Conto: A DEMANDA DO SANTO GRAAL – II – Na corte do rei Artur – Fragmento
[...]
Como Lancelote e Boorz e Leonel
chegaram à corte. Assim falando, chegaram a Camalote, e sabei que quantos na
corte estavam ficaram com isso muito alegres, porque muito seria a festa menor
e mais pobre, se eles nela não estivessem. O rei foi então ouvir missa na Sé em
companhia de tantos cavaleiros que ficaríeis maravilhado de os ver. E ele
trajava tão rica vestimenta que maravilha era. E com a rainha iam tantas donas
e donzelas, que era grande maravilha. E ela e eles ouviram missa e foram para o
paço. E aconteceu, entrementes, que, procurando os assentos da távola redonda,
acharam: “Aqui deve ser fulano e aqui fulano.” E quando chegaram ao assento
perigoso, encontraram letreiro recentemente escrito que dizia: “A quatrocentos
e cinquenta e três anos cumpridos da morte de Jesus Cristo, em dia de
Pentecostes, deve haver este assento senhor.”
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— Por Deus, disse Lancelote, quando
esta maravilha ouviu: pois hoje deve haver senhor, porque da morte de Jesus
Cristo a este Pentecostes há quatrocentos e cinquenta e três anos. E bem quereria,
se pudesse, que este letreiro ninguém visse, até que viesse aquele que o há de
acabar.
E eles disseram:
— Nós guardaremos bem.
Então cobriram o assento com um pano de
seda vermelha, assim como os outros estavam cobertos.
Quando o rei veio da igreja, a rainha
foi para a câmara com todas as suas donzelas e companhia. E o rei perguntou se
era hora de comer.
— Senhor, disse Quéia, já tempo é de
comer, pois já está perto de meio dia; mas se vosso costume, que mantivestes
até aqui em todas as grandes festas, quereis manter, não me parece que comer
possais, porque em tão grande festa como esta não aconteceu ainda aventura
nenhuma; e enquanto aventura não vos acontecesse, não costumáveis comer em
nenhuma grande festa.
— Verdade é, disse o rei; este meu
costume mantive sempre desde que fui rei e manterei enquanto viver. E pelas
grandes aventuras que na minha corte acontecem, chamam-me rei aventuroso; e por
isso manterei as aventuras, porque, a partir da época em que deixarem de
acontecer, bem sei que a Nosso Senhor não agradará que muito eu reine daí em
diante. Mas assim como as aventuras costumavam acontecer nas festas grandes,
nesta sei bem que no dia de hoje não faltarão, antes acontecerão as maiores e as
mais maravilhosas que nunca aconteceram, pois adivinha meu coração isto. Não me
incomodo de esperarmos um pouco, pois bem sei verdadeiramente que nossa festa
não será hoje sem aventura, mas tive tão grande prazer com a vinda de Lancelote
e de seus coirmãos, que me esquecia o costume.
Como o cavaleiro caiu da janela
bradando. Enquanto o rei isto dizia, dom Lancelote e muitos outros cavaleiros
olhavam para umas janelas que davam para um regato e viram lá estar um
cavaleiro que era natural de Irlanda, muito fidalgo e bom cavaleiro de armas,
de muito grande fama e muito bem vestido. E estava pensando tanto, que ninguém
o podia acordar de seu pensar, de modo que não prestava atenção à festa nem à
corte. E quando estava assim pensando, deu um grito:
—
Ai! desgraçado de mim, estou morto!
E deixou-se cair da janela e
quebrou-lhe o pescoço. E os cavaleiros que lá estavam foram até ele para ver o
que era e acharam que lhe saía pela boca e pelas narinas chama de fogo tão
forte como se fosse de um forno aceso, e tinha em suas mãos uma carta que lhe
escapou. Os cavaleiros pegaram a carta, e o rei chegou lá com seus cavaleiros
para ver aquela maravilha. E porque era companheiro da távola redonda, quando o
rei viu que estava morto, mandou que o levassem fora do paço, porque não quis
que sua corte fosse perturbada com ele. E então o levaram para fora com muito
grande dificuldade, porque queimava tanto que toda a roupa tinha virado cinza,
e não se podia a ele chegar ninguém que não se queimasse, e, posto ele fora do
paço, novamente começaram sua alegria como antes e muito tinham grande pesar
todos do cavaleiro, porque era muito estimado. Ao rei, muito pesava, mas não o
ousava mostrar para não ficar a corte mais triste. E depois que soube que
estava na igreja, disse:
— Cavaleiros, agora podeis comer,
porque já por aventura maravilhosa não deixareis de comer, pois me parece muito
estranha esta aventura.
