Romance: AS AVENTURAS DE NGUNGA – Fragmento
Pepetela
A vida de Ngunga continuou assim por
certo tempo. Gostava era de passear, de fala às árvores e aos pássaros. Tomar
banho nas lagoas, descobrir novos caminhos na mata. Subir às árvores para
apanhar um ninho ou mel de abelhas. Era isso que ele gostava.
Só aceitara ficar e trabalhar porque o
velho Kafuxi lhe falara. O velho convenceu-o com a sua conversa sobre a comida
dos guerrilheiros. Kafuxi era o Presidente, quer dizer, era o responsável da
população de uma série de aldeias. Ele devia organizar e
resolver os problemas do povo. Ele devia organizar o reabastecimento dos
guerrilheiros.
Mas, depois da conversa que tinha
ouvido. Ngunga ficou a pensar. Afinal o velho estava a aproveitar. Era mais
rico que os outros, pois tinha mais mulheres. Além disso, tinha Ngunga, que
trabalhava todo o dia e só comia um pouco. Uma parte do seu trabalho, uma
canequita talvez, ia para os guerrilheiros. Algumas canecas iam para a
alimentação. E o resto? As quindas de fubá que ele ajudava a produzir, o peixe que
pescava no Kuanda, o mel que tirava dos cortiços? Tudo isso ia para o velho,
que guardava para
trocar com pano.
Quando chegava um grupo de
guerrilheiros ao kimbo, Kafuxi mandava esconder a fubá. Dizia às visitas que
não tinham comida quase nenhuma. Se alguma visita trouxesse tecido, então ele
propunha a troca. Sempre se lamentando que essa era a última quinda de fubá que
possuía. Se a visita não tivesse nada para trocar, então partia do kimbo com a fome
que trouxera.
Ngunga pensava, pensava. Todos os
adultos eram assim egoístas? Ele, Ngunga, nada possuía. Não, tinha uma coisa,
era essa força dos bracitos. E essa força ele oferecia aos outros, trabalhando
na lavra, para arranjar a comida dos guerrilheiros. O que ele tinha,
oferecia. Era generoso. Mas os adultos? Só pensavam neles. Até mesmo um chefe
do povo, escolhido pelo Movimento para dirigir o povo. Estava certo?
E, um dia em que apareceu o Comandante
do Esquadrão com três guerrilheiros, aconteceu o que tinha de acontecer.
O velho lamentou-se da fome, dos
celeiros vazios. Mandou trazer um pratinho de pirão para o Comandante. Para os
outros nada havia. O Comandante teve de dar dois metros de pano e outro
pratinho apareceu.
Ngunga não falou. Começava a perceber
que as palavras nada valiam. Foi ao celeiro, encheu uma quinda grande com fubá,
mais um cesto. Trouxe tudo para o sitio onde estavam as visitas e o Presidente
Kafuxi. Sem uma palavra, pousou a comida no chão. Depois foi à cubata arrumar
as suas coisas.
Partiu, sem se despedir de ninguém. O
velho Kafuxi, furioso, envergonhado, só o mirava com olhos maus.
PEPETELA. As aventuras de Ngunga. 3. ed. São Paulo: Ática, 1983, p.
14-16.
Fonte: livro Português:
Língua e Cultura – Carlos Alberto Faraco – vol. único – Ensino Médio – 1ª
edição – Base Editora – Curitiba, 2003. p. 557-558.
Entendendo o romance:
01
– Qual é a principal atividade que Ngunga gosta de fazer?
Ngunga gosta de
passear, falar com as árvores e pássaros, nadar nas lagoas, descobrir novos
caminhos na mata e subir em árvores para pegar ninhos ou mel de abelhas.
02
– Por que Ngunga decide ficar e trabalhar com o velho Kafuxi?
Ngunga decide
ficar e trabalhar porque o velho Kafuxi o convence com sua conversa sobre a
comida dos guerrilheiros. Kafuxi é o responsável pela população de várias
aldeias e precisa organizar o reabastecimento dos guerrilheiros.
03
– O que Ngunga percebe sobre o velho Kafuxi depois de um tempo?
Ngunga percebe
que o velho Kafuxi está se aproveitando da situação. Ele é mais rico que os
outros, pois tem mais mulheres e Ngunga trabalha para ele o dia todo, recebendo
apenas um pouco de comida. Ngunga percebe que parte do seu trabalho vai para os
guerrilheiros, mas outra parte fica com Kafuxi, que guarda para trocar por
pano.
04
– Como o velho Kafuxi age quando os guerrilheiros chegam ao kimbo?
Quando um grupo
de guerrilheiros chega ao kimbo, Kafuxi manda esconder a fubá e diz às visitas
que não tem comida suficiente. Se a visita trouxer tecido, ele propõe a troca,
lamentando que aquela seja a última quinda de fubá que ele possui. Se a visita
não tiver nada para trocar, ela parte do kimbo com fome.
05
– O que Ngunga pensa sobre os adultos ao seu redor?
Ngunga pensa se
todos os adultos são egoístas como o velho Kafuxi. Ele se considera generoso
por oferecer sua força de trabalho aos outros, enquanto os adultos parecem
pensar apenas em si mesmos. Ele questiona se está certo um chefe do povo,
escolhido pelo Movimento para dirigir o povo, agir dessa forma.
06
– O que acontece quando o Comandante do Esquadrão visita o kimbo?
Quando o
Comandante do Esquadrão visita o kimbo com três guerrilheiros, o velho Kafuxi
se lamenta da fome e dos celeiros vazios. Ele oferece um prato de pirão para o
Comandante, mas não oferece nada para os outros. O Comandante precisa dar dois
metros de pano para que outro prato de pirão apareça.
07
– Qual é a atitude de Ngunga diante da situação com o Comandante e o velho
Kafuxi?
Ngunga não fala,
mas começa a perceber que as palavras não valem nada. Ele vai ao celeiro, enche
uma quinda grande com fubá e um cesto, e leva tudo para onde estão as visitas e
o Presidente Kafuxi. Sem dizer nada, ele coloca a comida no chão e depois vai
arrumar suas coisas para partir, sem se despedir de ninguém. O velho Kafuxi o
observa com olhos maus, furioso e envergonhado.
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