domingo, 1 de dezembro de 2024

CONTO: AS COCADAS - CORA CORALINA - COM GABARITO

 CONTO: As Cocadas

               Cora Coralina

 

Eu devia ter nesse tempo dez anos. Era menina prestimosa e trabalhadeira à moda do tempo.

Tinha ajudado a fazer aquela cocada. Tinha areado o tacho de cobre e ralado o coco. Acompanhei rente à fornalha todo o serviço, desde a escumação da calda até a apuração do ponto. Vi quando foi batida e estendida na tábua, vi quando cortada em losangos. Saiu uma cocada morena, de ponto brando, atravessada de paus de canela cheirosa. O coco era gordo, carnudo e leitoso, o doce ficou excelente. Minha prima me deu duas cocadas e guardou tudo mais numa terrina grande, funda e de tampa pesada. Botou no alto da prateleira.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgYaXYVypbnXrlwuuNnkYgMSP7YEBeQEfeRWB0J2VBylW2kGJqQO774IVRXJS1LpIF4mrCpuSXaFQLA1vtegGZ-V_6Dn18VTOfa3FBslO_qWttfaXRe_F0R3MdJ-W62WaObPjkII9Hu3rlCwyJnimMIMfjbdXopoe1qscEdvPqSriG7gQst9EpVttl2Ttw/s320/COCADAS.jpg


Duas cocadas só... Eu esperava quatro e comeria de uma assentada oito, dez mesmo. Dias seguidos namorei aquela terrina, inacessível de noite, sonhava com as cocadas. De dia, as cocadas dançavam pequenas piruetas na minha frente. Sempre eu estava por ali perto, ajudando nas quitandas, esperando, aguardando e de olho na terrina.

Batia os ovos, segurava a gamela, untava as formas, arrumava nas assadeiras, entregava na boca do forno e socava cascas no pesado almofariz de bronze.

Estávamos nessa lida e minha prima precisou de uma vasilha para bater um pão-de-ló. Tudo ocupado. Entrou na copa e desceu a terrina, botou em cima da mesa, deslembrada do seu conteúdo. Levantou a tampa e só fez: Hiii... Apanhou um papel pardo sujo, estendeu no chão, no canto da varanda e despejou de uma vez a terrina.

As cocadas moreninhas, de ponto brando, atravessadas aqui e ali de paus de canela e feitas de coco leitoso e carnudo guardadas ainda mornas e esquecidas, tinham se recoberto de uma penugem cinzenta, macia e aveludada de bolor.

Aí minha prima chamou o cachorro: Trovador... Trovador... e veio o Trovador, um perdigueiro de meu tio, lerdo, preguiçoso, nutrido e abanando a cauda. Farejou os doces sem interesse e passou a lamber, assim de lado, com o maior pouco caso.

Eu olhando com uma vontade louca de avançar nas cocadas.

Até hoje, quando me lembro disso, sinto dentro de mim uma revolta – má e dolorida – de não ter enfrentado decidida, resoluta, malcriada e cínica, aqueles adultos negligentes e partilhado das cocadas bolorentas com o cachorro.

CORALINA, Cora. O Tesouro da Casa Velha. 3. ed. São Paulo: Global, 2000.p.85-6.

 Entendendo o texto

01-  Marque (V) para efeitos de sentidos pertinentes ao texto-discurso e (F) para os efeitos de sentidos não pertinentes: 

a-( V ) percebe-se que independente da idade, as crianças e adolescentes da época eram submetidos às atividades domésticas, prática considerada normal, à época;

b-( F  ) percebe-se que ao narrar que participou de todas as etapas da feitura do doce, a menina, narradora-personagem, pretendeu realçar o quanto se sentiu injustiçada, ao receber apenas uma cocada;

c-( V ) percebe-se que ao qualificar positivamente o coco, a narradora-personagem quis sugerir que a escolha da matéria-prima contribui, muitas vezes, para o pleno resultado do produto;

d-( V ) percebe-se que a narradora-personagem instiga o leitor a imaginar as sensações que sentiu quando menina, ao qualificar o coco e o doce, depois de pronto;

e-( F ) Percebe-se que não se apelou para os sentidos -visual, olfativo, gustativo e tátil- do leitor e da leitora, ao justificar-se o desejo da menina pelo doce;

f-( F ) percebe-se que a personagem prima, ao oferecer as cocadas emboloradas ao Trovador, o cachorro do tio, mostra que o tratamento dispensado aos animais não era dos melhores;

g-( F ) percebe-se que a personagem prima, ao oferecer as cocadas emboloradas ao Trovador, o cachorro do tio, mostra que a maioria dos adultos, à época, dava mais atenção aos animais que às crianças;

h-( V ) percebe-se que à época, geralmente, os adultos não ligavam importância aos sentimentos das crianças e adolescentes;

