Poema: HORAS MORTAS
Cesário
Verde
O teto fundo de oxigênio, de ar,
Estende-se ao comprido, ao meio das trapeiras;
Vêm lágrimas de luz dos astros com olheiras,
Enleva-se a quimera azul de transmigrar.
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Por baixo, que portões! Que arruamentos!
Um parafuso cai nas lajes, às escuras:
Colocam-se taipais, rangem as fechaduras,
E os olhos dum caleche espantam-me, sangrentos.
E eu sigo, como as linhas de uma pauta
A dupla correnteza augusta das fachadas;
Pois sobem, no silêncio, infaustas e trinadas,
As notas pastoris de uma longínqua flauta.
Se eu não morresse, nunca! E eternamente
Buscasse e conseguisse a perfeição das cousas!
Esqueço-me a prever castíssimas esposas,
Que aninhem em mansões de vidro transparente!
Ó nossos filhos! Que de sonhos ágeis,
Pousando, vos trarão a nitidez às vidas!
Eu quero as vossas mães e irmãs estremecidas,
Numas habitações translúcidas e frágeis.
Ah! Como a raça ruiva do porvir,
E as frotas dos avós, e os nômadas ardentes,
Nós vamos explorar todos os continentes
E pelas vastidões aquáticas seguir!
Mas se vivemos, os emparedados,
Sem árvores, no vale escuro das muralhas!...
Julgo avistar, na treva, as folhas das navalhas
E os gritos de socorro ouvir, estrangulados.
E nestes nebulosos corredores
Nauseiam-me, surgindo, os ventres das tabernas;
Na volta, com saudade, e aos bordos sobre as pernas,
Cantam, de braço dado, uns tristes bebedores.
Eu não receio, todavia, os roubos;
Afastam-se, a distância, os dúbios caminhantes;
E sujos, sem ladrar, ósseos, febris, errantes,
Amareladamente, os cães parecem lobos.
E os guardas, que revistam as escadas,
Caminham de lanterna e servem de chaveiros;
Por cima, os imorais, nos seus roupões ligeiros,
Tossem, fumando sobre a pedra das sacadas.
E, enorme, nesta massa irregular
De prédios sepulcrais, com dimensões de montes,
A Dor humana busca os amplos horizontes,
E tem marés, de fel, como um sinistro mar!
Junho, 1880. VERDE,
Cesário. Poesias. Rio de Janeiro: Agir, 1967, p. 52-54.
Fonte: livro Português:
Língua e Cultura – Carlos Alberto Faraco – vol. único – Ensino Médio – 1ª
edição – Base Editora – Curitiba, 2003. p. 380-381.
Entendendo o poema:
01 – Qual é o tema central do
poema "Horas Mortas"?
O poema
"Horas Mortas" explora a dualidade entre o sonho e a realidade, a
esperança e a desesperança, a beleza e a feiura, a vida e a morte, através da
descrição de uma paisagem urbana noturna e opressora.
02 – Descreva a atmosfera do
ambiente urbano apresentado no poema.
O ambiente urbano
é descrito como sombrio, opressivo e claustrofóbico. Predominam elementos como
a escuridão, o silêncio, a sujeira, a violência e a sensação de isolamento. A
cidade é personificada como um "monstro" que aprisiona e oprime seus
habitantes.
03 – Quais são os sentimentos
expressos pelo eu lírico ao longo do poema?
O eu lírico
expressa uma variedade de sentimentos, como angústia, tédio, solidão, medo,
desesperança e, ao mesmo tempo, um anseio por um futuro melhor, um desejo de
transcendência e de alcançar a perfeição.
04 – Que elementos do poema
podem ser interpretados como símbolos da opressão e da desigualdade social?
Diversos
elementos podem ser interpretados como símbolos da opressão e da desigualdade
social, como os "portões" e "arruamentos" que representam a
divisão social, os "taipais" e "fechaduras" que simbolizam
o isolamento e a exclusão, os "olhos dum caleche sangrentos" que
evocam a violência, e os "guardas" e "imorais" que
representam a repressão e a corrupção.
05 – Qual é a importância da
natureza no poema?
A natureza surge no poema como uma civilização de um mundo
puro e belo, em contraste com a realidade urbana opressora. O eu lírico evoca
imagens de "mansões de vidro transparente" e de "vastidões
aquáticas", expressando o desejo de um futuro em que a humanidade possa
viver em harmonia com a natureza.
06 – Que recursos estilísticos
são utilizados por Cesário Verde para criar a atmosfera do poema?
Cesário Verde
utiliza diversos recursos estilísticos para criar a atmosfera do poema, como a
descrição detalhada de cenários urbanos, a personificação da cidade, a
utilização de metáforas e comparações, a aliteração e a assonância, e a
alternância entre versos longos e curtos.
07 – Qual é a mensagem
principal do poema "Horas Mortas"?
O poema
"Horas Mortas" é um retrato crítico da vida urbana moderna, expondo a
opressão, a desigualdade social e a alienação que caracterizam as grandes
cidades. Ao mesmo tempo, o poema expressa a esperança em um futuro melhor, um
anseio por um mundo mais justo e harmonioso, onde a beleza e a liberdade possam
florescer.
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