domingo, 3 de agosto de 2025

NOTÍCIA: PALMAS E PRECONCEITOS - PAULO CASTAGNA - COM GABARITO

 Notícia: Palmas e preconceitos

        Talento não bastava: para se aa primeira cantora brasileira aplaudida na Europa, Lapinha teve de esconder sua pele negra

Por Paulo Castagna, 3/1/2011

        Óperas já eram encenadas no Brasil durante o século XVIII. Foi nesse período que surgiu, no Rio de Janeiro, Joaquina Lapinha, a primeira cantora lírica brasileira que virou celebridade, e sobre quem pouca coisa se sabe. O sucesso de suas apresentações a levou a fazer uma longa e bem-sucedida temporada na Europa. Mesmo assim, até hoje não foram descobertos retratos que mostrem suas feições. Só existem citações de seu nome em documentos da época, principalmente programas teatrais, partituras e críticas musicais. Sua origem é tão misteriosa quanto sua morte. O pouco que se sabe dela é que, por ser negra, teve que vencer diversos entraves sociais para que pudesse deleitar as plateias cariocas e lusitanas.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhaXXMHUOzTIPWS8hcvWUyvkB56UpFj9d1h9E-zANnwThBaQkWL7tfv5idUiQHr2jbBWlLmmdQ-Qrd7k7-MNyxESCpzIRInsdNMohcw1QDXydC4IPSSr7LXqbq5AUOYRnIUJMDbsbHaucg94O8WyshU2DzY975SFUJAQFrQMcgob41wNVxGnnVtFs2sgdA/s1600/download.jpg


        Mesmo na Europa, raramente havia cantoras de ópera até meados do século XVIII. Os papéis femininos eram, em grande parte, interpretados por homens. Muitos desses intérpretes, por sinal, eram castrados, como o famoso cantor italiano Farinelli, alcunha pela qual Carlo Maria Broschi (1705-1782) se tornou conhecido. Algo parecido ocorria no cenário da música sacra. A Igreja Católica foi a instituição que mais restringiu o gênero feminino, proibindo que as mulheres cantassem nas missas até o começo do século XX. Uma passagem da Primeira Epístola de Paulo aos Coríntios justifica essa proibição: “É vergonhoso para a mulher falar na igreja”. E na opinião de Santo Ambrósio, que viveu no século IV, “a mulher deverá permanecer calada na igreja”.

        Foi somente a partir das transformações sociais e do crescimento dos valores burgueses – como o maior acesso à música, a construção de teatros públicos de ópera que podiam ser frequentados pela compra de ingressos, e não somente pela condição de nobreza – no decorrer do século XVIII que as mulheres começaram a atuar e a cantar profissionalmente. Como o canto sacro ainda lhes era vetado, essas primeiras profissionais acabaram encontrando seu espaço no teatro e na ópera. A italiana Margherita Durastanti (ativa entre 1700 e 1734) foi uma das primeiras cantoras profissionais na Europa, chegando a participar de várias óperas de Händel (1685-1759) na Inglaterra. Cantoras brasileiras surgiram pouco tempo depois.

        Já havia mulheres cantando no Rio de Janeiro e em Minas Gerais pelo menos desde 1770. Nesse ano, João de Souza Lisboa, proprietário da casa da ópera de Vila Rica – atual Teatro Municipal de Ouro Preto (MG) –, chegou a comunicar ao governador da capitania de Minas Gerais que já tinha “na casa da ópera duas fêmeas que representam, e uma delas com todo o primor, muito melhor que as do Rio de Janeiro”. Diferentemente do que ocorria no Velho Mundo, eram comuns no Brasil, até o início do século XIX, atores negros e mulatos, maquiados com tinta branca e vermelha, representando os europeus daquela época. Cantar ópera por aqui, naquele tempo, não envolvia o glamour dos cantores de hoje. Esse tipo de trabalho, muito pelo contrário, era feito por subalternos, e seu descumprimento poderia ser severamente punido. Em casos extremos, a punição podia ser até a prisão.

        Foi nesse contexto que surgiu Lapinha, cujo nome verdadeiro era Joaquina Maria da Conceição Lapa e que começou a atuar e cantar em óperas no Rio de Janeiro na década de 1780. Manuscritos que vêm sendo estudados em Portugal, principalmente pelo musicólogo inglês David Cranmer, demonstram que ela trabalhou em várias peças dos italianos Giovanni Paisiello (1740-1816) e Domenico Cimarosa (1749-1801), os compositores mais conhecidos do gênero em seu tempo. De Paisiello, ela cantou, entre outras, “O Barbeiro de Sevilha” – cujo enredo também foi musicado por Gioacchino Rossini (1792-1868) anos depois. Lapinha se apresentou ainda em algumas óperas do italiano Fortunato Mazziotti (1782-1855), do lusitano Marcos Portugal (1762-1830) e do brasileiro José Maurício Nunes Garcia (1767-1830), que lhe dedicou papéis líricos em “Ulisseia” e em “O Triunfo da América”, representadas no Rio de Janeiro em 1809.

        Preparar-se para atuar numa ópera, tanto naquela época quanto posteriormente, exigia muito tempo e bastante trabalho. As boas cantoras executavam com frequência as coloraturas, ou seja, a emissão de várias notas agudas numa só sílaba, técnica que exigia muito do intérprete e que, quando bem utilizada, causava furor na plateia. Lapinha não só tinha nesse recurso um de seus trunfos, como o usou para cativar o público, segundo algumas críticas que foram preservadas até hoje.

        Os documentos até agora localizados sobre Lapinha indicam que, depois de seu começo de carreira no Rio de Janeiro, a cantora se apresentou em várias cidades de Portugal entre 1791 e 1805. A edição da Gazeta de Lisboa de 16 de janeiro de 1795 se refere a “Joaquina Maria da Conceição Lapinha, natural do Brasil, onde se fizeram famosos os seus talentos músicos, que têm já sido admirados pelos melhores avaliadores desta capital”. Em 6 de fevereiro de 1795, o mesmo jornal fez uma crítica ainda mais elogiosa, que enfatizou a capacidade que a cantora tinha de deixar até mesmo plateias europeias deslumbradas: “A 24 do mês passado, houve no Teatro de São Carlos desta cidade [de Lisboa] o maior concurso que ali se tem visto, para ouvir a célebre cantora americana Joaquina Maria da Conceição Lapinha, a qual, na harmoniosa execução do seu canto, excedeu a expectação de todos: foram gerais e muito repetidos os aplausos que expressavam a admiração que causou a firmeza e sonora flexibilidade da sua voz, reconhecida por uma das mais belas e mais próprias para teatro”.

