Crônica: A cidade traçada
Luís
Fernando Veríssimo
Toda a cidade que tem um rio é bela.
Porto Alegre exagera, esparrama-se ao longo de vários que, de lambuja, se
transformam num lago imenso. Com toda essa lindeza, gosto de tomar nossa cidade
como modelo e temática. Tenho desenhado como ela era, como ela é e como a
desejo.
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Pode parecer estranho atribuir sexo a
uma cidade. Porto Alegre, que tem alma, eu vejo feminina. Caprichosa e
temperamental, é a um só tempo provinciana e avançadinha, mantendo hábitos
recatados, porém sem nunca perder o compasso com o nosso tempo. Metrópole, é
neurótica, opiniática e exigente. Também aldeia, é pudica, singela e dócil.
Sensualmente lânguida, se deita
estirada no seu sinuoso contorno fluvial. Dominadora e envolvente, avança voraz
sobre os morros, pelos vales e pelas planuras. Impetuosa, lança-se ao alto em
pontas de concreto. Fogosa, vibra entrelaçada por artérias dinâmicas e
congestionadas. Carola, reza com fé na Festa dos Navegantes. Peleadora,
trabalha feito louca nas oficinas do quarto distrito. Ciumenta, esconde com o
muro seu perfil mais lindo.
É faceira quando se veste com as flores
do jacarandá, anunciando a primavera, e é manhosa ao se derreter nos dias
tórridos de verão. Romântica, se pinta toda nos fins de tarde, no outono.
Malvada, venta fria e cinzenta nas noites de inverno.
Quando aqui cheguei, nos tempos do
bonde, do rolo compressor e das balas esportivas, Porto Alegre ainda mantinha,
ao menos no centro, um certo ar tradicional que lembrava Buenos Aires. Com o
tempo, foi se tornando mais interesseira, substituindo seus cafés de esquina
pelas agências financeiras. Além da inocência, perdeu nos últimos anos muito de
sua identidade original. As matinês e as anedotas de rua, por exemplo, foram
sumindo, dando lugar aos cômicos da tevê. Mas foi ganhando outras coisas que a
fazem moderna, adulta e madura, como a Feira do Livro, espaços de cultura,
museus, teatros, galerias de arte.
Tanto o LFV [Luís Fernando Veríssimo]
como eu conhecemos outras, é verdade. mas cada um na sua, elegemos este porto
como nosso ponto de referência. Traça-la, para nós, é literalmente e
graficamente um ato de amor.
VERÍSSIMO, Luís
Fernando; FONSECA, Joaquim da. Traçando Porto Alegre. Porto Alegre: Artes e
Ofícios, 1994, p. 7-8.
Fonte: livro Português:
Língua e Cultura – Carlos Alberto Faraco – vol. único – Ensino Médio – 1ª
edição – Base Editora – Curitiba, 2003. p. 366-367.
Entendendo a crônica:
01 – Qual a principal
característica da cidade de Porto Alegre, segundo o autor?
O autor destaca a
beleza da cidade, com seus rios que se transformam em um lago imenso. Além
disso, ele a descreve como feminina, caprichosa, temperamental, provinciana e
avançadinha, capaz de ser metrópole e aldeia ao mesmo tempo.
02 – Que tipo de comparações e
personificações o autor utiliza para descrever Porto Alegre?
O autor utiliza
diversas comparações e personificações para descrever a cidade. Ele a compara a
uma mulher sensual e lânguida, que se deita em seu contorno fluvial, e a
descreve como dominadora, envolvente, impetuosa, fogosa, carola, peleadora e
ciumenta.
03 – Como Porto Alegre se
transformou ao longo do tempo, de acordo com o autor?
O autor relata que, quando chegou à
cidade, ela ainda mantinha um ar tradicional que lembrava Buenos Aires. Com o
tempo, Porto Alegre se tornou mais interesseira, substituindo seus cafés por
agências financeiras e perdendo parte de sua identidade original, como as
matinês e as anedotas de rua.
04 – O que a cidade ganhou com
essa transformação, segundo o autor?
Apesar de perder
elementos de sua identidade original, Porto Alegre ganhou outras coisas que a
tornaram moderna, adulta e madura, como a Feira do Livro, espaços de cultura,
museus, teatros e galerias de arte.
05 – Qual o significado da
expressão "traçá-la" no contexto da crônica?
No contexto da
crônica, "traçá-la" significa desenhar a cidade, tanto no sentido
literal quanto no sentido figurado. Para o autor e o LFV, traçar Porto Alegre é
um ato de amor, uma forma de expressar seu carinho e sua conexão com a cidade.
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