i-( V ) percebe-se que ao guardar a vasilha contendo as cocadas, no alto da prateleira, não se tinha intenção de distribuir os doces, mas sim de guardá-los; 

j-( F ) percebe-se que o fato de colocar a vasilha contendo as cocadas, no alto da prateleira, acentuava uma prática social comum da personagem prima: a capacidade de partilhar;

l-( F  ) percebe-se que a preocupação exclusiva com o trabalho era uma prática social marcante na vida das pessoas de antigamente;

k-( F ) percebe-se a prática social de as tarefas de casa serem repartidas igualmente entre todos os membros da casa;

l-( F ) percebe-se a prática social de a cozinha ficar a cargo tanto de homens quanto de mulheres;

m-( V  ) percebe-se como destaque a prática sócio-psicológica da inveja;

n-( V ) percebe-se como destaque a prática sócio-psicológica da frustração;

o-( F  ) percebe-se que a narradora-personagem, ao relembrar o episódio de quando menina, denota superação do sentimento negativo que nutria pelos adultos de então.

     02-No texto-discurso, percebe-se, como tese central, uma oposição político-cultural da narradora-personagem a uma prática social dos tempos mais antigos. Contra o que se protesta:

       a- contra a gulodice das crianças;

       b- contra o fato de as crianças trabalharem;

    c- contra a rigidez e a insensibilidade com que os adultos tratavam as crianças;

       d- contra os maus tratos aos animais.

   03-O primeiro conflito relevante da narrativa se instala quando:

      a- se fazem as cocadas;

      b- se distribuem duas cocadas à menina e colocam-se as outras cocadas no alto da prateleira;

      c- se descobre que as cocadas se emboloraram;

      c- se distribuem as cocadas para o cachorro.

  04-O clímax da narrativa transcorre quando:

        a- se distribuem duas cocadas à menina e colocam-se as outras cocadas no alto da prateleira;

          b- se descobre que as cocadas se emboloraram;

     c- se distribuem as cocadas ao cachorro, com a menina salivando de vontade comê-las;

         d- a narradora-personagem lembra do episódio já adulta.

  05-Uma relação trabalhista permanece existindo, tanto na época histórica em que teria vivido a narradora-personagem, quanto nos dias de hoje. Qual?:

        a- o trabalhador trabalha duro e os chefes o recompensam com uma grande quantidade das riquezas produzidas;

        b- o trabalhador trabalha duro e os chefes não o recompensam como deveria, retornando-lhe apenas uma mísera parte das riquezas produzidas;

         c- o trabalhador trabalha duro e o chefe reparte em igualdade as riquezas produzidas com o trabalhador;

         d- o trabalhador trabalha duro e vê o fruto do seu trabalho, as riquezas produzidas, sendo distribuídas para o bem comum de toda a sociedade.

   06- Em “Até hoje, quando me lembro disso, sinto dentro de mim uma revolta – e dolorida – de não ter enfrentado decidida, resoluta, malcriada e cínica, aqueles adultos negligentes e partilhado das cocadas bolorentas com o cachorro.”, os adjetivos grifados:

a-   caracterizam-qualificam positivamente a REVOLTA, os ADULTOS e as COCADAS;

         b-caracterizam-qualificam negativamente a REVOLTA e os ADULTOS;

         c-caracterizam-qualificam negativamente a narradora-personagem;

         d- caracterizam-qualificam negativamente a REVOLTA, os ADULTOS e as COCADAS.

    07-Em Batia os ovos, segurava a gamela, untava as formas, arrumava as assadeiras, entregava na boca do forno e socava no pesado almofariz de bronze.”, a quem ou a que se referem as ações acima sublinhadas?

A narradora-personagem.

    08-Em “Batia os ovos, segurava a gamela, untava as formas, arrumava as assadeiras, entregava na boca do forno e socava no pesado almofariz de bronze.”, infira qual objeto a narradora-personagem “arrumava nas assadeiras” ou “entregava na boca do forno”?

        As formas com os bolos ou outras preparações culinárias.

   09-Algumas palavras utilizadas no conto sofreram modificações, ao longo do tempo, outras até caíram em desuso (ficaram arcaicas). Pesquise o significado das palavras abaixo:

a-aguando; esperando ansiosamente.

b-almofariz; recipiente de pedra ou metal, usado para triturar alimentos ou outros materiais.

c-apuração; ato de levar ao ponto certo, de refinar.

d-areado; ato de esfregar com areia para limpar.

e-deslembrada; esquecida, distraída.

f-escumação; ato de retirar a espuma.

g-gamela; : recipiente grande, geralmente de madeira, usado para misturar alimentos

h-terrina; recipiente fundo e largo, com tampa, usado para guardar alimentos

i-untava; passava gordura ou outro tipo de substância em uma superfície

j-quitandas:  doces ou salgados vendidos em pequenas quantidades

 

 

 

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