        Além de receber os aplausos dos portugueses, Lapinha havia superado outra barreira na Europa: ela foi uma das primeiras mulheres a receber autorização para participar de espetáculos públicos em Lisboa. Assim que chegou à cidade, Joaquina se deparou com um veto da própria rainha D. Maria I à participação feminina nas apresentações realizadas nos teatros da capital. O motivo provavelmente estava relacionado aos flertes de seu marido, o rei D. Pedro III, com as atrizes que se apresentavam em Lisboa. O viajante sueco Carl Ruders (1761-1837), responsável por essa informação, também comenta que a cantora era obrigada a disfarçar a cor de sua pele – que os europeus julgavam “inconveniente” – com tinta branca: “Joaquina Lapinha é natural do Brasil e filha de uma mulata, por cujo motivo tem a pele bastante escura. Este inconveniente, porém, remedeia-se com cosméticos. Fora disso, tem uma figura imponente, boa voz e muito sentimento dramático”.

        Depois de passar esse período em Portugal, enfrentando as dificuldades decorrentes da sua condição de mulher negra, a cantora retornou ao Rio de Janeiro e continuou cantando óperas. Seu nome parou de aparecer nos anúncios de espetáculos de música lírica em meados de 1813.

        O sucesso que Joaquina Lapinha alcançou em vida ocorreu independentemente de sua condição racial. Isso demonstra que a herança africana e a excelência da arte, mesmo vistas por um olhar europeu, não eram fatores opostos, como se acreditava antes.

Paulo Castagna. Disponível em: http://revistadehistoria.com.br/secao/retrato/opera-da-discriminacao. Acesso em: fev. 2013.

Fonte: Arte em Interação – Hugo B. Bozzano; Perla Frenda; Tatiane Cristina Gusmão – volume único – Ensino médio – IBEP – 1ª edição – São Paulo, 2013. p. 272-274.

Entendendo a notícia:

01 – Qual foi o principal desafio enfrentado por Joaquina Lapinha para alcançar o sucesso como cantora lírica, tanto no Brasil quanto na Europa, e como ela o superou?

      O principal desafio enfrentado por Joaquina Lapinha foi o preconceito racial e de gênero em uma sociedade onde mulheres e, especialmente, mulheres negras, tinham seu acesso à música profissional severamente restrito. No Brasil do século XVIII, embora atores negros fossem comuns, o trabalho em ópera era subalterno, e na Europa, cantoras eram raras e o canto era predominantemente masculino. Como mulher negra, Lapinha teve que superar entraves sociais significativos. Ela superou isso através de seu talento excepcional, especialmente sua maestria nas coloraturas e sua voz reconhecida como "uma das mais belas e mais próprias para teatro", que deslumbrou plateias cariocas e lusitanas. Além disso, na Europa, ela precisou esconder a cor de sua pele com cosméticos para ser aceita em espetáculos públicos, uma exigência para superar o preconceito racial "inconveniente" na visão europeia da época.

02 – De que forma a trajetória de Joaquina Lapinha, apesar dos obstáculos, desafiou as concepções da época sobre a arte e a origem racial?

      A trajetória de Joaquina Lapinha desafiou diretamente as concepções da época ao provar que o talento artístico e a excelência não estavam atrelados à raça ou ao gênero, mesmo sob o olhar europeu. Em uma era onde o preconceito racial era arraigado e a participação feminina na música lírica era limitada, Lapinha, uma mulher negra, alcançou reconhecimento internacional e foi aplaudida em teatros europeus. Seu sucesso demonstrou que a "herança africana e a excelência da arte" não eram "fatores opostos", como se acreditava. Ela quebrou barreiras ao ser uma das primeiras mulheres a se apresentar em espetáculos públicos em Lisboa e ao ser aclamada por sua voz, superando a visão de sua pele como "inconveniente" através da maestria de sua arte.

03 – Quais foram as restrições impostas às mulheres no cenário musical, tanto sacro quanto secular, antes do surgimento de cantoras profissionais como Lapinha?

      Antes do surgimento de cantoras profissionais como Lapinha, as mulheres enfrentavam significativas restrições no cenário musical. No âmbito da música sacra, a Igreja Católica proibia a participação feminina nas missas até o início do século XX, baseando-se em passagens bíblicas como a Primeira Epístola de Paulo aos Coríntios ("É vergonhoso para a mulher falar na igreja") e na opinião de Santo Ambrósio ("a mulher deverá permanecer calada na igreja"). No cenário secular da ópera europeia, até meados do século XVIII, era raro haver cantoras, com muitos papéis femininos sendo interpretados por homens, inclusive castrados. Essas restrições sociais e religiosas limitavam severamente as oportunidades para as mulheres desenvolverem carreiras profissionais na música, direcionando as primeiras profissionais que surgiram para o teatro e a ópera quando as transformações sociais permitiram.

04 – Descreva a situação das cantoras e atores no Brasil do século XVIII em comparação com a Europa, conforme o texto.

      No Brasil do século XVIII, a situação das cantoras e atores diferia consideravelmente da Europa. Enquanto na Europa as mulheres encontravam grandes restrições para atuar e cantar profissionalmente em óperas até meados do século XVIII, no Brasil, já havia mulheres cantando no Rio de Janeiro e em Minas Gerais pelo menos desde 1770. O texto menciona que eram comuns no Brasil, até o início do século XIX, atores negros e mulatos, que frequentemente se maquiavam com tinta branca e vermelha para representar europeus. No entanto, o trabalho em ópera no Brasil daquela época não possuía o glamour de hoje, sendo realizado por subalternos e sujeito a punições severas, incluindo prisão, em caso de descumprimento, o que contrasta com o status de celebridade que cantores como Farinelli alcançavam na Europa.

05 – Quais foram as evidências documentais que confirmam o sucesso e a aclamação de Joaquina Lapinha na Europa?

