Carlos Drummond de Andrade
É verão. Um rapaz
está na praia. Passam por ele várias meninas bonitas que o ignoram. O calor é
intenso e ele resolve tomar um refrigerante da marca X. De repente, como num
passe de mágica, várias meninas bonitas se aproximam dele com olhar apaixonado.
Penduradas em seu pescoço, provam do refrigerante, dizendo: “Torne o seu verão
mais quente com o refrescante refrigerante X”. A publicidade cria mundos
imaginários?
CRÔNICA: OLHADOR DE ANÚNCIO
Eis que se aproxima o
inverno, pelo menos nas revistas, cheias de anúncios de cobertores, lãs e
malhas. O que é o desenvolvimento! Em outros tempos, se o indivíduo sentia
frio, passava na loja e adquiria os seus agasalhos. Hoje são os agasalhos que
lhe batem à porta, em belas mensagens coloridas.
E nunca vêm sós. O cobertor
traz consigo uma linda mulher, que se apresta para se recolher debaixo de sua
“nova textura antialérgica”, e a legenda: “Nosso cobertor aquece os corpos de
quem já tem o coração quente”. A mulher parece convidar-nos: “Venha também”.
Ficamos perturbados. Faz calor, um calor daqueles. Mas a página aconchegante
instala imediatamente o inverno, e sentimo-nos na aflita necessidade de
proteger o irmão corpo sob a maciez desse cobertor, e...
Não. A mulher absolutamente
não faz parte do cobertor, que é que o senhor estava pensando? Nem adianta
telefonar para a loja ou para a agência de publicidade, pedindo endereço da
moça do cobertor antialérgico de textura nova. Modelo fotográfico é categoria
profissional respeitável, como outra qualquer. Tome juízo, amigo. E leve só o
cobertor.
São decepções de olhado de
anúncios. [...].
Mas sempre é bom tomar
conhecimento das mensagens, passada a frustração. É o mundo visto através da
arte de vender. “As lojas fazem tudo por amor”. Já sabemos, pela estória do
cobertormulher (uma palavra só) que esse tudo é muito relativo. “Em nossas
vitrinas a japona é irresistível “Então, precavidos, não passaremos diante das
vitrinas. E essa outra mensagem é, mesmo, de alta prudência: “Aprenda a ver com
os dois olhos”. Precisamos deles para navegar na maré de surrealismo que cobre
outro setor de publicidade: “Na liquidação nacional, a casa X tritura preços”.
Os preços virando pó, num país inteiramente líquido: vejam a força da imagem.
Rara espécie de animal aparece de repente: “Comprar na loja Y é
supergalinha-morta”.
Prosseguimos, invocados,
sonhando “o sonho branco das noites de julho”: “Ponha uma onça no seu
gravador”. “A alegria está no açúcar”. “Pneu de ombros arredondados é mais
pneu”. “Tip-top tem sabor do céu”. “Use nossa palmilha voadora”. “Seus pés
estão chorando por falta das meias Rouxinol, que rouxinolizam o andar”. “Neste
relógio, você escolhe a hora”. “Ponha você neste perfume”. “Toda a sua família
cabe neste refrigerador e ainda sobra lugar para o peru de Natal”. “Sirva nossa
lingerie como champanha; é mais leve e mais espumante”.
O olhador sente o prazer de
novas associações de coisas, animais e pessoas; e esse prazer é poético. Quem
disse que a poesia anda desvalorizadas? A bossa dos anúncios prova o contrário.
E, ao vender-nos qualquer mercadoria, eles nos dão de presente “algo mais”, que
é produto da imaginação e tem serventia, como as coisas concretas, que também
de pão abstrato se nutre o homem.
Carlos Drummond de Andrade. O poder ultrajovem.
Rio de Janeiro: Record, 1986. P. 151-2.
1 – A crônica “Olhador de anúncio”, como é próprio do gênero, nasce da
observação de situações do cotidiano e promove reflexões sobre a realidade.
a) Que fato despertou
inicialmente a atenção do narrador e serve para introduzir o assunto da crônica
lida?
A
presença de anúncios de produtos de inverno (cobertores, lãs e malhas) em
revistas.
b) Que tipo de reflexão
o texto promove sobre a realidade?
