Romance: Amor de perdição; cap. XIX – Fragmento
Camilo
Castelo Branco
[...]
"Dez anos! — dizia-lhe a
enclausurada de Monchique. Em dez anos terá morrido meu pai e eu serei tua
esposa, e irei pedir ao rei que te perdoe, se não tiveres cumprido a sentença.
Se vais ao degredo, para sempre te perdi, Simão, porque morrerás, ou não acharás
memória de mim, quando voltares".
Como a pobre se iludia nas horas em que
as débeis forças de vida se lhe concentravam no coração!

As ânsias, a lividez, o deperecimento
tinham voltado. O sangue, que criara novo, já lhe saía em golfadas com a tosse.
Se por amor ou piedade o condenado
aceitasse os ferrolhos três mil seiscentas e cinquenta vezes corridos sobre as
suas longas noites solitárias, nem assim Teresa susteria a pedra sepulcral que
a vergava de hora a hora.
"Não esperes nada, mártir —
escrevia-lhe ele. — A luta com a desgraça é inútil, e eu não posso já lutar.
Foi um atroz engano o nosso encontro. Não temos nada neste mundo. Caminhemos ao
encontro da morte... Há um segredo que só no sepulcro se sabe. Ver-nos-emos?
Vou. Abomino a pátria, abomino a minha
família; todo este solo está aos meus olhos coberto de forcas, e quantos homens
falam a minha língua, creio que os ouço vociferar as imprecações do carrasco.
Em Portugal, nem a liberdade com a opulência; nem já agora a realização das
esperanças que me dava o teu amor, Teresa!
Esquece-te de mim, e adormece no seio
do nada. Eu quero morrer, mas não aqui. Apague-se a luz dos meus olhos; mas a
luz do céu, quero-a! Quero ver o céu no meu último olhar!
Não me peças que aceite dez anos de
prisão. Tu não sabes o que é a liberdade cativa dez anos! Não compreendes a
tortura dos meus vinte meses. A voz única que tenho ouvido é a da mulher
piedosa que me esmola o pão de cada dia, e a do aguazil que veio dar-me a
sarcástica boa-nova de uma graça real, que me comuta o morrer instantâneo da
forca pelas agonias de dez anos de cárcere.
Salva-te, se podes, Teresa. Renuncia ao
prestígio dum grande desgraçado. Se teu pai te chama, vai. Se tem de renascer
para ti uma aurora de paz, vive para a felicidade desse dia. E, se não, morre,
Teresa, que a felicidade é a morte, é o desfazerem-se em pó as fibras laceradas
pela dor, é o esquecimento que salva das injúrias a memória dos
padecentes".
As palavras únicas de Teresa, em
resposta àquela carta, significativa da turbação do infeliz, foram estas:
"Morrerei, Simão, morrerei. Perdoa
tu ao meu destino... Perdi-te... Bem sabes que sorte eu queria dar-te... e
morro, porque não posso, nem poderei jamais resgatar-te. Se podes, viva; não te
peço que morras, Simão; quero que vivas para me chorares. Consolar-te-á o meu
espírito... Estou tranquila... Vejo a aurora da paz... Adeus, até ao céu,
Simão".
[...]
Cena do filme
Shakespeare apaixonado, de John Madden.
Fonte: Livro –
Português: Linguagens, Vol. Único. William Roberto Cereja, Thereza Cochar
Magalhães. Ensino Médio, 1ª ed. 4ª reimpressão – São Paulo: ed. Atual, 2003. p.
182-183.
Entendendo o romance:
01
– Qual é o teor da carta de Simão para Teresa?
A carta de Simão para Teresa
é permeada por um profundo desespero e desesperança. Ele expressa a inutilidade
da luta contra o destino e a iminência da morte, seja através do degredo ou da
prisão. Simão declara seu ódio à pátria e à família, e pede para que Teresa o
esqueça e siga em frente com sua vida.
02
– Qual é a reação de Teresa à carta de Simão?
A reação de
Teresa é de profunda tristeza e resignação. Em sua breve resposta, ela aceita
seu destino e o de Simão, expressando a certeza de que morrerá. Teresa pede
perdão ao seu destino e declara seu amor por Simão, expressando o desejo de que
ele viva para lamentar a sua morte.
03
– Qual é a condição de saúde de Teresa neste momento?
A saúde de Teresa
está extremamente debilitada. Ela sofre de ânsias, palidez e definhamento, e a
tosse a faz expelir sangue. Sua condição se deteriora rapidamente, e é evidente
que ela não sobreviverá por muito tempo.
04
– O que Simão deseja em relação ao seu futuro?
Simão expressa o
desejo de morrer, mas não em Portugal. Ele anseia por ver o céu em seu último
momento de vida, e não quer passar dez anos na prisão. Simão prefere a morte
imediata à agonia de uma longa pena de prisão.
05
– Qual é o significado da frase "Adeus, até ao céu, Simão"?
A frase
"Adeus, até ao céu, Simão" expressa a esperança de Teresa de se
encontrar com Simão após a morte. É uma mensagem de amor e fé, que transcende a
realidade terrena e aponta para um futuro encontro no plano espiritual.
Nenhum comentário:
Postar um comentário