      As evidências documentais que confirmam o sucesso e a aclamação de Joaquina Lapinha na Europa incluem manuscritos estudados em Portugal, principalmente pelo musicólogo inglês David Cranmer, que demonstram sua participação em várias peças de compositores renomados como Giovanni Paisiello e Domenico Cimarosa. Além disso, edições da Gazeta de Lisboa de 1795 são citadas como prova de seu reconhecimento. A edição de 16 de janeiro de 1795 se refere a ela como "natural do Brasil, onde se fizeram famosos os seus talentos músicos, que têm já sido admirados pelos melhores avaliadores desta capital". Mais enfaticamente, a edição de 6 de fevereiro de 1795 elogia sua performance no Teatro de São Carlos, descrevendo o "maior concurso que ali se tem visto" para ouvi-la e ressaltando que ela "excedeu a expectação de todos", recebendo "gerais e muito repetidos os aplausos que expressavam a admiração que causou a firmeza e sonora flexibilidade da sua voz".

06 – Explique a importância da técnica de "coloratura" para as cantoras da época, incluindo Lapinha, e como ela foi utilizada para cativar o público.

      A técnica da coloratura, que consiste na "emissão de várias notas agudas numa só sílaba", era de extrema importância para as cantoras da época, incluindo Lapinha, pois exigia um alto nível de habilidade e controle vocal do intérprete. Quando bem executada, essa técnica causava furor e deslumbramento na plateia, sendo um verdadeiro trunfo para as cantoras. Para Lapinha, a coloratura era um de seus recursos mais fortes, e ela a utilizava precisamente para cativar o público, como atestam críticas preservadas. A capacidade de executar essa técnica com "firmeza e sonora flexibilidade" era um diferencial que evidenciava o talento e a destreza da cantora, contribuindo significativamente para sua aclamação e sucesso.

07 – Embora pouco se saiba sobre a vida de Joaquina Lapinha, o que o texto revela sobre sua origem e o período em que atuou, e por que a falta de retratos é um detalhe significativo?

      O texto revela que Joaquina Lapinha, cujo nome verdadeiro era Joaquina Maria da Conceição Lapa, surgiu e começou a atuar e cantar em óperas no Rio de Janeiro na década de 1780. Sua origem é descrita como "misteriosa", mas sabe-se que ela era negra ("filha de uma mulata"), o que implicava superar diversos entraves sociais. Ela atuou em Portugal entre 1791 e 1805 e continuou cantando óperas no Rio de Janeiro após seu retorno, com seu nome deixando de aparecer em anúncios por volta de 1813. A falta de retratos que mostrem suas feições é um detalhe significativo porque, apesar de seu imenso sucesso e fama como "primeira cantora lírica brasileira que virou celebridade" e a primeira a ser aplaudida na Europa, a ausência de sua imagem perpetua a ideia de que sua identidade visual, em particular a cor de sua pele, era algo a ser ocultado ou negligenciado, reforçando o preconceito e a invisibilidade que mulheres negras enfrentavam naquela época, mesmo as mais talentosas e aclamadas. Isso contrasta com a documentação de outros artistas da época, mostrando como o preconceito ainda a limitava na história visual.

 

 

MÚSICA(ATIVIDADES): MARACATU ATÔMICO - CHICO SCIENCE - COM GABARITO

 Música (Atividades): Maracatu Atômico

             Chico Science

O bico do beija-flor, beija a flor, beija a flor
E toda a fauna, a flora grita de amor
Quem segura o porta-estandarte, tem arte, tem arte
E aqui passa com raça eletrônico, maracatu atômico

Manamauê, auêia, aê
Manamauê, auêia, aê
Manamauê, auêia, aê
Mamauê

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhp_QVpzByJ_85TSkVKGmzJJK4fFdobnJhMsOfAyVQ03fplydxWubwUEkiAYkYgiLhCpG-rQK6xMVjXeFx5ZW8OQxRIdzq0vQkYKamKrrcNhbNCEaMKe5Jq6b_IwyHopgIpMg9G0VaZf1zP_LHpAJ1oi5IaiGEAN29HPRZewj11PmSm4K1Ufkl9T7uR298/s320/maxresdefault.jpg


Atrás do arranha-céu, tem o céu, tem o céu
E depois tem outro céu sem estrelas
Em cima do guarda-chuva, tem a chuva, tem a chuva
Que tem gotas tão lindas que até dá vontade de comê-las

Manamauê, auêia, aê
Manamauê, auêia, aê
Manamauê, auêia, aê
Manamauê, auêia, aê

No meio da couve-flor, tem a flor, tem a flor
Que além de ser uma flor tem sabor
Dentro do porta-luva, tem a luva, tem a luva
Que alguém de unhas negras e tão afiadas esqueceu de pôr

Manamauê, auêia, aê
Manamauê, auêia, aê
Manamauê, auêia, aê
Manamauê, auêia, aê

No fundo do para-raio, tem o raio, tem o raio
Que caiu da nuvem negra do temporal
Todo quadro-negro, é todo negro, é todo negro
E eu escrevo seu nome nele só pra demonstrar o meu apego

Manamauê, auêia, aê
Manamauê, auêia, aê
Manamauê, auêia, aê
Manamauê, auêia, aê

O bico do beija-flor, beija a flor, beija a flor
E toda a fauna, a flora grita de amor
Quem segura o porta-estandarte tem arte, tem arte
E aqui passa com raça eletrônico maracatu atômico

Manamauê, auêia, aê
Manamauê, auêia, aê
Manamauê, auêia, aê
Manamauê.

Composição: Chico Science; Jorge Mautner; Nelson Jacobina. Maracatu atômico. In: Chico Science & Nação Zumbi. Afrociberdelia, Sony Music, 1996.

Fonte: Arte em Interação – Hugo B. Bozzano; Perla Frenda; Tatiane Cristina Gusmão – volume único – Ensino médio – IBEP – 1ª edição – São Paulo, 2013. p. 330-331.

Entendendo a música:

01 – Qual é a principal característica da linguagem utilizada na letra de "Maracatu Atômico" e como ela contribui para o tema da música?

