terça-feira, 11 de setembro de 2018

CONTO: O SABIÁ E A GIRAFA - LÉO CUNHA - COM GABARITO


Conto: O sabiá e a girafa 
      

                                            Leo Cunha 

 O sabiá

        Sabia que o sabiá sabia assobiar? Dizia o meu avô. 
        Sabia que o sabiá sabia avoar? Avoa, vô, avoa. E de ave ele entendia. Mas o sabiá da minha história não sabia avoar. Assobiar ele sabia. Mas, que mais batesse as asas, o sabiá não subia. 
        Avoa, sô, avoa! O pobre não decolava. Pulava lá do galho, aterrissava na bacia. 
        Não desistia o sabiá. Saltava, caía, pulava, caía, tentava, caía. Sabiá na bacia. À toa, sô, à toa. Todo mundo até ria, mas no fundo já sabia: o sabiá não sabia avoar. 
        Vivia a assobiar seu apetite: comer o ar, caber no ar. 
        Passar por cima das casas, das ruas, das gentes, do medo. 
        Passar de passarinho, passear devagarinho, sem pra onde nem caminho. À toa, à toa, a esmo. Só queria mesmo avoar. 
        Sonhos também havia. Asas arranhando a barriga das nuvens, voos atravessando a manhã vazia. Mas, entre as trapaças da brisa, o sabiá não saía. 
        Assobiava que eu nem te conto. Antes, o canto de tenor, a cor na noite escura. Depois, o canto de temor, a dor da falta de altura. Cantava que eu nem te canto, o sabiá desencantado. 
        Dias de sonhos rasantes, noites de sono arrasado. Mas ele, ressabiado, teimava em assobiar. Dorremifava macio, no galho ou na bacia, o desejo de avoar. 
        Um dia, o sabiá dizia, um dia eu consigo avoar. 

A girafa

        Girafa o meu avô não conheceu. Nunca teve o prazer, não foi apresentado. Mas o velho deitado dizia: filho de peixe, peixinho é. 
        Isso vale pra outros bichos. Girafa também é sempre igual. 
        Nada fala, tudo espia. Sem um pio, sem um fio de voz. Só em riso e pensamento, ironiza o mundo no andar de baixo. 
        Mas a girafa da minha história era muito diferente. A muda queria mudar. Não o mundo, mas a vida. Queria enganar o silêncio que lhe esganava a garganta. Queria encolher a dor de não escolher as palavras. Queria desemudecer. 
        E não bastava soltar umas palavras no vento. Também sonhava em cantar. Sonhava encantar o dia, molhar as tardes de poesia, melar o canto da noite com doces melodias. 
        Prestava atenção no trovão, no temporal, na ventania.
        Tentava imitar o azulão, o rouxinol, a cotovia. Mas a voz não derramava. Então reclamava baixinho: para que tanta altitude, pra cantar só passarinho? 
        A girafa andava injuriada. Andava toda a cidade, do alto dos seus andares, adorando a paisagem. Mas ficava na saudade o canto de homenagem.
        Um dia, jurava a girafa, um dia eu consigo cantar.

O sabiá e a girafa

        O encontro se deu por acaso, por acaso o deus dos encontros. 
        O sabiá resolveu chorar no alto de um pé de caju. A girafa se lamentava no baixo daquele pé. Uma árvore muito esquisita, mas desgosto não se discute.
        Estavam os dois ali. Os dois no mesmo pé. Ela vendo o que não cantava. Ele cantando o que não conhecia. Ele queria saltar nas alturas. Ela sonhava assaltar partituras. 
        E a dupla melancolia – ou foi a natureza? – tratou de cruzar os caminhos. A sabedoria do vento mandou o sabiá pro espaço. Pra ver se ele avoava. Pra ver se acertava o compasso, o sabiá avoado. 
        Mas ele caiu de cabeça na cabeça da girafa. Silêncio. Sabiá assustado. Contudo, depois do susto, o coitado gostou do que viu. Cada passo da girafa passeava ele no céu. Cada girada do pescoço, um horizonte descoberto. E ele começou a cantar. 
        A girafa ficou fascinada. Aquela voz afinada soltou sua cara amarrada. Desfez a careta enfezada. Ofereceu então moradia ao dono de tal melodia, de canto tão doce e terno. E o canto do sabiá virou o seu canto eterno.
        O sabiá ficou morando na cabeça da girafa. A girafa, namorando o canto do companheiro. 
        Minha história acaba aqui. Mas a dos dois continua, sem plateia nem juiz, depois do final feliz.

CUNHA, Leo. et aI. Meus primeiros contos, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 9-12. (Coleção Literatura em minha casa: 3.) 
Entendendo o conto:
01 – Por que a girafa do conto (o sabia e a girafa) é diferente? Copie uma frase que exemplifique sua resposta.
      A girafa era diferente de todos os bichos, porque eles não falavam nada, mas a girafa queria falar, ela não queria mais ser muda. Além disso, ela queria cantar.

02 – Qual é o tipo de narrador no conto "O sabiá e a girafa"? Copie um trecho que comprove sua resposta. 
      É o narrador-personagem. "Assobiava que eu nem te conto"; "Cantava que eu nem te canto, o sabia desencantado"; "Mas a girafa da minha história era muito diferente". 

03 – Quais as personagens principais deste conto?
      As personagens são: "O sabiá e a girafa".

04 – O sabiá do conto também era diferente? Por quê? 
      Sim. Porque ele não sabia voar.

05 – Qual das duas personagens queria o impossível? Por quê? 
      A girafa. Porque girafa não catam.

06 – Cada uma das duas personagens é caracterizada por desejos e sonhos. Leia o conto outra vez e indique quais são os desejos e os sonhos do sabiá e quais são os da girafa. 
      Girafa: queria desemudecer e sonhava encantar o dia.
      Sabiá: queria comer o ar, caber no ar e sonhava arranhar a barriga das nuvens.

07 – Releia o último parágrafo da narrativa e explique por que o final da história foi feliz. “Minha história acaba aqui. Mas a dos dois continua, sem plateia nem juiz, depois do final feliz.”
      Essa é uma questão de inferência. Espera-se que os alunos concluam que a parceria entre os animais deu a eles o que queriam: "voar", descobrir horizontes, para o sabiá; e "ter voz", sentir o canto, para a girafa. 



7 comentários:

  1. aaaaa eu li no ensino fundamental.., hoje estou com 25 anos kkk quanta alegria!!

    ResponderExcluir
  2. O narrador que participa da história como personagem???

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. não, na verdade é narrador-observador, um narrador que às vezes se intromete na história para se posicionar, dando opiniões

      Excluir