quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

REPORTAGEM: A HORA DO LOBO - AFONSO CAPELAS JR. - COM GABARITO

 Reportagem: A hora do lobo

                      Afonso Capelas Jr.

        Ele está sendo visto cada vez com mais facilidade, em geral revirando latas de lixo em busca de comida. Há quem acredite que sua população está aumentando. Mas é possível que o lobo-guará ainda seja um de nossos bichos mais ameaçados. E, como tantos outros, esteja apenas brigando pela sobrevivência.

        O escuro da noite chega no alto do Parque Nacional da Serra da Canastra, em Minas Gerais, e de repente, atraído pelo cheiro de comida e pelo tilintar de talheres e panelas, um lobo-guará se aproxima do alojamento de funcionários do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente). O bicho vasculha avidamente a lixeira à procura de restos de comida, como se fosse um mero cachorro vira-lata. Seu apetite voraz faz com que mastigue e engula até mesmo embalagens de plástico e alumínio. A cena se repete cotidianamente e revela o drama do maior e mais belo canídeo da América do Sul, que já não consegue encontrar no cerrado – seu habitat cada vez mais devastado pela atividade humana – a quantidade suficiente de alimento de que precisa para sobreviver.

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiQRMMY86ox2e14d77uzUOWCOMvXtJKpVc4aX93W4OWketMoHxw9nLTeci91zcHssnDub3zoaovPSCRPmkz5FcsrWCxv9BKywiZz0ze8ZcxQxLLQM1WLXnL2_9Zn2hobpfBrRfXFqj2RVgTybDm50HJ08HSYImZ_b90oibUjpw_TT3GRR4q1r6cXKkeaLc/s320/lobo.jpg 


        Alguns biólogos acreditam que as aparições cada vez mais frequentes de lobos-guará à procura de comida fácil em áreas habitadas pelo homem têm causado a falsa impressão de que a população da espécie está aumentando. Outros dizem que os lobos estão mesmo proliferando, mas de maneira perigosa, pois seus hábitos originais estão sendo alterados. A despeito das controvérsias, o Ibama acena com a hipótese de tirar o lobo-guará da lista de espécies ameaçadas de extinção, em que está incluído desde 1989. Uma nova relação está sendo preparada. Deverá ser divulgada ainda neste ano e já causa apreensão entre os pesquisadores. Muitos temem que o Ibama decida mesmo pela exclusão do lobo-guará da próxima lista negra, por considera-lo a salvo do desaparecimento. Mas julgam que ainda é muito cedo para tomar tal decisão.

        Dono de pernas compridas, andar elegante, corpo esguio recoberto fartamente de pelos avermelhados, o lobo-guará é um andarilho nato, capaz de percorrer muitos quilômetros por dia. Originalmente encontrado em regiões dominadas pelo cerrado brasileiro – em pontos esparsos desde a Bahia até o Rio Grande do Sul –, nosso lobo também já foi visto nas fronteiras com a Argentina, Paraguai, Peru, Bolívia e Uruguai. Adulto, chega a medir até 1,90m de comprimento e a pesar quase 25 quilos. Um casal de lobos-guará pode ocupar um território de até 30 quilômetros quadrados, devidamente demarcados por urina e fezes. Mesmo convivendo em um mesmo território, o casal mantém a sua sina solitária. Sempre caminhando distantes um do outro, macho e fêmea só se juntam na época do acasalamento, que resulta  em uma ninhada de três filhotes, em média.

        O lobo tem fome – Além de solitário, o lobo-guará é dono de uma fome incomparável. Gosta de caçar pequenos roedores e até insetos, mas também mantém uma dieta de vegetais – em especial o fruto de um arbusto conhecido como lobeira ou fruto-do-lobo, responsável por 50% de sua alimentação. Como o cerrado tem cedido lugar à agricultura, esse cardápio está cada vez mais raro. Sem outra alternativa, o lobo-guará vai chegando mais próximo das áreas habitadas pelos humanos. “Os lobos estão tentando se adequar ao progresso para sobreviver”, reconhece Rogério Cunha de Paula, biólogo da Associação Pró-Carnívoros que estuda os hábitos desses animais na Serra da Canastra e está preparando sua tese de mestrado sobre o assunto.

        Em sua pesquisa de campo, Rogério colocou brincos de plásticos nas orelhas de alguns lobos para monitorar seus passos e presenciou cenas inusitadas. Numas delas, viu a convivência pacífica de um lobo-guará com cães domésticos de uma fazenda. “Os cães podem contaminar os lobos com doenças fatais”, alerta. Em outra, observou a presença de até quatro lobos adultos juntos, perto do centro de visitação do Parque Nacional da Serra da Canastra, fato raro em se tratando de animais que, por natureza, prezam a solidão. “Essa proximidade facilita o cruzamento entre parentes, enfraquecendo geneticamente a espécie”, sugere Rogério. Por tudo isso, o biólogo pondera que, por enquanto, o lobo-guará não deveria sair da lista do Ibama. “É uma espécie que se vem adaptando relativamente bem, mas é inegável que ainda está perigosamente ameaçada”, observa.

        O diretor do zoológico de Belo Horizonte, Carlyle Mendes Coelho, também não quer ver o lobo-guará fora da lista vermelha do Ibama. “Ainda não sabemos o suficiente sobre a espécie”, garante. De fato, os especialistas não se arriscam nem ao menos a estimar quantos exemplares existem na natureza. Carlyle Mendes coordena uma pesquisa com lobos-guará na região do Parque Natural do Caraça, em Minas Gerais – curiosamente próxima de um convento em que os padres alimentam alguns exemplares, atraindo visitantes de todo o país – e não acredita que a população da espécie esteja aumentando: “Com os desmatamentos e novos povoamentos em área de cerrado, o lobo tem sido visto com maior facilidade. Mas, na verdade, é o homem que se aproxima cada vez mais do território do lobo”.

        “Saindo ou não da lista do Ibama, nosso trabalho vai continuar”, garante Bruno Riffel, coordenador ambiental da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração. Com sede no município mineiro de Araxá, a empresa mantém um criadouro de animais do cerrado, entre eles o lobo-guará. A finalidade é estudar todos os itens do comportamento da espécie, como alimentação, reprodução, imunologia e manejo em cativeiro. “Muitos exemplares nascidos aqui já foram doados a zoológicos e instituições de pesquisa do mundo inteiro”, orgulha-se Riffel. A companhia também desenvolve programas de educação ambiental para estudantes que visitam a empresa e têm a oportunidade de conhecer “Roxinha”, uma simpática fêmea reprodutora que recebe amigavelmente as pessoas com gemidos agudos.

        Mesmo com todas as pesquisas em andamento, ninguém se permite afirmar categoricamente que o belo lobo-guará está livre do estigma de bicho ameaçado de extinção. Por ora, permanecem as dúvidas: ele deve ou não sair da lista vermelha do Ibama? Sua digna reputação de animal selvagem estará a salvo ou, num futuro próximo, ele pode se transformar num reles vira-lata?

CAPELAS JR., Afonso. Terra, junho/2002, p. 73-76.

Fonte: livro Português: Língua e Cultura – Carlos Alberto Faraco – vol. único – Ensino Médio – 1ª edição – Base Editora – Curitiba, 2003. p. 218-220.

Entendendo a reportagem:

01 – Qual é o principal problema enfrentado pelo lobo-guará, de acordo com a reportagem?

      O principal problema é a perda de seu habitat natural, o cerrado, devido ao desmatamento e à expansão da atividade humana. Isso dificulta a sobrevivência, levando-o a se aproximar de áreas habitadas e a revirar lixões em busca de alimento.

02 – Por que alguns biólogos acreditam que a população de lobos-guará está aumentando?

      Acreditam que as aparições frequentes de lobos-guará em áreas habitadas, em busca de comida fácil, causam a falsa impressão de que a população da espécie está crescendo.

03 – Qual é a principal fonte de alimento do lobo-guará?

      Sua principal fonte de alimento é o fruto da lobeira, que corresponde a 50% de sua dieta. No entanto, com a destruição do cerrado, essa fonte de alimento está se tornando cada vez mais rara.

04 – O que o biólogo Rogério Cunha de Paula observou em sua pesquisa sobre os lobos-guará?

      Ele observou a convivência pacífica de um lobo-guará com cães domésticos, o que pode ser perigoso devido ao risco de transmissão de doenças. Além disso, ele flagrou a presença de até quatro lobos adultos juntos, um fato raro para uma espécie que preza a solidão.

05 – Qual é a opinião do diretor do zoológico de Belo Horizonte sobre a retirada do lobo-guará da lista de espécies ameaçadas de extinção?

      Ele é contra a retirada do lobo-guará da lista, pois acredita que ainda não se sabe o suficiente sobre a espécie e que a aproximação do homem ao seu território pode dar a falsa impressão de que sua população está aumentando.

06 – O que faz a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração em seu criadouro de animais do cerrado?

      A empresa estuda o comportamento do lobo-guará em cativeiro, como sua alimentação, reprodução, imunologia e manejo. Muitos exemplares nascidos no criadouro são doados a zoológicos e instituições de pesquisa.

07 – Qual é a principal preocupação dos pesquisadores em relação à possível retirada do lobo-guará da lista de espécies ameaçadas?

      Eles temem que essa decisão seja prematura, já que a espécie ainda enfrenta diversas ameaças, como a perda de habitat e a alteração de seus hábitos naturais.

08 – O que significa a expressão "vira-lata" no contexto da reportagem?

       A expressão "vira-lata" é usada para se referir a cães sem raça definida, que vivem nas ruas e se alimentam de restos de comida. No contexto da reportagem, ela é usada para questionar se o lobo-guará, um animal selvagem, corre o risco de se tornar um animal dependente da presença humana para sobreviver.

09 – Qual é o principal motivo para o lobo-guará estar se aproximando cada vez mais das áreas habitadas por humanos?

      O principal motivo é a falta de alimento em seu habitat natural, o cerrado, que está sendo destruído pelo desmatamento e pela expansão da agricultura.

10 – Qual é a mensagem principal da reportagem sobre o futuro do lobo-guará?

      A reportagem levanta dúvidas sobre o futuro do lobo-guará, questionando se ele deve ou não sair da lista de espécies ameaçadas. A mensagem principal é que a espécie ainda enfrenta diversas ameaças e que é preciso mais pesquisa e estudo para garantir sua sobrevivência.

 

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