domingo, 1 de dezembro de 2024

CONTO: PAPÉIS DE CIRCUNSTÂNCIAS - FRAGMENTO - CORA CORALINA - COM GABARITO

 Conto: Papéis de circunstância – Fragmento

           Cora Coralina

        Como me lembro deles...

        De muita coisa passada na infância a gente se esquece, de outras não. Elas nos acompanham a vida inteira, embora não sejam coisas de profundidade nem tenham em si mesmo conteúdo de alto ensinamento. Foram simplesmente alguns traços vivos que, repetidos, de certa forma gravaram-se no disco das impressões deixando marca para sempre. Nos longos anos que passei longe da velha casa, sobrecarregada com os fardos, mais arrochos da vida, muita coisa desapareceu da minha lembrança, sobre outras se fecharam de forma inviolável os escaninhos – melhor direi – as gavetinhas da memória. Mas aqueles papéis de circunstância e junto a eles, a figura alta, magra e severa de minha mãe, esse quadro só a morte poderá apagar.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhsCRHoQ7ygIEnAlH3-Ni2JkxwlCDZIddTrGIy-MiltC1KhH7LVA0xzFkV4K1jm0w_EyqEfqMCbOb8gX-KCURlf6_7UuIGeQbUfMK5ITffqDaNUjcmvg9PPLTtDVmNT-ZqMTu8DqUNeq0xL_Uc6kD6hmrvjJfUy7l06Pgkj0mfbzI3v4wtvGhnKGpq760A/s320/CASA.jpg


        Papéis de circunstâncias eram todos aqueles papéis que pertenciam a ela, que existiam na casa ou que ali foram deixados por meu pai, tios e parentes, falecidos ou ausentados. Eram guardados em velhas canastras de couro tacheadas de amarelo, com arabescos, datas e iniciais e pesadas fechaduras de ferro. Atulhavam gavetas enormes e escaninhos de segredo. [...]

        Eram papéis amarrados com nastro verde. Outros lacrados com plastas de um lacre vermelho que já foi de bom uso nas casas e no correio e que se comprava no comércio em tabletes compridos. Havia também ali uma caixinha misteriosa com fecho de segredo que criança não tinha de saber e que não era para se tocar. [...]

        Não havia distração para criança naquele tempo. Era-nos proibido sair à rua ou aparecer à porta, senão em dias excepcionais, e ainda assim acompanhadas. Eu tinha, portanto, de descobrir meu pequeno mundo interessante dentro da velha casa e satisfazer minha curiosidade faminta, violando coisas guardadas. [...]

Cora Coralina. In: Estórias da casa velha da ponte. São Paulo: Global, 2001, p. 87-90.

Fonte: Linguagem em Movimento – língua Portuguesa Ensino Médio – vol. 1 – 1ª edição – FTD. São Paulo – 2010. Izeti F. Torralvo/Carlos A. C. Minchillo. p. 279-280

Entendendo o conto:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Fardos: problemas difíceis de suportar.

·        Nastro: cadarço, fita de algodão.

·        Arrochos: sérias dificuldades.

·        Plastas: que tem consistência moldável, como uma massa mole.

·        Inviolável: que não se pode abrir, danificar.

·        Violando: abrindo sem permissão, devassando.

·        Canastras: baús, caixas.

02 – A memória seletiva: Por que a narradora se lembra com tanta vivacidade dos "papéis de circunstância" e da figura de sua mãe, enquanto outros detalhes da infância parecem ter se apagado? Que papel a emoção e a importância atribuída a esses elementos desempenham na construção da memória?

      A emoção como gatilho: A intensidade das emoções ligadas aos "papéis de circunstância" – mistério, proibição, curiosidade – faz com que essas lembranças se fixem mais profundamente na memória da narradora.

      A importância atribuída aos objetos: Os papéis representam um pedaço do passado familiar e da história da casa, carregando consigo um peso simbólico e emocional que os torna inesquecíveis.