      A principal característica da linguagem em "Maracatu Atômico" é a repetição de palavras e sons, criando um ritmo hipnótico e um jogo de palavras que mescla elementos cotidianos e oníricos. Essa repetição, como em "o bico do beija-flor, beija a flor, beija a flor" ou "no meio da couve-flor, tem a flor, tem a flor", não é apenas estilística; ela contribui para o tema da reinterpretação e da descoberta do extraordinário no ordinário. Ao repetir e fragmentar as frases, Chico Science destaca as partes de um todo, revelando belezas e particularidades que passariam despercebidas. Essa técnica reflete a proposta do movimento Manguebeat, de misturar o arcaico e o tecnológico, o orgânico e o industrial, o popular e o erudito, criando uma "estética da lama" que vê riqueza na hibridez.

02 – De que forma a música "Maracatu Atômico" representa a fusão de elementos tradicionais e modernos, característica do Manguebeat?

      "Maracatu Atômico" é uma representação exemplar da fusão de elementos tradicionais e modernos, pilar do Manguebeat. Essa fusão é explícita na própria expressão "maracatu atômico": o maracatu evoca a tradição cultural pernambucana, com suas raízes africanas e seu forte caráter popular e ritualístico, enquanto "atômico" remete à modernidade, à energia, à tecnologia e, por vezes, à disrupção. A letra reforça essa junção ao descrever um "porta-estandarte" que "tem arte" e passa "com raça eletrônico, maracatu atômico", evidenciando a inserção de elementos tecnológicos na tradição. Além disso, as imagens poéticas misturam o natural ("fauna, flora", "beija-flor", "chuva") com o urbano e tecnológico ("arranha-céu", "porta-luva", "para-raio", "quadro-negro"), criando uma paisagem sonora e lírica que celebra a coexistência desses mundos.

03 – Analise o refrão "Manamauê, auêia, aê / Manamauê, auêia, aê / Manamauê, auêia, aê / Mamauê". Qual é sua função e o que ele evoca?

      O refrão tem uma função percussiva e mântrica na música. Ele evoca os cantos e os rituais do maracatu e de outras manifestações culturais afro-brasileiras, que frequentemente utilizam vocalizações rítmicas e repetitivas para criar uma atmosfera de transe e coletividade. A ausência de um significado literal claro nessas sílabas reforça sua dimensão sonora e rítmica, transportando o ouvinte para um universo que transcende a lógica racional. Ele serve como um elemento de coesão, unindo as diferentes imagens e ideias apresentadas nas estrofes e reforçando a identidade cultural arraigada do maracatu, mesmo em sua versão "atômica".

04 – Que tipo de sensações ou ideias são provocadas pelas imagens sensoriais da música, como "gotas tão lindas que até dá vontade de comê-las" ou "couve-flor, tem a flor... tem sabor"?

      As imagens sensoriais da música, como "gotas tão lindas que até dá vontade de comê-las" e "couve-flor, tem a flor... tem sabor", provocam uma sensação de descoberta e encantamento com o detalhe e o inusitado. Elas estimulam a percepção multissensorial, misturando o visual ("gotas lindas", "flor" da couve-flor) com o paladar ("vontade de comê-las", "tem sabor"). Essas descrições inusitadas e quase sinestésicas realçam a beleza e a riqueza presentes em elementos cotidianos, convidando o ouvinte a olhar para o mundo com um novo olhar, valorizando o que é muitas vezes ignorado. Refletem a capacidade de Chico Science de transformar o prosaico em poético, o trivial em surpreendente, e de encontrar uma lógica própria, a "lógica da lama", que revela as maravilhas ocultas no universo simples.

05 – Como a música "Maracatu Atômico" expressa a visão do artista sobre a complexidade da realidade brasileira, onde o "micro" e o "macro" se encontram?

      A música "Maracatu Atômico" expressa a visão do artista sobre a complexidade da realidade brasileira através da constante interconexão entre o "micro" e o "macro". O poema lírico transita de detalhes singelos como "o bico do beija-flor" e "gotas tão lindas" para grandezas como "toda a fauna, a flora" e "o céu". O cenário urbano do "arranha-céu" se conecta ao infinito do "céu sem estrelas", e o íntimo ("alguém de unhas negras... esqueceu de pôr") encontra seu paralelo no universal ("toda a fauna, a flora grita de amor"). Essa alternância constante entre o particular e o geral, o detalhe e o panorama, demonstra que a riqueza e a complexidade do Brasil residem nessa intersecção e sobreposição de realidades. A "geleia geral" ou o "maracatu atômico" é, portanto, a manifestação dessa multiplicidade, onde cada pequeno elemento contém um universo, e o todo é a soma de detalhes surpreendentes e contraditórios.

 

 

CORDEL: HISTÓRIA DO BOI LEITÃO OU O VAQUEIRO QUE NÃO MENTIA - FRAGMENTO - FRANCISCO FIRMINO DE PAULA - COM GABARITO

 Cordel: História do Boi Leitão ou o Vaqueiro que não mentia – Fragmento

           Francisco Firmino de Paula

Numa cidade distante

há muito tempo existiu

um distinto fazendeiro

o mais rico que se viu

e tinha um jovem vaqueiro

homem que nunca mentiu.

 

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhXJS12rrbb7mfDiSmKHaVX6lDJ3HvGtcfhro_UOIgDzRL-mTVbrk7wyFksWxLHJgIf7xb2CUPyXVHqJv4EcqWRvBnvwv_oEDkMZEVmJ97JZsB2eHvvgoMOSaaPlS9QJ3SerS7fAcZAnsMt8GcSkoJxmbbwxVYDd3v1q1sDfJyOlhFDcW1sYoOz-IxKuG4/s1600/images.jpg

Também esse fazendeiro

muitas lojas possuía

tinha muitos empregados

porém ele garantia

que só aquele vaqueiro

era sério e não mentia.

 

Seus amigos em palestras

exclamavam admirados

porque é que entre tantos

homens nobres empregados

somente um rude vaqueiro

é quem não causa cuidado?

 

Respondia o fazendeiro:

-- Tudo é nobre e decente,

Porém, capaz de mentir,

digo conscientemente,

mas Dorgival meu vaqueiro

por forma nenhuma mente.

 

O conheço há muitos anos

e nunca ouvi ele mentir,

é rude por ser vaqueiro

mas sabe entrar e sair

se faz uma coisa errada

nunca procura fingir.

[...]

Juntaram-se 10 amigos

e mandaram o fazendeiro

inventar uma cilada

pra Dorgival o vaqueiro

cair na falta, por verem

se ele era verdadeiro.

