quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

CRÔNICA: TROFÉU E SONHO - MOACYR SCLIAR - COM GABARITO

Crônica: Troféu e sonho

               Moacyr Scliar

        Endividados, clubes penhoram até taça. A crise financeira por que passa o futebol brasileiro leva os principais clubes do país a ter parte dos bens penhorada. O Flamengo disponibilizou troféus ganhos nos últimos anos para diversos credores.

Folha Esporte, 5.out.03

        A mansão, ainda que luxuosa, é de um mau gosto extremo. Não há muito o que ver, mas o dono faz questão de levar os visitantes a uma sala que chama de "meu templo"; ali, em uma espécie de vitrine, iluminada por fortes lâmpadas, está um troféu, uma taça destas que os clubes ganham em campeonatos. E, sem que lhe peçam, ele conta a história dessa taça.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhbykhaj-l8j70DsTZRwuWSJKl-QCSvjQQVxGnhx1Co68CqY-Um4hYvmmXCrk7TF_FVsCelVDL8OjBTfCi2AkQp5lKCqkoVoOLtRZWFO-DjIv7kzmU6RLALCwo-Uy9yoZ2BsDhVvEC5qCSNQJP2InbUuGlkb_fpSWFdyUgngDMiBgEbzcQ_OlcE3O3pvWs/s1600/TROFEU.jpg


        Tudo começou quando era um rapaz pobre, morando em uma pequena cidade do interior. Lugar modorrento, onde nada acontecia. Assim, foi grande a surpresa quando se anunciou a chegada, ali, de um grande time de futebol: nada menos que o Flamengo, do Rio de Janeiro. Notícia que o deixou excitadíssimo porque, em primeiro lugar, era fã de futebol – jogava razoavelmente bem – e, mais importante, era um ardoroso torcedor do rubro-negro. Que viria ali para disputar um torneio regional, no qual participavam o time da cidade e mais alguns outros clubes de localidades vizinhas.

        Na véspera do grande jogo, nem conseguiu dormir, tão ansioso estava. No dia seguinte, foi o primeiro a chegar ao pequeno e precário estádio. Aos poucos as arquibancadas foram se enchendo. Todos miravam-no com irritação. Explicável: ele vestia uma camisa do Flamengo e agitava uma bandeira do clube: decidira assumir a sua condição de torcedor e o fazia com orgulho. Aplaudiu com entusiasmo o rubro-negro, quando este entrou em campo.

        A partida começou e logo duas coisas ficaram claras; primeiro, que os donos da casa não eram adversários para o Flamengo; segundo, que o time carioca estava com muito azar. Jogador após jogador se lesionava e tinha de ser substituído. Lá pelas tantas, o insólito; mais um lesionado – e já não havia reservas no banco. O que gerou um impasse. A partida foi paralisada, enquanto juiz e dirigentes deliberavam.

        -- Foi aí – conta ele – que eu tive uma inspiração. Levantei-me e, da arquibancada, gritei que jogaria pelo Flamengo. Os dirigentes olharam-me com espanto, mas decidiram aceitar a proposta. Rapidamente assinei um contrato e no instante seguinte estava no campo. Num instante, apossei-me da bola, driblei um, driblei o segundo, chutei forte no canto esquerdo – gol! Gol da vitória! O Flamengo ganhou a taça. Que os dirigentes, em sinal de gratidão, me ofereceram.

        Esta é a história que o homem conta. Na qual ninguém acredita: todos sabem que comprou a taça, por bom dinheiro, de um credor do Flamengo. Mas também ninguém o desmente. Afinal, quem compra um troféu compra junto o sonho que esse troféu representa.

Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal. Folha de São Paulo, 13/10/2003, p. C2.

Fonte: livro Português: Língua e Cultura – Carlos Alberto Faraco – vol. único – Ensino Médio – 1ª edição – Base Editora – Curitiba, 2003. p. 212.

Entendendo a crônica:

01 – Qual é a situação apresentada no início da crônica em relação aos clubes de futebol brasileiros?

      A crônica inicia mostrando a difícil situação financeira dos clubes de futebol brasileiros, que estão chegando ao ponto de penhorar seus bens, incluindo troféus, para saldar dívidas.

02 – Qual é o objeto central da narrativa e qual o seu significado para o dono da mansão?

      O objeto central da narrativa é um troféu, uma taça de campeonato. Para o dono da mansão, esse troféu representa a realização de um sonho de infância, a glória de ter jogado pelo Flamengo e conquistado um título.

03 – Qual é a história contada pelo dono da mansão sobre como ele ganhou o troféu?

      O dono da mansão conta que, quando era jovem e morava no interior, o Flamengo foi jogar um torneio na cidade. Durante o jogo, vários jogadores do Flamengo se machucaram e não havia mais reservas. Ele, então, se ofereceu para jogar, marcou o gol da vitória e ganhou o troféu como reconhecimento.

04 – Qual é a reação das pessoas ao ouvirem a história do dono da mansão?

      Ninguém acredita na história contada pelo dono da mansão. Todos sabem que ele comprou a taça de um credor do Flamengo.

05 – Qual é a principal crítica presente na crônica de Moacyr Scliar?

      A crônica critica a obsessão pelo sucesso e pela fama, mostrando como as pessoas são capazes de inventar histórias e comprar troféus para alimentar seus egos e suas fantasias.

06 – Qual é a reflexão proposta por Moacyr Scliar ao final da crônica?

      Scliar nos leva a refletir sobre a importância dos sonhos e como as pessoas podem distorcer a realidade para alcançar seus objetivos. Ele mostra que, muitas vezes, o que importa não é a verdade, mas sim a história que contamos para nós mesmos e para os outros.

07 – Qual é a relação entre o título da crônica, "Troféu e Sonho", e o seu conteúdo?

      O título "Troféu e Sonho" resume a essência da crônica. O troféu representa o objeto de desejo, o símbolo da vitória e do sucesso. O sonho, por sua vez, representa a fantasia, a história inventada para justificar a posse do troféu. A crônica mostra como o sonho pode se tornar mais importante do que a realidade, a ponto de a pessoa comprar um troféu e criar uma história para dar sentido a ele.

 


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