Texto: Sermão da Sexagésima VI – Fragmento
Padre António Vieira
O sermão há de ter um só assunto e uma só matéria. Por isso Cristo disse que o lavrador do Evangelho não semeara muitos gêneros de sementes, senão uma só: Exiit, qui seminat, seminare sêmen [saiu quem semeia a semear a semente]. Semeou uma semente só, e não muitas, porque o sermão há de ter uma só matéria, e não muitas matérias. Se o lavrador semeara primeiro trigo, e sobre o trigo semeara centeio, e sobre o centeio semeara milho grosso e miúdo, e sobre o milho semeara cevada, que havia de nascer? Uma mata brava, uma confusão verde. Eis aqui o que acontece aos sermões deste género. Como semeiam tanta variedade, não podem colher coisa certa.
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Quem
semeia misturas, mal pode colher trigo. Se uma nau fizesse um bordo para o
norte, outro para o sul, outro para leste, outro para oeste, como poderia fazer
viagem? Por isso nos púlpitos se trabalha tanto e se navega tão pouco. Um
assunto vai para um vento, outro assunto vai para outro vento; que se há-de
colher senão vento? O Baptista convertia muitos em Judeia; mas quantas matérias
tomava? Uma só matéria: Parate viam Domini [Preparai o caminho do Senhor]: a
Preparação para o Reino de Cristo. Jonas converteu os Ninivitas; mas quantos
assuntos tomou? Um só assunto: Adhuc quadraginta dies, et Ninive
subvertetur [Daqui a quarenta dias Nínive será destruída]: a Subversão da Cidade.
De maneira que Jonas em quarenta dias pregou um só assunto; e nós queremos
pregar quarenta assuntos em uma hora? Por isso não pregamos nenhum. O sermão há
de ser de uma só cor, há de ter um só objeto, um só assunto, uma só matéria.
Há de tomar o pregador uma só matéria;
há de defini-la, para que se conheça; há de dividi-la, para que se distinga; há
de prová-la com a Escritura; há de declará-la com a razão; há de confirmá-la
com o exemplo; há de amplificá-la com as causas, com os efeitos, com as
circunstâncias, com as conveniências que se hão de seguir, com os
inconvenientes que se devem evitar; há de responder às dúvidas, há de
satisfazer às dificuldades; há de impugnar e refutar com toda a força da
eloquência os argumentos contrários; e depois disto há de colher, há de
apertar, há de concluir, há de persuadir, há de acabar. Isto é sermão, isto é pregar;
e o que não é isto, é falar de mais alto.
Não nego nem quero dizer que o
sermão não haja de ter variedade de discursos, mas esses hão de nascer todos da
mesma matéria e continuar e acabar nela. Quereis ver tudo isto com os olhos?
Ora vede. Uma árvore tem raízes, tem tronco, tem ramos, tem folhas, tem varas,
tem flores, tem frutos. Assim há de ser o sermão: há de ter raízes fortes e
sólidas, porque há de ser fundado no Evangelho; há de ter um tronco, porque há de
ter um só assunto e tratar uma só matéria; deste tronco hão de nascer diversos
ramos, que são diversos discursos, mas nascidos da mesma matéria e continuados
nela. Estes ramos hão de ser secos, senão cobertos de folhas, porque os
discursos hão de ser vestidos e ornados de palavras. Há de ter esta árvore
varas, que são a repreensão dos vícios; há de ter flores, que são as sentenças;
e por remate de tudo, há de ter frutos, que é o fruto e o fim a que se há de
ordenar o sermão. De maneira que há de haver frutos, há de haver flores, há de
haver varas, há de haver folhas, há de haver ramos; mas tudo nascido e fundado
em um só tronco, que é uma só matéria. Se tudo são troncos, não é sermão, é
madeira. Se tudo são ramos, não é sermão, são maravalhas. Se tudo são folhas,
não é sermão, são versas. Se tudo são varas, não é sermão, é feixe. Se tudo são
flores, não é sermão, é ramalhete. Serem tudo frutos, não pode ser; porque não
há frutos sem árvores. Assim que nesta árvore, à que podemos chamar «árvore da
vida», há de haver o proveitoso do fruto, o formoso das flores, o rigoroso das
varas, o vestido das folhas, o estendido dos ramos; mas tudo isto nascido e
formado de um só tronco e esse não levantado no ar, senão fundado nas raízes do
Evangelho: Seminare sêmen [Semear a semente]. Eis aqui como hão de ser os
sermões, eis aqui como não são. E assim não é muito que se não faça fruto com
eles.
[...]
VIEIRA, Antônio.
Sermões. vol. I. organização Alcir Pécora. São Paulo: Hedra, 2000, p. 41-42.
Fonte: livro Português:
Língua e Cultura – Carlos Alberto Faraco – vol. único – Ensino Médio – 1ª
edição – Base Editora – Curitiba, 2003. p. 450-451.
Entendendo o texto:
01 – Qual é a principal
crítica de Padre António Vieira aos sermões de sua época?
A principal
crítica é que os sermões pecam pela variedade excessiva de assuntos, o que
impede que a mensagem principal seja transmitida de forma eficaz. Ele compara
essa prática à de um lavrador que semeia diversas sementes em um mesmo terreno,
resultando em uma "mata brava" e sem frutos.
02 – Que metáfora central o
autor utiliza para ilustrar o problema dos sermões com muitos assuntos?
A metáfora
central é a do lavrador que, ao invés de plantar uma única semente, semeia uma
variedade de grãos, o que impede o crescimento de uma cultura específica e
resulta em uma "confusão verde".
03 – Quais são os exemplos
bíblicos utilizados para defender a tese de um só assunto por sermão?
Os exemplos
bíblicos são os de João Batista, que pregava sobre a preparação para o Reino de
Cristo, e Jonas, que anunciava a destruição de Nínive. Ambos se concentraram em
um único tema central em suas pregações.
04 – Como o autor descreve a
estrutura ideal de um sermão?
O autor compara a
estrutura ideal de um sermão a uma árvore, com raízes (fundamentadas no
Evangelho), tronco (um só assunto central), ramos (diversos discursos derivados
do tema central), folhas (ornamentos e palavras), varas (repreensão dos
vícios), flores (sentenças) e frutos (o objetivo final do sermão).
05 – Qual é a crítica de
Vieira ao uso excessivo de palavras nos sermões?
Vieira critica o
uso excessivo de palavras nos sermões, comparando-os a "madeira" (se
tudo são troncos), "maravalhas" (se tudo são ramos),
"versos" (se tudo são folhas), "feixe" (se tudo são varas)
ou "ramalhete" (se tudo são flores). Ele defende que o sermão deve
ter conteúdo e não ser apenas um amontoado de palavras.
06 – Qual é o objetivo
principal de um sermão, segundo o autor?
O objetivo
principal de um sermão, segundo o autor, é persuadir os ouvintes a adotarem uma
vida mais virtuosa e seguir os ensinamentos do Evangelho. O sermão deve levar
os fiéis a produzirem "frutos", ou seja, a praticarem o bem e a se
afastarem do mal.
07 – Qual é a consequência de
um sermão que não segue a estrutura e o princípio de um único assunto, de
acordo com o autor?
A consequência é
que o sermão se torna ineficaz e não produz frutos. O autor afirma que, ao
invés de converter e edificar os ouvintes, o sermão confuso e com muitos assuntos
apenas os afasta da mensagem do Evangelho.
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