 

Disse o doutor aos amigos:

nós temos que apostar

dará vinte contos cada

se o que digo aprovar

perderei duzentos contos

se o meu vaqueiro falhar.

 

Eu mandarei minha filha

a Dorgival seduzir

e fazer todo possível

dele no laço cair,

e depois veremos ele

falar verdade ou mentir.

 

Concordaram e a aposta

fecharam rapidamente

dizendo: esperaremos

o dia conveniente

e provaremos doutor

que o seu vaqueiro mente.

 

O vaqueiro Dorgival

morava um pouco afastado

em uma grande fazenda

aonde era empregado

ali existia um boi

do patrão muito estimado.

 

O vaqueiro também tinha

ao boi estimação

pois era um touro bonito

o orgulho do patrão

era de raça gigante

lhe chamavam o «Boi Leitão».

[...]

 

Toda vez que o vaqueiro

a seu patrão visitava

logo depois de saudá-lo

o doutor lhe perguntava

pelo gado e, em seguida

o Boi Leitão como estava?

 

O vaqueiro respondia

nosso gado vai feliz

e o nosso Boi Leitão?

-- é gordo e bom de raiz

dizia o patrão, você

somente a verdade diz.

 

De formas que o patrão tinha

muita confiança nele

o moço lá na fazenda

cumprindo os deveres dele

não sabia que os ricos

estavam mexendo com ele.

 

Na referida fazenda

quem quisesse ali chegar

vindo da cidade, havia

de um rio atravessar

tinha ali uma jangada

pra quem quisesse passar.

 

O doutor chamou a filha

disse: vá com a criada

amanhã logo cedinho

na fazenda da jangada

do vaqueiro Dorgival

se faça de namorada.

 

Vá lindamente vestida

com lindos trajes vermelhos

no rio próximo rio à fazenda

preste atenção a meus conselhos

vá passear e levante

a roupa até aos joelhos.

 

Se o vaqueiro lhe chamar

Diga: mate o Boi Leitão

e tire ligeiramente

o fígado e o coração

mande fazer um cozido

pra comermos um pirão.

 

A moça chegou no rio

pôs-se ali a passear

com as vestes aos joelhos

alegremente a cantar

o vaqueiro ouvindo a voz

veio fora observar.

 

Dorgival vendo a donzela

disse rindo: oh! minha santa

me alegro em ver e ouvir

quem assim tão linda canta

venha pro lado de cá

longe assim não adianta!

 

Respondeu ela: eu irei

se matar o Boi Leitão

e tirar ligeiramente

o fígado e o coração

mandar fazer um cozido

pra comermos um pirão.

 

O vaqueiro francamente

deu a resposta imediata

donzela, você merece

por ser gentil e exata

mas lhe digo: o Boi Leitão

do meu senhor não se mata.

 

Disse a moça: tem razão

e saiu no mesmo instante

o rapaz ficou olhando

aquele porte elegante

pensando naquelas pernas

de beleza fascinante.

 

O vaqueiro não sabia

que aquela moça bela

era filha de seu amo

pois não conhecia ela

quase não dormia a noite

com o pensamento nela.

 

Deolinda ao chegar

em casa contou ao pai

a resposta do vaqueiro

disse o doutor: você vai

amanhã e o seduza

pra ver se ele cai!

 

Amanhã você levante

até as coxas o vestido

se ele chamar, você diga

vou se fizer meu pedido

de matar o Boi Leitão

pra comermos um cozido.

 

A moça no próximo dia

lá na fazenda chegou

na beira do rio, a roupa

até as coxas levantou

e se pôs a passear

Dorgival vendo-a chamou.

 

Meu anjo venha pra cá

-- só vou se matar o Boi

-- não, assim é impossível

minha santa me perdoe

-- tem razão respondeu ela

rapidamente se foi.

 

O pai lhe disse: amanhã

termine a sua aventura

vá passear e levante

a roupa até na cintura

e mande-o matar o Boi

que ele não se segura.

[...]

Ela foi no outro dia

e ficou lá passeando,

com a roupa até na cinta

Dorgival foi lhe avistando

gritou: moça venha cá

você está me aperriando.

 

Deolinda disse: eu vou

se matar o Boi Leitão

do coração e o fígado

fazer para nós um pirão

o vaqueiro disse: venha

hoje eu mato até o "cão".

 

Dorgival rapidamente

botou no rio a jangada

chegando do outro lado

trouxe a moça e criada

matou logo o Boi Leitão

para fazer a mesada.

 

Fez a carne toda em mata

pegou o couro espichou,

o coração e o fígado

a criada preparou

fez o pirão e depois

com prazer tudo almoçou.

[...]

Deolinda com o vaqueiro

ali o dia passou

palestrando e a tardinha

ele a donzela abraçou

e ela com a criada

pra cidade regressou.

 

Chegando informou ao pai

tudo que tinha se dado

contou que pelo vaqueiro

havia se apaixonado

disse o pai: ele é solteiro

vamos ver o resultado.

 

No outro dia o vaqueiro

amanheceu pensativo

e disse: meu amo pensa

que o Boi Leitão está vivo

mas vou lhe dizer que não,

gosto de ser positivo.

 

Ali botou o chapéu

na cabeça do mourão

se afastando montou-se

em um cavalo cardão

pôs-se a dirigir ao pau

como se fosse ao patrão.

[...]

Francisco Firmino de Paula. Disponível em: http://www.ablc.com.br/cordeis.html. Acesso em: mar. 2013.

Fonte: Arte em Interação – Hugo B. Bozzano; Perla Frenda; Tatiane Cristina Gusmão – volume único – Ensino médio – IBEP – 1ª edição – São Paulo, 2013. p. 343-344.

Entendendo o cordel:

01 – Qual a principal característica que o fazendeiro atribuía ao seu vaqueiro, Dorgival?

A – Ele nunca mentia.

B – Ele era o mais rude entre os vaqueiros.

C – Ele era o mais rico da região.

D – Ele era o empregado mais antigo da fazenda.

02 – Qual era o objetivo da aposta proposta pelos amigos do fazendeiro?

A – Provar que o fazendeiro era o mais rico.

B – Verificar se Dorgival falava a verdade ou mentia sob pressão.

C – Conhecer a filha do fazendeiro.

D – Aumentar a confiança do fazendeiro em Dorgival.