      A construção identitária: As lembranças selecionadas ajudam a construir a identidade da narradora, moldando sua visão de si mesma e do mundo.

03 – Os papéis como objetos de fascínio: O que torna os "papéis de circunstância" tão fascinantes para a criança que a narradora um dia foi? Que mistérios e possibilidades esses objetos representam para ela? Como a proibição de tocá-los intensifica esse fascínio?

      O mistério e o proibido: A proibição de tocar nos papéis desperta a curiosidade da criança, tornando-os ainda mais atraentes.

      A imaginação infantil: A criança projeta suas próprias histórias e significados nos objetos, criando um universo particular e imaginativo.

      A busca por conhecimento: A curiosidade infantil é um motor que impulsiona a busca por conhecimento e compreensão do mundo.

04 – A casa como universo: A velha casa é descrita como um microcosmo repleto de segredos e histórias. De que forma esse espaço confinado influencia a imaginação da criança e molda sua percepção do mundo? Como a casa se torna um reflexo do passado familiar?

      O microcosmo familiar: A casa é um espaço que guarda as histórias e os segredos da família, sendo um reflexo do passado e das tradições.

      O desenvolvimento da identidade: A casa é o primeiro ambiente que a criança conhece e onde ela constrói suas primeiras experiências e relações.

      A limitação e a expansão: A casa, ao mesmo tempo em que limita o universo da criança, estimula sua imaginação e a busca por novos horizontes.

05 – O papel da mulher: A figura materna é apresentada de forma bastante marcante, associada à severidade e à guarda de segredos. Qual é o papel da mulher na sociedade retratada no conto? Como a figura materna se relaciona com os valores e as tradições familiares?

      A figura materna como guardiã: A mãe é retratada como a guardiã dos segredos da família, responsável por preservar as tradições e os valores.

      A submissão feminina: A figura feminina é associada à submissão e ao cumprimento de papéis sociais predefinidos.

      A complexidade da figura materna: A mãe é uma figura ambígua, que inspira tanto admiração quanto medo.

06 – O tempo e a memória: A passagem do tempo é um tema central no conto. Como a narradora concilia as lembranças da infância com a experiência da vida adulta? De que forma o passado influencia o presente?

      A memória como construção: A memória não é uma reprodução fiel do passado, mas uma construção subjetiva e seletiva.

      A passagem do tempo e a transformação: A passagem do tempo transforma as lembranças, dando-lhes novos significados e nuances.

      A nostalgia e a saudade: As lembranças da infância são marcadas pela nostalgia e pela saudade de um tempo que já passou.

07 – A linguagem e a construção do texto: Cora Coralina utiliza uma linguagem rica em detalhes e imagens sensoriais para descrever os "papéis de circunstância" e a atmosfera da casa. Como essa linguagem contribui para a criação de um clima de mistério e nostalgia?

      A descrição detalhada: Cora Coralina utiliza uma linguagem rica em detalhes para criar uma atmosfera envolvente e realista.

      As sensações e as emoções: A linguagem evoca sensações e emoções, transportando o leitor para o universo do conto.

      A musicalidade: A linguagem poética de Cora Coralina confere ao texto uma musicalidade e uma beleza únicas.

08 – A importância dos objetos: Os objetos, como os "papéis de circunstância", desempenham um papel fundamental na narrativa. De que forma esses objetos se tornam porta-vozes da história familiar e da identidade da narradora? Qual a relação entre os objetos e a memória?

      Os objetos como testemunhas do passado: Os objetos guardam a memória das pessoas e dos acontecimentos, sendo verdadeiros testemunhos do tempo.

      A relação entre objetos e identidade: Os objetos possuem um valor simbólico e afetivo, contribuindo para a construção da identidade individual e coletiva.

      A materialidade da memória: Os objetos materializam a memória, tornando-a tangível e palpável.

 

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