Conto: Domingo em Porto Alegre
Sérgio Faraco
Enquanto Luíza termina de pôr a
criançada a jeito, ele confere o dinheiro que separou e o prende num clipe.
Tudo em ordem para o grande dia. Passa a mão na bolsa das merendas e se
apresenta na porta do quarto.
— Tá na hora, pessoal.
— Já vai, já vai, - diz a mulher.
Mariana quer levar o bruxo de pano.
Marta não consegue afivelar a sandalinha, Marietinha quer fazer xixi e Luiza se
multiplica em torno delas.
— Espero vocês lá em baixo.
Luiza se volta.
— Por favor, vamos descer todos juntos.
Todos juntos, como uma família, papai e
mamãe de braços dados à frente do pequeno cortejo de meninas de tranças.
Chama um carro – o passeio de táxi
também faz parte do domingo. As meninas vão com a mãe no banco de trás. Na
frente, ele espicha as pernas, recosta a nuca. Que conforto um automóvel! E o
chofer não é como o do ônibus, mudo e mal-humorado, e até puxa conversa.
— Dia bonito, não?
— Pelo menos isso.
— É, a vida tá dureza...
Dureza é apelido. E do Alto Petrópolis
ao Bom Fim viajam nesse tom, tom de domingo. E na sua opinião não é verdade que
esse país já tá com a vela?
Na calçada, Luíza lhe passa o braço e
comenta que o choferzinho era meio corredor. Ele concorda e acha também que era
meio comunista.
E caminham.
Nas vitrinas do Bom Fim vão olhando os
ternos da sala, as mesinhas de centro, os quartos que sonham comprar um dia.
Luiza se encanta num abajur dourado, que lindo, ficaria tão bem ao lado da
poltrona azul. E caminham. As garotinhas de mãos dadas e o pai e a mãe
troteando atrás, contentes, como se as semanas vencidas e as vincendas não
passassem de um sonho mau e cada coisa de suas vidas estivesse em seu lugar,
bem ajustada, bem sentada, como aquele abajur ao lado da poltrona azul.
Atravessam a avenida e ali está, verde
e cheiroso, o Parque da Redenção. As garotinhas correm e já vão brincando de
pegar, buliçosas, risonhas, e até Luíza, na Redenção, fica um pouco bonita. Os
olhos dela se movem mais rapidamente, as mãos se umedecem e as faces recobram nuanças
juvenis.
Papai compra passes para o carrossel e
acomoda a meninada. Fora do cercado uns quantos casais admiram seus filhos,
como se agarram, não caem, como são lindos e gorduchinhos e a vovó ia gostar
tanto de ver. Os recém-chegados se orgulham também dos seus, como rodam e
rodam, dão gritinhos de prazer e nervosas risadinhas. Luíza se ergue na ponta
dos pés, saltita, ele vislumbra o peito no decote e gaba suas estremeções de
gelatina. Encosta-se nela com súbita volúpia, mas o carrossel dá a última volta
e Luíza precisa correr, Marietinha já vem pendurada no pescoço do cavalinho.
Hora da merenda.
Mamãe faz uma distribuição criteriosa
de sanduíches, copinhos, guardanapos. Comem. Conversam sobre as maravilhas do
parque e viste como estão caros os churros uruguaios? Mariana vai pegar o
último sanduíche e Marta avança.
— É meu.
— Não, é meu.
E se empurram e já choramingam, mas
Luíza fala na roda-gigante, ficam todas louquinhas e lá se vão mastigando
mortadela e interjeições.
Das alturas, entre as copas das grandes
árvores, Luíza chama:
— Meu bem, aqui!
Ele abana. E as meninas chamam:
— Pai, pai!
Abana também, e se finge que se assusta
à passagem de seus bancos voadores, quase se finam de tanto rir.
Comem pipocas, amendoim torrado,
percorrem alamedas de arbustos e namorados, brincam de esconde-esconde no
Recanto Chinês e andam todos no trenzinho — é uma pintura quando ele vai
costeando o lago, vendo-se de cima os barquinhos de pedal.
Começa a escurecer e eles vão
retornando pelos caminhos da Redenção, vão chegando perto da avenida e do
corredor dos ônibus. E vão ficando sérios, intimidados sem saber por quê.
Na parada, agrupam-se e pouco ou nada
falam, até que veem assomar no corredor, roncando, soltando fumaça negra, o
dragão de lata.
— Qual é aquele — pergunta Luíza. —
Alto Petrópolis?
Ele aperta os olhos.
— Acho que é.
Mas não é. E por instantes eles ficam
se olhando, sorrindo, querendo acreditar que o domingo ainda não terminou.
FARACO, Sérgio.
Majestic hotel. Porto Alegre: L&PM, 1991, p.47-50.
Fonte: livro Português:
Língua e Cultura – Carlos Alberto Faraco – vol. único – Ensino Médio – 1ª
edição – Base Editora – Curitiba, 2003. p. 370-371.
Entendendo o conto:
01 – Qual é o tema central do
conto "Domingo em Porto Alegre"?
O conto retrata
um dia de lazer de uma família em Porto Alegre, destacando a alegria e a união
familiar em contraste com as dificuldades da vida cotidiana.
02 – Descreva a atmosfera do
domingo da família no início do conto.
No início do
conto, a família se prepara para sair. Há uma certa agitação, com as filhas
demorando para se arrumar e a mãe, Luíza, tentando organizar tudo. O pai, por
sua vez, está ansioso para o passeio e conferindo o dinheiro. Apesar da
correria, há um clima de expectativa e felicidade no ar.
03 – Qual é a importância do
passeio de táxi no contexto do conto?
O passeio de táxi
é um elemento importante do domingo da família, representando um momento de
conforto e descontração. O pai se sente aliviado por não precisar pegar ônibus
e aprecia a conversa com o motorista, que compartilha suas opiniões sobre a
situação do país.
04 – Como o Parque da Redenção
transforma a família?
O Parque da
Redenção tem um efeito positivo sobre a família. As meninas correm e brincam
livremente, demonstrando alegria e entusiasmo. Luíza, por sua vez, se torna
mais bonita e jovial, com os olhos brilhando e as faces coradas. O parque
proporciona um ambiente de leveza e descontração, onde a família pode se
conectar e aproveitar o momento presente.
05 – Quais são as atividades
que a família realiza no Parque da Redenção?
No Parque da
Redenção, a família anda de carrossel, faz um piquenique, anda na roda-gigante,
come pipoca e amendoim, brinca de esconde-esconde e anda de trenzinho. São
atividades simples, mas que proporcionam momentos de alegria e união para a
família.
06 – O que acontece no final
do dia que muda a atmosfera do conto?
No final do dia,
a família se prepara para voltar para casa e enfrenta a realidade do dia a dia.
A alegria e a descontração do passeio dão lugar à seriedade e à preocupação. A
espera pelo ônibus e a incerteza sobre qual linha pegar refletem as
dificuldades da vida na cidade.
07 – Qual a mensagem principal
do conto "Domingo em Porto Alegre"?
O conto
"Domingo em Porto Alegre" nos convida a refletir sobre a importância
dos momentos de lazer e união familiar, mesmo diante das dificuldades da vida.
O dia de descanso no parque representa uma pausa na rotina e uma oportunidade
para a família se conectar e celebrar a alegria de estar junto.
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