Texto: Diferença entre o carnavalesco, o técnico de futebol e o marqueteiro político
Que há em comum entre o carnavalesco, o
técnico de futebol e o marqueteiro político? Primeiro: eles não entram em
campo. São, por natureza, profissionais de ensaios e bastidores. Segundo: não
se prendem à cor da camisa. Podem defender um time, escola ou candidato hoje, e
amanhã o time, escola ou candidato oposto. Terceiro: cada vez mais, roubam o
espetáculo. Os imperativos de discrição e de silêncio que seriam de supor em
quem ali está para preparar e coordenar o espetáculo, mas não é o espetáculo,
têm sido largamente superados pela compulsão da exposição e pela sofreguidão
dos egos.
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O carnavalesco, até alguns anos atrás,
era um desconhecido. Um pobre funcionário de segundo plano, mais desconhecido
que a mais humilde das integrantes da ala das baianas, mais ainda que o gari
que limpa a pista depois da passagem da escola. Foi então que, em 1976, com um
primor de desfile, na Beija-Flor de Nilópolis, e a frase que lhe foi atribuída
("Pobre gosta de luxo. Quem gosta de pobreza é intelectual"),
Joãosinho Trinta deu corpo e alma à profissão.
O técnico de futebol nunca foi um
desconhecido. Sempre foi profissional prestigiado. Mas era um participante
discreto no conjunto do espetáculo. Mais propriamente, era invisível. De uns
anos para cá, desde que o técnico foi liberado para ficar junto ao campo e dar
instruções durante o jogo, a profissão mudou de natureza. O técnico virou parte
do show.
Bem, se os carnavalescos e os técnicos
adquiriram tais culminâncias, que dizer dos marqueteiros? Seu prestígio é tal
que aumenta a cada dia o reclamo de que Duda Mendonça e Nizan Guanaes se
enfrentem diretamente nas urnas. "Chega de intermediários!" Guanaes é
um profissional que fez decolar uma candidata com base em uma única qualidade:
a de ser mulher. Roseana, diga-se, nesse ponto tem todo o merecimento, pois
realmente é mulher. Não está fingindo, como tantos políticos fazem. Já Duda
Mendonça foi além do que iria um técnico. Ao mudar de Paulo Maluf para Lula,
não é que tenha trocado o Corinthians pelo Palmeiras, o Flamengo pelo Vasco ou
o Atlético pelo Cruzeiro. É muito mais. Trocou Deus pelo diabo. Ou o diabo por
Deus – decida o leitor quem, entre os destinatários da troca, merece o papel de
Deus e quem do diabo.
Veja, n. 1734, jan.
2002.
Fonte: Livro – Português:
Linguagens, Vol. Único. William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães. Ensino
Médio, 1ª ed. 4ª reimpressão – São Paulo: ed. Atual, 2003. p. 340-341.
Entendendo o texto:
01
– Quais são os três pontos em comum entre o carnavalesco, o técnico de futebol
e o marqueteiro político, segundo o texto?
Não entram em
campo: São profissionais que atuam nos
bastidores, preparando e coordenando o espetáculo, mas não são o espetáculo em
si.
Não se prendem à cor da
camisa: Podem trabalhar para diferentes times, escolas de samba ou
candidatos, sem fidelidade a uma única bandeira.
Roubam o espetáculo:
A busca por exposição e reconhecimento tem feito com que esses profissionais se
destaquem mais do que deveriam, ultrapassando os limites da discrição.
02
– Como Joãosinho Trinta contribuiu para a mudança na percepção sobre os
carnavalescos?
Joãosinho Trinta,
com um desfile inovador na Beija-Flor de Nilópolis em 1976 e a frase
"Pobre gosta de luxo. Quem gosta de pobreza é intelectual",
transformou a imagem do carnavalesco de um funcionário desconhecido para um
artista criativo e importante.
03
– Qual foi a principal mudança na atuação dos técnicos de futebol nos últimos
anos?
A principal
mudança foi a permissão para que os técnicos ficassem à beira do campo durante
os jogos, dando instruções. Isso os transformou em parte do espetáculo, com
maior visibilidade e protagonismo.
04
– O que o autor destaca sobre o prestígio dos marqueteiros políticos?
O autor destaca
que o prestígio dos marqueteiros políticos é tão grande que há quem defenda que
eles mesmos deveriam se candidatar, em vez de apenas trabalharem nos
bastidores. Cita Duda Mendonça e Nizan Guanaes como exemplos de marqueteiros de
destaque.
05
– Qual é a comparação feita pelo autor em relação à mudança de lado de Duda
Mendonça na política?
O autor compara a
mudança de Paulo Maluf para Lula como uma troca muito mais drástica do que
trocar de time de futebol. Ele usa uma metáfora religiosa, questionando quem seria
Deus e quem seria o diabo nessa troca, deixando a interpretação para o leitor.
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