
consenso sobre o que é, no fim das contas, o melhor para a criança. Ela
acredita que, embora a intenção de coibir abusos seja legítima, a resolução
atual está "apagando algumas das luzes do universo infantil" ao
proibir elementos que fazem parte da imaginação das crianças.
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