terça-feira, 3 de abril de 2018

CONTO: POR UM PÉ DE FEIJÃO - ANTONIO TORRES - COM GABARITO


CONTO: POR UM PÉ DE FEIJÃO

      Nunca mais haverá no mundo um ano tão bom. Pode até haver anos melhores, mas jamais será a mesma coisa. Parecia que a terra (a nossa terra, feinha, cheia de altos e baixos, esconsos, areia, pedregulho e massapê) estava explodindo em beleza. E nós todos acordávamos cantando, muito antes do sol raiar, passávamos o dia trabalhando e cantando e logo depois do pôr do sol desmaiávamos em qualquer canto e adormecíamos, contentes da vida.
          Até me esqueci da escola, a coisa de que mais gostava. Todos se esqueceram de tudo. Agora dava gosto trabalhar.
          Os pés de milho cresciam desembestados, lançavam pendões e espigas imensas. Os pés de feijão explodiam as vagens do nosso sustento, num abrir e fechar de olhos. Toda a plantação parecia nos compreender, parecia compartilhar de um destino comum, uma festa comum, feito gente. O mundo era verde. Que mais podíamos desejar?
          E assim foi até a hora de arrancar o feijão e empilhá-lo numa seva tão grande que nós, os meninos, pensávamos que ia tocar nas nuvens. Nossos braços seriam bastantes para bater todo aquele feijão? Papai disse que só íamos ter trabalho daí a uma semana e aí é que ia ser o grande pagode. Era quando a gente ia bater o feijão e iria medi-lo, para saber o resultado exato de toda aquela bonança. Não faltou quem fizesse suas apostas: uns diziam que ia dar trinta sacos, outros achavam que era cinquenta, outros falavam em oitenta.
          No dia seguinte voltei para a escola. Pelo caminho também fazia os meus cálculos. Para mim, todos estavam enganados. Ia ser cem sacos. Daí para mais. Era só o que eu pensava, enquanto explicava à professora por que havia faltado tanto tempo. Ela disse que assim eu ia perder o ano e eu lhe disse que foi assim que ganhei um ano. E quando deu meio-dia e a professora disse que podíamos ir, saí correndo. Corri até ficar com as tripas saindo pela boca, a língua parecendo que ia se arrastar pelo chão. Para quem vem da rua, há uma ladeira muito comprida e só no fim começa a cerca que separa o nosso pasto da estrada e foi logo ali, bem no comecinho da cerca, que eu vi a maior desgraça do mundo: o feijão havia desaparecido. Em seu lugar, o que havia era uma nuvem preta, subindo do chão para o céu, como um arroto de Satanás na cara de Deus. Dentro da fumaça, uma língua de fogo devorava todo o nosso feijão.
          Durante uma eternidade, só se falou nisso: que Deus põe e o diabo dispõe.
          E eu vi os olhos da minha mãe ficarem muito esquisitos, vi minha mãe arrancando os cabelos com a mesma força com que antes havia arrancado os pés de feijão:
          - Quem será que foi o desgraçado que fez uma coisa dessas? Que infeliz pode ter sido?
          E vi os meninos conversarem só com os pensamentos e vi o sofrimento se enrugar na cara chamuscada do meu pai, ele que não dizia nada e de vez em quando levantava o chapéu e coçava a cabeça. E vi a cara de boi capado dos trabalhadores e minha mãe falando, falando, falando e eu achando que era melhor se ela calasse a boca.
          À tardinha os meninos saíram para o terreiro e ficavam por ali mesmo, jogados, como uns pintos molhados. A voz da minha mãe continuava balançando as telhas do avarandado. Sentado em seu banco de sempre, meu pai era um mudo. Isso nos atormentava um bocado.
          Fui o primeiro a ter coragem de ir até lá. Como a gente podia ver lá de cima, da porta da casa, não havia sobrado nada. Um vento leve soprava as cinzas e era tudo. Quando voltei, papai estava falando.
          - Ainda temos um feijãozinho de corda no quintal das bananeiras, não temos? Ainda temos o quintal das bananeiras, não temos? Ainda temos o milho para quebrar, despalhar, bater e encher o paiol, não temos? Como se diz, Deus tira os anéis, mas deixa os dedos.
          E disse mais:
          - Agora não se pensa mais nisso, não se fala mais nisso. Acabou.
          Então eu pensei: O velho está certo.
          Eu já sabia que quando as chuvas voltassem, lá estaria ele, plantando um novo pé de feijão.

                      TORRES, Antônio. Por um pé de feijão. Em: MORICORI, Ítalo.
                                                    Os cem melhores contos brasileiros do século.
                                                          Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. P 586-587.

     Entendendo o texto:
     01 – Antes de ler o texto, você observou seu título e imaginou sobre o que ele trataria de fato, do que trata essa história?
      O texto traz a história de um menino e suas experiências com a colheita do feijão.

     02 – Releia a primeira frase do texto: “Nunca mais haverá no mundo um ano tão bom”. A que se refere esse ano bom?
      Refere-se a um bom ano para a plantação, pois a colheita do feijão foi fértil.

     03 – No início da história, tudo parece correr bem, mas algo altera o curso dos acontecimentos. Que fato provoca essa mudança?
      O fato do feijão pegar fogo, incendiar-se por completo.

     04 – Para você, qual é o ponto mais alto da história, isto é, qual é o momento de maior tensão nessa narrativa?
      Depois que se instaura o conflito, quando o menino constata que o feijão havia desaparecido, o ápice é a descrição do fogo devorando a colheita: “Em seu lugar, o que havia era uma nuvem preta, subindo do chão para o céu, como um arroto de satanás na cara de Deus. Dentro da fumaça, uma língua de fogo devorava todo o nosso feijão”.

     05 – Como a família da história acaba lidando com o problema?
      No início, a mãe não para de falar, enquanto o pai apenas observa e demonstra preocupação. Por fim, a família acaba aceitando, decide não tocar mais no assunto e começar o trabalho todo de novo.

     06 – Você gostou do desfecho, isto é, do modo como o conflito se resolve no final?
      No desfecho, o menino percebe que a tragédia será superada e eles voltarão a plantar feijão. Deixe que os alunos deem suas opiniões sobre a maneira com que os personagens lidam com esse conflito.

     07 – A linguagem usada no texto é formal ou informal? Encontre um trecho que comprove sua resposta.
      Embora siga a variedade padrão, a linguagem é predominantemente informal. Exemplo: “Os pés de milho cresciam desembestados”. Mostre aos alunos que esse registro é adequado ao contexto da história, que é narrada por um menino. O autor possivelmente fez essa escolha para criar um feito de verossimilhança, isto é, para que o leitor acredite na voz do personagem que narra os fatos.

     08 – Os personagens fazem uso de alguns ditados populares, relacionando-os à situações que estão vivendo. Encontre esses ditados e explique seus significados dentro do contexto em que foram usados.
      “Deus põe e o diabo dispõe”: aquilo que foi dado pela natureza naquela colheita foi arrancado pelo fogo, pelo “diabo”. “Deus tira os anéis, mas deixa os dedos”: as coisas materiais se vão, mas ficam as pessoas e a possibilidade de recuperar os anéis.

     09 – Essa história começou com uma situação tranquila, sem imprevistos. De repente, um fato surpreendente fez tudo mudar, criando um conflito para os personagens. Na vida cotidiana isso também acontece? Você já viveu situação semelhante?
      Resposta pessoal.


22 comentários:

  1. uma produção textual referente ao texto com no mínimo 20 linhas?

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  2. Muito bom obrigado vc me ajudou muito 😰

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  3. Eu quenro mais respostas do texto o pé de feijão

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