Como o escudeiro disse ao rei as novas
da pedra. E eles disto falando, eis que vem um escudeiro que disse ao rei:
— Senhor, eu vos trago as mais
maravilhosas novas de que ouvistes falar.
— E que novas são? disse o rei,
dizei-no-las.
— Neste vosso paço, aportou agora uma
pedra de mármore, na qual está metida uma espada, e sobre esta pedra, no ar,
está uma bainha. E eu vos digo que vi a pedra nadar sobre a água, como se fosse
madeira.
E o rei, que o teve por chufa,
disse-lhe se podia ver esta pedra. Então disse o escudeiro:
— Já estão lá muitos cavaleiros da
vossa companhia para ver aquela maravilha.
E o rei, assim que isto ouviu, foi logo
para lá com sua companhia de homens bons. E Lancelote, apenas soube o que era,
logo foi para lá atrás deles; e Heitor e Persival, que já haviam visto, queriam
ver, entre tão grande companhia como lá estava reunida, se haveria alguém que
desse cabo agora daquela aventura.
Quando o rei chegou à ribeira e viu a
pedra e a espada que nela estava metida, pelo encantamento de Merlim, assim
como o conto já referiu, e uma bainha que estava perto dela no meio do ar, e o
letreiro que Merlim fizera, ficou todo espantado.
— E, amigos, disse ele, novas vos
direi. Ora, sabei que por esta espada será conhecido o melhor cavaleiro do
mundo, porque esta é a prova pela qual se há de saber; e nenhum, se não for o
melhor cavaleiro do mundo, poderá sacar a espada desta pedra.
[...]
A Demanda do Santo
Graal. Texto sob os cuidados de MEGALE, Heitor. São Paulo: T. A. Queiroz – Editora da
Universidade de São Paulo, 1988, p. 29-31.
Fonte: livro Português:
Língua e Cultura – Carlos Alberto Faraco – vol. único – Ensino Médio – 1ª
edição – Base Editora – Curitiba, 2003. p. 516-518.
Entendendo o conto:
01
– Qual é o clima geral na corte do Rei Artur no início do fragmento?
Há um clima de
expectativa e alegria pela chegada de Lancelote, Boorz e Leonel, pois sua
presença é importante para a festa.
02
– O que é a "távola redonda" e qual a sua importância?
A távola redonda
é uma mesa lendária do Rei Artur, onde se reuniam os mais nobres e corajosos
cavaleiros do reino. Ela simboliza igualdade entre os cavaleiros e é palco de
muitas aventuras e feitos heroicos.
03
– O que é o "assento perigoso" e qual a inscrição que aparece nele?
O assento
perigoso é um lugar na távola redonda reservado para um cavaleiro especial. A
inscrição que aparece nele diz: "A quatrocentos e cinquenta e três anos
cumpridos da morte de Jesus Cristo, em dia de Pentecostes, deve haver este
assento senhor."
04
– Por que Lancelote fica preocupado com a inscrição no assento perigoso?
Lancelote percebe
que a data na inscrição coincide com o dia de Pentecostes em que estão, e teme
que a revelação do cavaleiro destinado a ocupar o assento perigoso possa trazer
algum tipo de perturbação ou desafio.
05
– Qual é o costume do Rei Artur em relação às grandes festas?
O Rei Artur tem o costume de não comer em grandes festas até
que alguma aventura aconteça em sua corte.
06
– O que acontece com o cavaleiro que é encontrado perto das janelas?
O cavaleiro, que
estava em um estado de transe, tem um acesso de fúria e se joga da janela,
morrendo.
07
– Qual é a reação dos cavaleiros ao verem o corpo do cavaleiro morto?
Os cavaleiros
ficam perplexos ao verem que o corpo do cavaleiro emana chamas de fogo.
08
– Que novas maravilhosas o escudeiro traz ao rei?
O escudeiro traz
a notícia de que uma pedra de mármore com uma espada cravada apareceu no paço,
e que a pedra está flutuando na água.
09
– O que significa a espada na pedra, segundo o rei?
Segundo o rei, a
espada na pedra é um teste para identificar o melhor cavaleiro do mundo, pois
apenas ele será capaz de retirar a espada da pedra.
10
– Qual é a importância de Merlim na história da espada na pedra?
Merlim, o mago, é
quem criou o encantamento da espada na pedra, como forma de revelar o
verdadeiro rei ou líder.
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