quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

CONTO: DOMINGO EM PORTO ALEGRE - SÉRGIO FARACO - COM GABARITO

 Conto: Domingo em Porto Alegre

            Sérgio Faraco

        Enquanto Luíza termina de pôr a criançada a jeito, ele confere o dinheiro que separou e o prende num clipe. Tudo em ordem para o grande dia. Passa a mão na bolsa das merendas e se apresenta na porta do quarto.

        — Tá na hora, pessoal.

        — Já vai, já vai, - diz a mulher.

        Mariana quer levar o bruxo de pano. Marta não consegue afivelar a sandalinha, Marietinha quer fazer xixi e Luiza se multiplica em torno delas.

        — Espero vocês lá em baixo.

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjNjT4LksUfvdYncwt2n7KWsSCTVHm_Rq-DWBDLslFtu3Yi4bc_e3v1Rn5ti9MBkuXQA8fu45aMnvcMQ1M_ero6yVqZCIjzAhrUPNvylfP_DOyAL7_zqOYQva-7gvmwDo7cc9OKKGIppG4yf3G0KTpKFwygAEveOxEM6fgYQQ6M-N7-gTWYO927YlzXaVo/s320/VOLTA.jpg

        Luiza se volta.

        — Por favor, vamos descer todos juntos.

        Todos juntos, como uma família, papai e mamãe de braços dados à frente do pequeno cortejo de meninas de tranças.

        Chama um carro – o passeio de táxi também faz parte do domingo. As meninas vão com a mãe no banco de trás. Na frente, ele espicha as pernas, recosta a nuca. Que conforto um automóvel! E o chofer não é como o do ônibus, mudo e mal-humorado, e até puxa conversa.

        — Dia bonito, não?

        — Pelo menos isso.

        — É, a vida tá dureza...

        Dureza é apelido. E do Alto Petrópolis ao Bom Fim viajam nesse tom, tom de domingo. E na sua opinião não é verdade que esse país já tá com a vela?

        Na calçada, Luíza lhe passa o braço e comenta que o choferzinho era meio corredor. Ele concorda e acha também que era meio comunista.

        E caminham.

        Nas vitrinas do Bom Fim vão olhando os ternos da sala, as mesinhas de centro, os quartos que sonham comprar um dia. Luiza se encanta num abajur dourado, que lindo, ficaria tão bem ao lado da poltrona azul. E caminham. As garotinhas de mãos dadas e o pai e a mãe troteando atrás, contentes, como se as semanas vencidas e as vincendas não passassem de um sonho mau e cada coisa de suas vidas estivesse em seu lugar, bem ajustada, bem sentada, como aquele abajur ao lado da poltrona azul.

        Atravessam a avenida e ali está, verde e cheiroso, o Parque da Redenção. As garotinhas correm e já vão brincando de pegar, buliçosas, risonhas, e até Luíza, na Redenção, fica um pouco bonita. Os olhos dela se movem mais rapidamente, as mãos se umedecem e as faces recobram nuanças juvenis.

        Papai compra passes para o carrossel e acomoda a meninada. Fora do cercado uns quantos casais admiram seus filhos, como se agarram, não caem, como são lindos e gorduchinhos e a vovó ia gostar tanto de ver. Os recém-chegados se orgulham também dos seus, como rodam e rodam, dão gritinhos de prazer e nervosas risadinhas. Luíza se ergue na ponta dos pés, saltita, ele vislumbra o peito no decote e gaba suas estremeções de gelatina. Encosta-se nela com súbita volúpia, mas o carrossel dá a última volta e Luíza precisa correr, Marietinha já vem pendurada no pescoço do cavalinho.

        Hora da merenda.

        Mamãe faz uma distribuição criteriosa de sanduíches, copinhos, guardanapos. Comem. Conversam sobre as maravilhas do parque e viste como estão caros os churros uruguaios? Mariana vai pegar o último sanduíche e Marta avança.

        É meu.

        — Não, é meu.

