Reportagem: A hora do lobo
Afonso Capelas Jr.
Ele está sendo visto cada vez com mais facilidade, em geral
revirando latas de lixo em busca de comida. Há quem acredite que sua população
está aumentando. Mas é possível que o lobo-guará ainda seja um de nossos bichos
mais ameaçados. E, como tantos outros, esteja apenas brigando pela
sobrevivência.
O escuro da noite chega no alto do Parque Nacional da Serra da Canastra, em Minas Gerais, e de repente, atraído
pelo cheiro de comida e pelo tilintar de talheres e panelas, um lobo-guará se
aproxima do alojamento de funcionários do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente). O bicho vasculha avidamente a lixeira à procura de restos de comida,
como se fosse um mero cachorro vira-lata. Seu apetite voraz faz com que
mastigue e engula até mesmo embalagens de plástico e alumínio. A cena se repete
cotidianamente e revela o drama do maior e mais belo canídeo da América do Sul,
que já não consegue encontrar no cerrado – seu habitat cada vez mais devastado
pela atividade humana – a quantidade suficiente de alimento de que precisa para
sobreviver.
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Alguns biólogos acreditam que as
aparições cada vez mais frequentes de lobos-guará à procura de comida fácil em
áreas habitadas pelo homem têm causado a falsa impressão de que a população da
espécie está aumentando. Outros dizem que os lobos estão mesmo proliferando,
mas de maneira perigosa, pois seus hábitos originais estão sendo alterados. A
despeito das controvérsias, o Ibama acena com a hipótese de tirar o lobo-guará
da lista de espécies ameaçadas de extinção, em que está incluído desde 1989.
Uma nova relação está sendo preparada. Deverá ser divulgada ainda neste ano e
já causa apreensão entre os pesquisadores. Muitos temem que o Ibama decida
mesmo pela exclusão do lobo-guará da próxima lista negra, por considera-lo a
salvo do desaparecimento. Mas julgam que ainda é muito cedo para tomar tal
decisão.
Dono de pernas compridas, andar
elegante, corpo esguio recoberto fartamente de pelos avermelhados, o lobo-guará
é um andarilho nato, capaz de percorrer muitos quilômetros por dia.
Originalmente encontrado em regiões dominadas pelo cerrado brasileiro – em
pontos esparsos desde a Bahia até o Rio Grande do Sul –, nosso lobo também já foi
visto nas fronteiras com a Argentina, Paraguai, Peru, Bolívia e Uruguai.
Adulto, chega a medir até 1,90m de comprimento e a pesar quase 25 quilos. Um
casal de lobos-guará pode ocupar um território de até 30 quilômetros quadrados,
devidamente demarcados por urina e fezes. Mesmo convivendo em um mesmo
território, o casal mantém a sua sina solitária. Sempre caminhando distantes um
do outro, macho e fêmea só se juntam na época do acasalamento, que resulta em uma ninhada de três filhotes, em média.
O lobo tem fome – Além de
solitário, o lobo-guará é dono de uma fome incomparável. Gosta de caçar
pequenos roedores e até insetos, mas também mantém uma dieta de vegetais – em
especial o fruto de um arbusto conhecido como lobeira ou fruto-do-lobo, responsável
por 50% de sua alimentação. Como o cerrado tem cedido lugar à agricultura, esse
cardápio está cada vez mais raro. Sem outra alternativa, o lobo-guará vai
chegando mais próximo das áreas habitadas pelos humanos. “Os lobos estão
tentando se adequar ao progresso para sobreviver”, reconhece Rogério Cunha de
Paula, biólogo da Associação Pró-Carnívoros que estuda os hábitos desses
animais na Serra da Canastra e está preparando sua tese de mestrado sobre o
assunto.
Em sua pesquisa de campo, Rogério
colocou brincos de plásticos nas orelhas de alguns lobos para monitorar seus
passos e presenciou cenas inusitadas. Numas delas, viu a convivência pacífica
de um lobo-guará com cães domésticos de uma fazenda. “Os cães podem contaminar
os lobos com doenças fatais”, alerta. Em outra, observou a presença de até
quatro lobos adultos juntos, perto do centro de visitação do Parque Nacional da
Serra da Canastra, fato raro em se tratando de animais que, por natureza,
prezam a solidão. “Essa proximidade facilita o cruzamento entre parentes,
enfraquecendo geneticamente a espécie”, sugere Rogério. Por tudo isso, o
biólogo pondera que, por enquanto, o lobo-guará não deveria sair da lista do
Ibama. “É uma espécie que se vem adaptando relativamente bem, mas é inegável
que ainda está perigosamente ameaçada”, observa.
O diretor do zoológico de Belo
Horizonte, Carlyle Mendes Coelho, também não quer ver o lobo-guará fora da
lista vermelha do Ibama. “Ainda não sabemos o suficiente sobre a espécie”,
garante. De fato, os especialistas não se arriscam nem ao menos a estimar
quantos exemplares existem na natureza. Carlyle Mendes coordena uma pesquisa
com lobos-guará na região do Parque Natural do Caraça, em Minas Gerais –
curiosamente próxima de um convento em que os padres alimentam alguns
exemplares, atraindo visitantes de todo o país – e não acredita que a população
da espécie esteja aumentando: “Com os desmatamentos e novos povoamentos em área
de cerrado, o lobo tem sido visto com maior facilidade. Mas, na verdade, é o
homem que se aproxima cada vez mais do território do lobo”.
“Saindo ou não da lista do Ibama, nosso
trabalho vai continuar”, garante Bruno Riffel, coordenador ambiental da
Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração. Com sede no município mineiro
de Araxá, a empresa mantém um criadouro de animais do cerrado, entre eles o
lobo-guará. A finalidade é estudar todos os itens do comportamento da espécie,
como alimentação, reprodução, imunologia e manejo em cativeiro. “Muitos
exemplares nascidos aqui já foram doados a zoológicos e instituições de
pesquisa do mundo inteiro”, orgulha-se Riffel. A companhia também desenvolve
programas de educação ambiental para estudantes que visitam a empresa e têm a
oportunidade de conhecer “Roxinha”, uma simpática fêmea reprodutora que recebe
amigavelmente as pessoas com gemidos agudos.
Mesmo com todas as pesquisas em
andamento, ninguém se permite afirmar categoricamente que o belo lobo-guará
está livre do estigma de bicho ameaçado de extinção. Por ora, permanecem as
dúvidas: ele deve ou não sair da lista vermelha do Ibama? Sua digna reputação
de animal selvagem estará a salvo ou, num futuro próximo, ele pode se
transformar num reles vira-lata?
CAPELAS JR., Afonso.
Terra, junho/2002, p. 73-76.
Fonte: livro Português:
Língua e Cultura – Carlos Alberto Faraco – vol. único – Ensino Médio – 1ª
edição – Base Editora – Curitiba, 2003. p. 218-220.
Entendendo a reportagem:
01 – Qual é o principal
problema enfrentado pelo lobo-guará, de acordo com a reportagem?
O principal
problema é a perda de seu habitat natural, o cerrado, devido ao desmatamento e
à expansão da atividade humana. Isso dificulta a sobrevivência, levando-o a se aproximar de áreas habitadas e a revirar lixões em
busca de alimento.
02 – Por que alguns biólogos
acreditam que a população de lobos-guará está aumentando?
Acreditam que as
aparições frequentes de lobos-guará em áreas habitadas, em busca de comida
fácil, causam a falsa impressão de que a população da espécie está crescendo.
03 – Qual é a principal fonte
de alimento do lobo-guará?
Sua principal
fonte de alimento é o fruto da lobeira, que corresponde a 50% de sua dieta. No
entanto, com a destruição do cerrado, essa fonte de alimento está se tornando
cada vez mais rara.
04 – O que o biólogo Rogério
Cunha de Paula observou em sua pesquisa sobre os lobos-guará?
Ele observou a
convivência pacífica de um lobo-guará com cães domésticos, o que pode ser
perigoso devido ao risco de transmissão de doenças. Além disso, ele flagrou a
presença de até quatro lobos adultos juntos, um fato raro para uma espécie que
preza a solidão.
05 – Qual é a opinião do
diretor do zoológico de Belo Horizonte sobre a retirada do lobo-guará da lista
de espécies ameaçadas de extinção?
Ele é contra a
retirada do lobo-guará da lista, pois acredita que ainda não se sabe o
suficiente sobre a espécie e que a aproximação do homem ao seu território pode
dar a falsa impressão de que sua população está aumentando.
06 – O que faz a Companhia
Brasileira de Metalurgia e Mineração em seu criadouro de animais do cerrado?
A empresa estuda
o comportamento do lobo-guará em cativeiro, como sua alimentação, reprodução,
imunologia e manejo. Muitos exemplares nascidos no criadouro são doados a
zoológicos e instituições de pesquisa.
07 – Qual é a principal
preocupação dos pesquisadores em relação à possível retirada do lobo-guará da
lista de espécies ameaçadas?
Eles temem que
essa decisão seja prematura, já que a espécie ainda enfrenta diversas ameaças,
como a perda de habitat e a alteração de seus hábitos naturais.
08 – O que significa a
expressão "vira-lata" no contexto da reportagem?
A expressão
"vira-lata" é usada para se referir a cães sem raça definida, que
vivem nas ruas e se alimentam de restos de comida. No contexto da reportagem,
ela é usada para questionar se o lobo-guará, um animal selvagem, corre o risco
de se tornar um animal dependente da presença humana para sobreviver.
09 – Qual é o principal motivo
para o lobo-guará estar se aproximando cada vez mais das áreas habitadas por
humanos?
O principal
motivo é a falta de alimento em seu habitat natural, o cerrado, que está sendo
destruído pelo desmatamento e pela expansão da agricultura.
10 – Qual é a mensagem
principal da reportagem sobre o futuro do lobo-guará?
A reportagem
levanta dúvidas sobre o futuro do lobo-guará, questionando se ele deve ou não
sair da lista de espécies ameaçadas. A mensagem principal é que a espécie ainda
enfrenta diversas ameaças e que é preciso mais pesquisa e estudo para garantir
sua sobrevivência.
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