CRÔNICA: O
COME E NÃO ENGORDA
Luís Fernando Veríssimo
Ninguém é
mais admirado ou invejado do que o come e não engorda. Você o conhece. É o que
come o dobro do que nós comemos e tem metade da circunferência e ainda se
queixa:
- Não adianta. Não consigo engordar.
O come e não engorda é meu ídolo. Só não lhe peço autógrafo por inibição. Meu
sonho é emagrecer e depois nunca mais engordar, por mais que tente. Quando eu
diminuir, quero ser um come e não engorda.
Não se deve confundir o come e não engorda com o enfastiado. Este
pertence a outra espécie. Não é humano. Pode até ser melhor do que nós, um
aperfeiçoamento, mas não é humano. Afinal, o que une a humanidade é o seu
apetite comum. Não é por nada que partilhar da comida com o próximo tem sido
símbolo de concórdia desde as primeiras cavernas. Até hoje as conferências de
paz se fazem em volta de uma mesa onde a comida, se não está presente, está
implícita. Desconfie do enfastiado. Ele será um agente de outra galáxia ou um
poço de perversões, ou as duas coisas. De qualquer maneira, mantenha-o longe das
crianças. Quando encontrar alguém na frente de um prato cheio só emparelhando
as ervilhas com a ponta da faca, notifique os órgãos de segurança. É um
enfastiado e pode ser perigoso. Sempre achei que as pessoas que comem como um
passarinho deviam ser caçadas a bodoque. O seu fastio, inclusive, é
um escárnio aos que querem comer e não podem.
Já o come e não engorda compartilha do nosso apetite, só não compartilha das
consequências. Ele repete a massa e não tem remorso. Pede mais chantilly e sua
voz não treme. Molha o pão no café com leite! E ainda se queixa:
- Há 15 anos tenho o mesmo peso.
O come e não engorda só parou de mamar no peito porque proibiram sua mãe de
ficar junto no quartel. Quando o come e não engorda nasceu, uma estrela misteriosa
apareceu no Guide Michelin de restaurantes para aquele ano. O
come e não engorda caminha sobre a sauce béarnaise e não
afunda. Multiplica os filés de peixe à meuniére e os pães de
queijo. Por onde o come e não engorda passa, as ovelhas se atiram para trás e
pedem “me assa!”. O come e não engorda tem o segredo da Vida e da Morte e,
suspeita-se, o telefone da Bruna Lombardi. E ainda se queixa:
- Tenho que tomar quatro milk-shakes entre as refeições. Dieta.
Dieta! E você ali, de olho arregalado.
VERISSIMO,
Luís Fernando. A mesa voadora.
Rio de Janeiro:
Objetiva,
2001. P. 21-22.
Entendendo o texto:
01 – Quando você leu o título do texto,
construiu hipóteses sobre seu
conteúdo. Suas suposições se confirmaram após a leitura? Explique.
Resposta pessoal.
02 – Qual é a sua opinião sobre ao texto?
Você gostou dele? Achou-o bem-humorado? Justifique sua resposta.
Resposta pessoal.
03 – Você é um come e não engorda?
Sua visão sobre essas pessoas é parecida com a de Luís Fernando Verissimo?
Explique.
Resposta pessoal.
04 – Escreva a seguir as palavras do texto
que você não conhece procure-as no dicionário e anote seus significados.
Resposta pessoal.
05 – O texto diz: “Não se deve confundir o
come e não engorda com o enfastiado. Este pertence a outra espécie. Não é
humano”. Explique, com suas palavras, as diferenças entre esses dois tipos
descritos pelo autor.
Segundo o texto, o come e não engorda é o
tipo que tem apetite, come muito e não sente remorso. Já o enfastiado é o tipo
que come pouco, que não tem apetite. Para o autor, comer é humano, portanto,
quem não tem o desejo de comer pertence a outra espécie ou galáxia.
06 – O autor afirma que partilhar a comida
tem sido símbolo de concórdia desde o tempo das cavernas. O que ele quis dizer
com isso?
De acordo com Veríssimo, o que une a
humanidade é o seu apetite comum. Espera-se que os alunos relacionem essa
afirmação com o fato de as pessoas se reunirem à mesa não só para a alimentar,
mas também para festejar ou mesmo negociar. Geralmente, isso é feito em clima
amistoso e pacífico. Além disso, partilhar o alimento é visto como sinal de
fraternidade.
07 – Relate uma situação que você tenha
vivido em que partilhar a comida tenha sido símbolo de concórdia ou comunhão.
Resposta pessoal.
08 – Muitas formas de expressão artística
têm mostrado a mesa e o partilhar do alimento como forma de comunhão. Observe a
reprodução deste quadro e responda ao que se pede a seguir.
a)
Você conhece essa imagem? O que é representado nessa cena?
Leonardo da Vinci retrata nessa tela
uma cena bíblica em que JESUS CRISTO faz a última ceia com os apóstolos antes
de ser preso e crucificado, revelando-lhes que um deles o trairá.
b)
É possível relacioná-la com a crônica de Luís Fernando Verissimo?
Explique.
Espera-se que os alunos consigam
relacionar a imagem com a ideia expressa no texto de que partilhar a comida é
um símbolo de concórdia, de comunhão.
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