Crônica: Adolescência – Fragmento
Luís Fernando Veríssimo
O apelido dele era "cascão" e
vinha da infância. Uma irmã mais velha descobrira uma mancha escura que subia
pela sua perna e que a mãe, apreensiva, a princípio atribuiu a seguida
descobriu que era sujeira mesmo.
-- Você não toma banho, menino?
--
Tomo, mãe.
-- E não se esfrega?
Aquilo já era pedir demais. E a verdade
é que muitas vezes seus banhos eram representações. Ele fechava a porta do
banheiro, ligava o chuveiro, forte, para que a mãe ouvisse o barulho, mas não
entrava no chuveiro. Achava que dois banhos por semana era o máximo de que uma
pessoa sensata precisava. Mais do que isso era mania.
O apelido pegou e, mesmo na sua
adolescência, eram frequentes as alusões familiares à sua falta de banho. Ele
as aguentava estoicamente. Caluniadores não mereciam resposta. Mas um dia
reagiu.
-- Sujo, não.
-- Ah, é? – disse a irmã.
-- E isto o que é?
Com o dedo ela levantara do seu braço
um filete de sujeira.
-- Rosquinha não vale.
-- Como não vale?
-- Rosquinha, qualquer um.
Entusiasmado com a própria tese,
continuou:
-- Desafio qualquer um nesta casa a
fazer o teste da rosquinha! A irmã, que tomava dois banhos por dia, o que ele
classificava de exibicionismo, aceitou o desafio.
Ele advertiu que passar o dedo, só, não
bastava. Tinha que passar com decisão. E, realmente, o dedo levantou, da dobra
do braço da irmã, uma rosquinha, embora ínfima, de sujeira.
-- Viu só – disse ele, triunfante. – E digo
mais: ninguém no mundo está livre de uma rosquinha.
-- Ah, essa não. No mundo? Manteve a
tese.
-- Ninguém.
-- A rainha Juliana?
-- Rosquinha. No pé. Batata.
No dia seguinte, no entanto, a irmã
estava preparada para derrubar a sua defesa.
-- Cascão... – disse simplesmente. – A Catherine
Deneuve. Ele hesitou. Pensou muito. Depois concedeu. A Catherine Deneuve,
realmente, não.
A irmã, sadicamente, ainda fingiu que
queria ajudar.
-- Quem sabe atrás da orelha?
-- Não, não – disse o Cascão
tristemente, renunciando à sua tese. – A Catherine Deneuve, nem atrás da
orelha.
Luís Fernando
Veríssimo. Comédias para se ler na escola. PDL – Projeto Democratização da
Leitura. www.portaldetonando.com.br.
Entendendo a crônica:
01 – Qual é o apelido do
personagem principal e qual a origem dele?
O apelido do
personagem principal é "Cascão". A origem do apelido vem da infância,
quando sua irmã mais velha descobriu uma mancha escura em sua perna, que a mãe
inicialmente pensou ser sujeira.
02 – Qual era o hábito de
higiene do personagem na infância?
O personagem não
gostava de tomar banho e muitas vezes fingia que estava se banhando, ligando o
chuveiro sem entrar embaixo d'água. Ele achava que dois banhos por semana eram
suficientes.
03 – Como o personagem reagia
às alusões familiares sobre sua falta de higiene?
O personagem
aguentava estoicamente as alusões familiares sobre sua falta de banho,
considerando os caluniadores como não merecedores de resposta.
04 – Qual é o argumento do
personagem sobre a sujeira?
O personagem
argumenta que ninguém no mundo está livre de ter um pouco de sujeira, usando o
termo "rosquinha" para se referir a essa sujeira.
05 – Como a irmã do personagem
tenta refutar seu argumento?
A irmã do
personagem tenta refutar seu argumento mencionando a rainha Juliana e a atriz
Catherine Deneuve como exemplos de pessoas que, segundo ela, não teriam
"rosquinhas" de sujeira.
06 – Qual é a reação do
personagem ao ser confrontado com o exemplo de Catherine Deneuve?
O personagem hesita, pensa bastante e
acaba concedendo que Catherine Deneuve realmente não teria
"rosquinhas" de sujeira, nem mesmo atrás da orelha, renunciando à sua
tese inicial.
07 – Qual é o tom geral da
crônica de Luís Fernando Veríssimo?
O tom geral da
crônica é humorístico e irônico. Veríssimo utiliza uma situação cotidiana e
familiar para fazer uma reflexão sobre hábitos de higiene, argumentos e a
dificuldade de admitir quando estamos errados.
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