        E se empurram e já choramingam, mas Luíza fala na roda-gigante, ficam todas louquinhas e lá se vão mastigando mortadela e interjeições.

        Das alturas, entre as copas das grandes árvores, Luíza chama:

        — Meu bem, aqui!

        Ele abana. E as meninas chamam:

        — Pai, pai!

        Abana também, e se finge que se assusta à passagem de seus bancos voadores, quase se finam de tanto rir.

        Comem pipocas, amendoim torrado, percorrem alamedas de arbustos e namorados, brincam de esconde-esconde no Recanto Chinês e andam todos no trenzinho — é uma pintura quando ele vai costeando o lago, vendo-se de cima os barquinhos de pedal.

        Começa a escurecer e eles vão retornando pelos caminhos da Redenção, vão chegando perto da avenida e do corredor dos ônibus. E vão ficando sérios, intimidados sem saber por quê.

        Na parada, agrupam-se e pouco ou nada falam, até que veem assomar no corredor, roncando, soltando fumaça negra, o dragão de lata.

        — Qual é aquele — pergunta Luíza. — Alto Petrópolis?

        Ele aperta os olhos.

        — Acho que é.

        Mas não é. E por instantes eles ficam se olhando, sorrindo, querendo acreditar que o domingo ainda não terminou.

FARACO, Sérgio. Majestic hotel. Porto Alegre: L&PM, 1991, p.47-50.

Fonte: livro Português: Língua e Cultura – Carlos Alberto Faraco – vol. único – Ensino Médio – 1ª edição – Base Editora – Curitiba, 2003. p. 370-371.

Entendendo o conto:

01 – Qual é o tema central do conto "Domingo em Porto Alegre"?

      O conto retrata um dia de lazer de uma família em Porto Alegre, destacando a alegria e a união familiar em contraste com as dificuldades da vida cotidiana.

02 – Descreva a atmosfera do domingo da família no início do conto.

      No início do conto, a família se prepara para sair. Há uma certa agitação, com as filhas demorando para se arrumar e a mãe, Luíza, tentando organizar tudo. O pai, por sua vez, está ansioso para o passeio e conferindo o dinheiro. Apesar da correria, há um clima de expectativa e felicidade no ar.

03 – Qual é a importância do passeio de táxi no contexto do conto?

      O passeio de táxi é um elemento importante do domingo da família, representando um momento de conforto e descontração. O pai se sente aliviado por não precisar pegar ônibus e aprecia a conversa com o motorista, que compartilha suas opiniões sobre a situação do país.

04 – Como o Parque da Redenção transforma a família?

      O Parque da Redenção tem um efeito positivo sobre a família. As meninas correm e brincam livremente, demonstrando alegria e entusiasmo. Luíza, por sua vez, se torna mais bonita e jovial, com os olhos brilhando e as faces coradas. O parque proporciona um ambiente de leveza e descontração, onde a família pode se conectar e aproveitar o momento presente.

05 – Quais são as atividades que a família realiza no Parque da Redenção?

      No Parque da Redenção, a família anda de carrossel, faz um piquenique, anda na roda-gigante, come pipoca e amendoim, brinca de esconde-esconde e anda de trenzinho. São atividades simples, mas que proporcionam momentos de alegria e união para a família.

06 – O que acontece no final do dia que muda a atmosfera do conto?

      No final do dia, a família se prepara para voltar para casa e enfrenta a realidade do dia a dia. A alegria e a descontração do passeio dão lugar à seriedade e à preocupação. A espera pelo ônibus e a incerteza sobre qual linha pegar refletem as dificuldades da vida na cidade.

07 – Qual a mensagem principal do conto "Domingo em Porto Alegre"?

      O conto "Domingo em Porto Alegre" nos convida a refletir sobre a importância dos momentos de lazer e união familiar, mesmo diante das dificuldades da vida. O dia de descanso no parque representa uma pausa na rotina e uma oportunidade para a família se conectar e celebrar a alegria de estar junto.

 

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