03 – Qual era o nome do boi muito estimado pelo patrão e pelo vaqueiro?

A – Boi Gigante

B – Boi Leitão

C – Boi Forte

D – Boi Dourado

04 – Qual foi a condição inicial que Deolinda impôs a Dorgival para atravessar o rio e ir para perto dele?

A – Que ele lhe desse flores do campo.

B – Que ele matasse o Boi Leitão e preparasse um cozido com seu fígado e coração.

C – Que ele construísse uma ponte sobre o rio.

D – Que ele a pedisse em casamento.

05 – Por que Dorgival inicialmente se recusou a atender ao pedido de Deolinda?

A – Porque ele não tinha os utensílios necessários para matar o boi.

B – Porque ele desconfiava das intenções de Deolinda.

C – Porque ele não sabia cozinhar.

D – Porque o Boi Leitão era muito estimado pelo seu patrão e por ele mesmo.

06 – O que fez Dorgival mudar de ideia e finalmente matar o Boi Leitão?

A – Ele descobriu que o Boi Leitão estava doente e precisava ser abatido.

B – Deolinda insistiu e levantou a roupa cada vez mais, seduzindo-o a ponto de ele ceder.

C – O patrão deu permissão para que o boi fosse sacrificado.

D – Deolinda ameaçou contar ao pai que ele não era fiel.

07 – Qual foi a reação de Dorgival na manhã seguinte após matar o Boi Leitão e passar o dia com Deolinda?

A – Ele planejou esconder a verdade do patrão, fingindo que o boi ainda estava vivo.

B – Ele decidiu fugir da fazenda para não enfrentar o patrão.

C – Ele se arrependeu de ter cedido à sedução de Deolinda.

D – Ele estava pensativo e decidiu que diria a verdade ao patrão sobre o Boi Leitão.

 

MÚSICA(ATIVIDADES): GELÉIA GERAL - GILBERTO GIL - COM GABARITO

 Música (Atividades): Geleia Geral

             Gilberto Gil

Um poeta desfolha a bandeira
E a manhã tropical se inicia
Resplandente, cadente, fagueira
Num calor girassol com alegria
Na geleia geral brasileira
Que o Jornal do Brasil anuncia
Ê, bumba-yê-yê-boi
Ano que vem, mês que foi
Ê, bumba-yê-yê-yê
É a mesma dança, meu boi

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi_FO9h_G09wjcLDkm8hyphenhyphenMclmkkWjxY9fDMopeGiCAt0OkhRmn7RQgr6xdsnp2eMLu8QhdqlUgb_OBwB0fFqhRI9pZLH_m0fbPqI-xTeKEzQyZL8JhhPzJuJThUNZsrUpogkm4Twg0IMhKMYSadeWXRaQymqjp99-bSefOdDXA8HhP8kIJJWMHVMDujbPc/s320/unnamed.png


A alegria é a prova dos nove
E a tristeza é teu porto seguro
Minha terra é onde o Sol é mais limpo
E Mangueira é onde o samba é mais puro
Tumbadora na selva-selvagem
Pindorama, país do futuro

Ê, bumba-yê-yê-boi
Ano que vem, mês que foi
Ê, bumba-yê-yê-yê
É a mesma dança, meu boi

É a mesma dança na sala
No Canecão, na TV
E quem não dança não fala
Assiste a tudo e se cala
Não vê no meio da sala
As relíquias do Brasil
Doce mulata malvada
Um LP de Sinatra
Maracujá, mês de abril
Santo barroco baiano
Superpoder de paisano
Formiplac e céu de anil
Três destaques da Portela
Carne-seca na janela
Alguém que chora por mim
Um carnaval de verdade
Hospitaleira amizade
Brutalidade jardim

Ê, bumba-yê-yê-boi
Ano que vem, mês que foi
Ê, bumba-yê-yê-yê
É a mesma dança, meu boi

Plurialva, contente e brejeira
Miss linda Brasil diz: Bom dia
E outra moça também Carolina
Da janela examina a folia
Salve o lindo pendão dos seus olhos
E a saúde que o olhar irradia

Ê, bumba-yê-yê-boi
Ano que vem, mês que foi
Ê, bumba-yê-yê-yê
É a mesma dança, meu boi

Um poeta desfolha a bandeira
E eu me sinto melhor colorido
Pego um jato, viajo, arrebento
Com o roteiro do sexto sentido
Voz do morro, pilão de concreto
Tropicália, bananas ao vento

Ê, bumba-yê-yê-boi
Ano que vem, mês que foi
Ê, bumba-yê-yê-yê
É a mesma dança, meu boi.

Composição: Gilberto Gil / Torquato Neto. Tropicália ou panis et circencis. Philips, 1968.

Fonte: Arte em Interação – Hugo B. Bozzano; Perla Frenda; Tatiane Cristina Gusmão – volume único – Ensino médio – IBEP – 1ª edição – São Paulo, 2013. p. 314-315.

Entendendo a música:

01 – Qual é o significado da expressão "Geleia Geral Brasileira" no contexto da música?

      A expressão "Geleia Geral Brasileira" é central para a música e representa a fusão caótica, mas vibrante, de elementos díspares que compõem a cultura e a realidade do Brasil. Gilberto Gil a utiliza para descrever a mistura de tradições antigas e modernidade, o popular e o erudito, o belo e o brutal, o nacional e o estrangeiro. A "geleia" sugere uma mistura densa e heterogênea, onde tudo se entrelaça sem uma ordem aparente, refletindo a complexidade e a diversidade do país, que é anunciada, ironicamente ou não, pelo "Jornal do Brasil". É a coexistência de contrastes que define a identidade brasileira.

02 – De que forma a música explora a dualidade entre otimismo e pessimismo na realidade brasileira?

      A música explora a dualidade entre otimismo e pessimismo de várias maneiras. Por um lado, há uma clara exaltação da alegria e da beleza do Brasil, com versos como "a manhã tropical se inicia / Resplandente, cadente, fagueira / Num calor girassol com alegria" e "Minha terra é onde o Sol é mais limpo / E Mangueira é onde o samba é mais puro". A "alegria é a prova dos nove", sugerindo sua força e resiliência. Por outro lado, há a menção de que "a tristeza é teu porto seguro", reconhecendo a presença constante da melancolia e das dificuldades. A coexistência de "Hospitaleira amizade" e "Brutalidade jardim" também ilustra essa dualidade, mostrando que a beleza e a cordialidade podem coexistir com aspectos mais ásperos da realidade brasileira. A música, portanto, não nega os desafios, mas celebra a capacidade de encontrar alegria e resiliência neles.

