Poesia: INVENTÁRIO
Francisco Alvim
Povoam o escritório
vários utensílios
uns bastante sóbrios
outros indiscretos.

Por exemplo: a mesa
é sóbria: Rumina
todos os papéis
no oco de gavetas.
O que a mesa expele
para a superfície
é simples dejeto
livre de mistério.
O arquivo também
é móvel discreto
e diz muito pouco
de interesse humano.
A caneta, o lápis
o papel, o cesto
são só instrumentos
sem vontade própria.
Dois os indiscretos:
minhas duas mãos –
úlcera no estômago
da repartição.
Aparentemente
peças quase iguais
às demais: os mesmos
modos funcionais.
Contudo é preciso
vê-las em sua marca:
no rastro dos dedos
no selo do gesto.
Ali onde transgridem
a ética da classe
que proíbe os objetos
de serem pessoais.
Onde desconhecem
o acordo em vigor
que as coisas transforma
em armas submissas.
Não pactuam – hostis
minhas duas mãos
acidulam o ar
da repartição.
ALVIM, Francisco.
Amostra grátis. In: Poesias reunidas (1968-1988). São Paulo: Duas Cidades,
1988.
Fonte: livro Português:
Língua e Cultura – Carlos Alberto Faraco – vol. único – Ensino Médio – 1ª
edição – Base Editora – Curitiba, 2003. p. 295.
Entendendo a poesia:
01 – Qual é o tema central do
poema "Inventário"?
O poema
"Inventário" explora a relação entre os objetos do escritório e o
trabalho do poeta, contrapondo a aparente sobriedade e falta de vontade própria
dos objetos com a ação transgressora e criativa das mãos do poeta.
02 – Que objetos do escritório
são mencionados no poema e como são caracterizados?
O poema menciona
a mesa, o arquivo, a caneta, o lápis e o cesto. A mesa é caracterizada como
sóbria e ruminante de papéis, o arquivo como discreto e pouco interessante, e
os demais objetos como instrumentos sem vontade própria.
03 – Qual a diferença entre os
objetos "sóbrios" e as mãos do poeta no poema?
Os objetos
"sóbrios" são apresentados como neutros, funcionais e submissos à
ordem do escritório, enquanto as mãos do poeta são descritas como
"indiscretas", "úlcera no estômago da repartição",
"transgressoras" e "hostis", por desafiarem a ética e a
ordem estabelecida.
04 – O que significa a
expressão "úlcera no estômago da repartição" referida às mãos do
poeta?
A expressão
"úlcera no estômago da repartição" significa que as mãos do poeta são
um elemento perturbador e incômodo no ambiente do escritório, representando a
transgressão e a criatividade em um espaço de ordem e submissão.
05 – Qual a crítica presente
no poema "Inventário"?
O poema "Inventário" critica a
burocracia, a rigidez e a falta de individualidade no ambiente de trabalho,
representadas pelos objetos "sóbrios" e pela ética da classe que
proíbe os objetos de serem pessoais. Ao mesmo tempo, exalta a força da
criatividade e da transgressão, representadas pelas mãos do poeta, que desafiam
a ordem estabelecida e expressam a individualidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário