Artigo de opinião: As palavras e as coisas – Fragmento
José Geraldo Couto – colunista da folha – Futebol
Guimarães Rosa, possivelmente o maior
escritor brasileiro depois de Machado de Assis, dizia que seu sonho era
escrever um dicionário.
Ignoro se Rosa gostava de futebol (até
onde eu sei, nunca escreveu nada a respeito), mas certamente ele se encantaria
com a riqueza vocabular associada ao esporte mais popular do mundo.

Poliglota, cultor dos neologismos
formados a partir de diversos idiomas, o autor de "Sagarana" devia se
deliciar com as palavras de origem inglesa aclimatadas ao português do Brasil
por obra e graça do jogo da bola.
É certo que alguns desses termos
ingleses caíram em desuso. É o caso de "offside" (substituído por
"impedimento"), "hands" ("toque" ou
"mão"), "center forward" ("centroavante") etc.
Outros, entretanto, foram devidamente
abrasileirados e incorporados de tal maneira ao nosso idioma que raramente
lembramos de sua origem: "chute" (versão de "shoot"),
"beque" (de "back"), "pênalti" (de
"penalty") etc., sem falar no próprio "futebol"
("football").
Há ainda as palavras inglesas que
mantiveram uma vigência praticamente apenas regional, como "corner",
ainda muito usada no Rio de Janeiro, mas substituída no resto do país por
"escanteio", "tiro de canto" ou somente "canto".
Rosa, se acompanhasse o futebol, se
deliciaria com a variedade de metáforas produzidas para dar conta do que
acontece dentro das quatro linhas.
Há, por exemplo, o recurso a uma
infinidade de objetos cujo formato ou movimento lembra o de certas jogadas:
carrinho, chapéu, bicicleta, janelinha (expressão gaúcha para bola entre as
pernas), ponte.
Mas o ramo mais bonito, do ponto de
vista de um escritor, deve ser o das metáforas extraídas da natureza: meia-lua,
frango, peixinho, folha seca.
Ao criar uma jogada dessas – como Didi,
que "inventou" a folha seca –, ou executá-la com perfeição, um craque
faz poesia pura, rivalizando com Deus e nomeando as coisas como se estivesse no
primeiro dia da Criação.
Guimarães Rosa, infelizmente, não
produziu seu sonhado dicionário.
Nunca saberemos, portanto, se o homem
que criou a saga fantástica de Riobaldo e Diadorim sabia o significado, dentro
do campo de futebol, de uma chaleira, um lençol, um chuveirinho ou um
corta-luz.
[...]
Folha de São Paulo, 17/7/02.
Fonte: livro Português:
Língua e Cultura – Carlos Alberto Faraco – vol. único – Ensino Médio – 1ª
edição – Base Editora – Curitiba, 2003. p. 274-275.
Entendendo o artigo:
01 – Qual era o sonho de
Guimarães Rosa, segundo o artigo?
O sonho de
Guimarães Rosa era escrever um dicionário.
02 – Qual a opinião do autor
sobre a relação de Guimarães Rosa com o futebol?
O autor
desconhece se Guimarães Rosa gostava de futebol, mas acredita que ele se
encantaria com a riqueza vocabular associada ao esporte.
03 – Que tipo de palavras do
futebol o autor menciona como sendo de origem inglesa?
O autor menciona
palavras como "offside", "hands", "center
forward", "chute", "beque", "pênalti" e
"futebol" como sendo de origem inglesa.
04 – O que o autor destaca
sobre a variedade de metáforas no futebol?
O autor destaca a
variedade de metáforas no futebol, tanto aquelas que se referem a objetos
(carrinho, chapéu, bicicleta, janelinha, ponte) quanto aquelas que se referem à
natureza (meia-lua, frango, peixinho, folha seca).
05 – Qual a comparação que o
autor faz entre um craque de futebol e um escritor?
O autor compara
um craque de futebol que cria uma jogada nova ou executa uma jogada com
perfeição a um escritor, afirmando que ambos fazem poesia pura e rivalizam com
Deus ao nomear as coisas.
06 – O que o autor lamenta no
final do artigo?
O autor lamenta
que Guimarães Rosa não tenha produzido seu sonhado dicionário, pois nunca
saberão se ele conhecia o significado de certas expressões do futebol.
07 – Qual a principal ideia
que o autor explora no artigo?
O autor explora a riqueza da linguagem do
futebol, mostrando como ela se apropria de palavras de origem inglesa, cria
metáforas originais e expressa a beleza e a imprevisibilidade do esporte.
Nenhum comentário:
Postar um comentário