03 – Quais elementos da cultura e do cotidiano brasileiros são citados na letra e o que essa variedade sugere?

      A letra de "Geleia Geral" cita uma vasta gama de elementos da cultura e do cotidiano brasileiros, misturando o popular e o erudito, o tradicional e o moderno:

      Elementos culturais e geográficos: "Mangueira", "Pindorama", "Santo barroco baiano", "Portela", "carnaval de verdade".

      Objetos e costumes: "bandeira", "Tumbadora", "LP de Sinatra", "Maracujá", "carne-seca na janela".

      Sensações e conceitos: "calor girassol", "alegria", "tristeza", "sexto sentido", "voz do morro", "Tropicália", "bananas ao vento".

      Personagens e mídias: "poeta", "Jornal do Brasil", "Miss linda Brasil", "Carolina", "Canecão", "TV". Essa variedade sugere a diversidade e a complexidade da identidade brasileira, reforçando a ideia da "geleia geral". É um mosaico de referências que não se limita a um único aspecto, mas abraça a totalidade da experiência brasileira, com suas contradições, belezas e particularidades.

04 – Como o refrão "Ê, bumba-yê-yê-boi / Ano que vem, mês que foi / Ê, bumba-yê-yê-yê / É a mesma dança, meu boi" contribui para o sentido da música?

      O refrão "Ê, bumba-yê-yê-boi / Ano que vem, mês que foi / Ê, bumba-yê-yê-yê / É a mesma dança, meu boi" é fundamental para o sentido da música, pois ele evoca a circularidade do tempo e a persistência das tradições. A referência ao "bumba-meu-boi" conecta a música a uma manifestação cultural popular e ancestral, que se repete ciclicamente. As expressões "Ano que vem, mês que foi" e "É a mesma dança, meu boi" reforçam a ideia de que, apesar das mudanças e da passagem do tempo, certas essências e ritmos da vida brasileira permanecem, marcados por uma repetição quase ritualística. O refrão, portanto, serve como um elo entre o passado e o presente, e uma celebração da continuidade cultural em meio à "geleia geral" de transformações.

05 – Qual o papel da figura do "poeta desfolha a bandeira" na abertura e no encerramento da música?

      A figura do "poeta desfolha a bandeira" no início e no final da música é simbólica e multifacetada. Ao "desfolhar a bandeira", o poeta pode estar realizando um ato de desconstrução da identidade nacional oficial, revelando as múltiplas camadas e realidades por trás dos símbolos patrióticos. É como se ele estivesse abrindo a bandeira para expor as contradições e a riqueza da "geleia geral". No final, quando o eu-lírico afirma "Um poeta desfolha a bandeira / E eu me sinto melhor colorido", há uma sugestão de que essa desconstrução e a exposição da complexidade brasileira levam a uma maior compreensão e a um sentimento de pertencimento mais profundo e autêntico. O poeta, assim, atua como um mediador entre a realidade multifacetada e a percepção do indivíduo.

06 – Como a música aborda a relação entre o observador (aquele que "não dança") e a "Geleia Geral"?

      A música aborda a relação entre o observador e a "Geleia Geral" de forma crítica e sugestiva na estrofe: "E quem não dança não fala / Assiste a tudo e se cala / Não vê no meio da sala / As relíquias do Brasil". Aqui, a ação de "dançar" é uma metáfora para a participação ativa na vida e na cultura brasileira, enquanto "não dançar" representa a passividade, a alienação ou a incapacidade de se engajar com a complexidade do país. Quem não participa ("não dança") é incapaz de expressar-se ("não fala") e apenas observa passivamente ("Assiste a tudo e se cala"). Mais crucialmente, essa passividade impede que o observador perceba as "relíquias do Brasil" – os elementos ricos e valiosos que compõem a identidade nacional, que estão "no meio da sala", visíveis para quem se permite interagir. A crítica é àqueles que se afastam ou se recusam a imergir na diversidade cultural.

07 – Que papel a "Tropicália" desempenha na mensagem final da música, especialmente quando mencionada em conjunto com "bananas ao vento"?

      A menção de "Tropicália" no final da música, em conjunto com "bananas ao vento", é crucial para a mensagem. A Tropicália foi um movimento artístico e cultural do qual Gilberto Gil foi um dos principais expoentes, caracterizado justamente pela fusão de elementos diversos, nacionais e estrangeiros, tradicionais e modernos, em uma estética de apropriação e ressignificação. "Bananas ao vento" é uma imagem icônica do Tropicalismo, remetendo à antropofagia cultural (devorar e digerir influências) e a um certo exotismo e autoafirmação tropical. Ao citar esses elementos, a música reforça sua própria identidade como uma manifestação da Tropicália, celebrando a liberdade criativa, a mistura e a capacidade do Brasil de reinventar-se a partir de suas próprias particularidades. É um manifesto final sobre a vitalidade e a originalidade da cultura brasileira, que se expressa nessa "geleia geral".

 

 

MÚSICA(ATIVIDADES): TROPICÁLIA LIXO LÓGICO - TOM ZÉ - COM GABARITO

 Música (Atividades): Tropicália Lixo Lógico

             Tom Zé

A pureza Chapeuzinho
Passeando na floresta
Enquanto Seu Lobo não vem:
Mas o Lobo entrou na festa
E não comeu ninguém.

 Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhBbIV2eWktJmZluO5l12fEk8jC3oD-t6ts4b7R-r0YZJUfhyphenhyphenfieNq3bkPp5kb255l1TD0GA8J279fcnMQ5P3D4bU0DDmKE9-RVer9M3KbSH_8Q3Hj5WoE2sVhsYDQKGH62eWwZmBaHjj_dJTXwNiGIVwqxpNtm1z-3Z_YBFHrr6WeW2IrhS56QT5nliY8/s320/ab67616d0000b2732fa7da9beb47f795fd6beda1.jpg


Era uma tentação,
Ele tinha belos motes,
O Lobo Seu Aristotes:
Expulsava todo incréu
Ali do nosso céu

Não era melhor, tampouco pior,
Apenas outra e diferente a concepção
Que na creche dos analfatóteles regia
Nossa moçárabe estrutura de pensar
Mas na escola, primo dia,
Conhecemos Aristotes,
Que o seu grande pacote
De pensar oferecia

Não recusamos
Suas equações
Mas, por curiosidade, fez-se habitual
Resolver também com nossas armas a questão -
Uma moçárabe possível solução
Tudo bem, que legal,
Resultado quase igual,
Mas a diferença que restou
O lixo lógico

Aprendemos a jogá-lo
No poço do hipotalo*.
Mas o lixo, duarteiro,
O córtex invadia:
Caegitano entorta rocha
Capinante agiu.

Composição: Tom Zé. Tropicália lixo lógico, 2012. Gravadora independente.

Fonte: Arte em Interação – Hugo B. Bozzano; Perla Frenda; Tatiane Cristina Gusmão – volume único – Ensino médio – IBEP – 1ª edição – São Paulo, 2013. p. 328-329.

Entendendo a música:

01 – Qual é a crítica central que Tom Zé faz à "pureza" e à entrada do "Lobo" na festa no início da música?

      No início da música, Tom Zé utiliza a metáfora da "pureza Chapeuzinho / Passeando na floresta / Enquanto Seu Lobo não vem" para representar uma visão ingênua ou idealizada da cultura e do pensamento. A "pureza" pode ser interpretada como uma forma de pensamento ocidental dominante, talvez o racionalismo cartesiano ou a lógica aristotélica, que busca a ordem e evita o caos. A entrada do "Lobo" – que não "comeu ninguém" – é uma reviravolta irônica. Esse "Lobo" é, na verdade, "Seu Aristotes", uma personificação da lógica aristotélica e do pensamento ocidental racional. A crítica central é que essa imposição de uma lógica "pura" ou hegemônica, embora não seja destrutiva no sentido literal ("não comeu ninguém"), tenta expulsar ou silenciar outras formas de pensar ("Expulsava todo incréu / Ali do nosso céu"), especialmente as que não se encaixam em seus moldes.

02 – Como a música apresenta a relação entre a "concepção" "moçárabe" de pensar e o "pacote de pensar" de Aristóteles?

      A música apresenta a relação entre a "concepção" "moçárabe" de pensar e o "pacote de pensar" de Aristóteles como um confronto de sistemas de lógica e raciocínio. A "moçárabe estrutura de pensar" refere-se a uma forma de conhecimento híbrida, que emerge da mistura de culturas (como a árabe e a ibérica na Península Ibérica durante a Idade Média), caracterizada por sua flexibilidade e talvez uma menor rigidez lógica. Em contrapartida, o "pacote de pensar" de Aristóteles representa a lógica ocidental formal, com suas "equações" e regras bem definidas. Tom Zé sugere que, embora não recusem as equações de Aristóteles, há uma curiosidade e uma necessidade de resolver questões "com nossas armas", ou seja, com a própria lógica moçárabe. O resultado, embora "quase igual", revela uma "diferença que restou" – o "lixo lógico". Isso indica que a lógica ocidental não é a única nem a superior, e que outras formas de raciocínio, mesmo que consideradas "impuras" ou "ilógicas" por ela, são válidas e necessárias.

03 – O que Tom Zé quer dizer com "lixo lógico" e como ele se relaciona com a ideia de "Tropicália"?

      O "lixo lógico" é a diferença que resta quando se tenta aplicar a lógica aristotélica (ocidental e racional) a uma realidade que não se encaixa perfeitamente nela. É aquilo que é descartado, considerado irracional, absurdo ou sem sentido pelas regras estabelecidas. Para Tom Zé, esse "lixo" não é desprezível; ao contrário, ele é valorizado e se torna a essência da "Tropicália". O movimento tropicalista defendia a antropofagia cultural, a apropriação e a digestão de elementos diversos (nacionais, estrangeiros, populares, eruditos) para criar algo novo e autêntico, que muitas vezes desafiava as categorizações e as lógicas estabelecidas. O "lixo lógico" é justamente a riqueza da contradição, da ambiguidade e do sincretismo que define a identidade brasileira, algo que a lógica pura tenta descartar, mas que o Tropicalismo abraça como fonte de criatividade e verdade.

04 – Qual é o significado de "Aprendemos a jogá-lo / No poço do hipotalo" e o que acontece quando "o lixo... o córtex invadia"?

      A frase "Aprendemos a jogá-lo / No poço do hipotalo" sugere que, em algum momento, as formas de pensar consideradas "ilógicas" ou "desviantes" foram suprimidas ou relegadas às áreas do cérebro associadas a funções mais primitivas, emoções ou inconsciente (o hipotálamo). É como se houvesse um esforço para reprimir ou esconder aquilo que não se encaixa na lógica dominante. No entanto, o poema afirma que "Mas o lixo, duarteiro, / O córtex invadia". O córtex é a parte do cérebro associada ao raciocínio, à linguagem e à consciência. Isso significa que o "lixo lógico" – as formas de pensar não convencionais, a criatividade, a irreverência, o hibridismo – não pode ser contido. Ele irrompe, toma conta do pensamento racional e o subverte. Essa invasão é uma vitória do pensamento não-linear e da cultura híbrida sobre a lógica cartesiana, resultando em novas formas de expressão e percepção.

05 – Como as últimas linhas, "Caegitano entorta rocha / Capinante agiu", personificam a ideia do "lixo lógico" em ação?

      As últimas linhas, "Caegitano entorta rocha / Capinante agiu", são uma personificação vibrante da ideia do "lixo lógico" em ação, usando neologismos e nomes próprios para ilustrar essa subversão.

      "Caegitano entorta rocha": "Caegitano" é uma fusão de Caetano Veloso e Gilberto Gil, figuras centrais do Tropicalismo. "Entorta rocha" sugere um poder transformador, quase mágico, que desafia a rigidez e a solidez da lógica estabelecida ("rocha"). É a ideia de que a criatividade e a irreverência tropicalista são capazes de moldar e redefinir a realidade, quebrando paradigmas.

      "Capinante agiu": "Capinante" remete à ação de "capinar", de limpar ou cortar mato, mas aqui ganha um sentido de ação direta e talvez inesperada, "agindo" de forma transformadora. Pode também ser uma alusão a Capinam, outro artista ligado ao movimento.