O
texto promove uma reflexão sobre os mecanismos de persuasão (convencimento) da
publicidade.
2 – No primeiro parágrafo, o narrador diz:” Eis que se aproxima o
inverno, pelo menos nas revistas”. Depois, nesse parágrafo e no seguinte,
descreve e comenta o anúncio do cobertor.
a) Explique por que o
narrador emprega a expressão pelo menos nesse contexto.
Emprega
a expressão pelo menos porque não está fazendo frio. Esta calor, mas, nas
revistas, já começou a campanha publicitária de inverno.
b) Levante hipóteses:
Provavelmente, como o narrador completaria a frase “e sentimo-nos na aflita
necessidade de proteger o irmão corpo sob a maciez desse cobertor, e...”?
Resposta
pessoal.
c) Conclua: De que
recursos – argumentos, imagens, sensações, etc. – o anunciante se vale para
convencer o leitor a consumir o cobertor anunciado?
Os
recursos são diversos; eles tentam seduzir o consumidor pelo tato, sugerindo a
“nova textura antialérgica”, pelas emoções (“o coração quente”) e pelo erotismo
(“venha também”).
3 – Observe o quinto parágrafo do texto. Nele, há várias frases entre
aspas, seguidas de outras frases, sem aspas, como neste caso:
“As lojas fazem tudo por
amor. Já sabemos, pela estória do cobertomulher (uma palavra só) que esse tudo
é muito relativo”.
a) Explique: Por que a
afirmação de que “esse tudo é muito relativo”?
O
texto deixa claro que a mulher não vai junto com o cobertor; a imagem dela no
anúncio é apenas uma forma de atrair a atenção do consumidor.
b) O que lembram as
frases entre aspas nesse parágrafo?
Slogans
utilizados em vários anúncios publicitários.
c) Qual é o papel das
frases que se seguem às frases entre aspas?
São
comentários do narrador sobre os slogans, feitos com o propósito de procurar
desmascarar o argumento utilizado pelo anúncio.
4 – Observe estes slogans publicitários destacados pelo narrador:
- “o sonho branco das noites
de julho”
- “A alegria está no açúcar”
- “[...] meias Rouxinol, que
rouxinolizam o andar”
- “Sirva nossa lingerie como
champanha”
a) O que esses slogans têm em
comum?
Todos eles procuram associar ao produto uma ideia positiva:
“sonho branco”, “alegria”,”rouxinolizam”, “champanha”.
b)Por que o narrador vê semelhança entre esses slogans e a poesia?
Professor: Sugerimos abrir a discussão com a classe, pois pode ser que alguns
alunos tenham dificuldade para responder a questão. Conforme o texto, “O
olhador sente o prazer de novas associações de coisas, animais e pessoas; e
esse prazer é poético”. Ou seja, a publicidade, assim como a poesia, trabalha a
linguagem explorando associações, como as metonímias e as metáforas.
5 – No último parágrafo, o narrador afirma que os anúncios, ao nos
venderem mercadorias, nos presenteiam com “algo mais”.
a) De acordo com o
texto, esse “algo mais” é produto do que?
Esse
“algo mais” é produto da imaginação do olhador, origina-se do desejo dele de
sonhar ou de se transportar para um mundo especial, sensível, poético.
b) Explique a frase
final do texto: “que também de pão abstrato se nutre o homem”.
Professor:
Sugerimos abrir a discussão com a classe. O narrador se refere à necessidade
que o ser humano tem de viver momentos de poesia, sonhar, imaginar,
transportar-se para outros mundos.
VERY NICE
ResponderExcluirVlw
ResponderExcluirMe ajudo muito ótimo site
ResponderExcluirPois é😷😰
ExcluirBgd❤
ResponderExcluirMuitíssimo obrigado!!!!
ResponderExcluirobrigado!!
ResponderExcluirObrigada
ResponderExcluirMuito Obgd Mãe ajudau Muitooo💖💖💖💖💖💖💖
ResponderExcluirMuito Obgd Me ajudou Muitoo**💖💖💖💖
ResponderExcluirPerfeitoo👏👏😅😍😍
ResponderExcluirVlw
ResponderExcluirObrigada me ajudou muito
ResponderExcluirPois é me ajudou também🙏🙏
ExcluirMuito bom! Obrigada!
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