Crônica: A mulher do vizinho
Fernando Sabino
Contaram-me que na rua onde mora (ou
morava) um conhecido e antipático general de nosso Exército morava (ou mora)
também um sueco cujos filhos passavam o dia jogando futebol com bola de meia.
Ora, às vezes acontecia cair a bola no carro do general e um dia o general
acabou perdendo a paciência, pediu ao delegado do bairro para dar um jeito nos
filhos do sueco.
O delegado resolveu passar uma chamada
no homem, e intimou-o a comparecer à delegacia.
O sueco era tímido, meio descuidado no
vestir e pelo aspecto não parecia ser um importante industrial, dono de grande
fábrica de papel (ou coisa parecida), que realmente ele era. Obedecendo a ordem
recebida, compareceu em companhia da mulher à delegacia e ouviu calado tudo o
que o delegado tinha a dizer-lhe. O delegado tinha a dizer-lhe o seguinte:
— O senhor pensa que só porque o
deixaram morar neste país pode logo ir fazendo o que quer? Nunca ouviu falar
numa coisa chamada AUTORIDADES CONSTITUÍDAS? Não sabe que tem de conhecer as
leis do país? Não sabe que existe uma coisa chamada EXÉRCITO BRASILEIRO que o
senhor tem de respeitar? Que negócio é este? Então é ir chegando assim sem mais
nem menos e fazendo o que bem entende, como se isso aqui fosse casa da sogra?
Eu ensino o senhor a cumprir a lei, ali no duro: duralex! Seus filhos são uns
moleques e outra vez que eu souber que andaram incomodando o general, vai tudo
em cana. Morou? Sei como tratar gringos feito o senhor.
Tudo isso com voz pausada, reclinado
para trás, sob o olhar de aprovação do escrivão a um canto. O sueco pediu (com
delicadeza) licença para se retirar. Foi então que a mulher do sueco interveio:
— Era tudo que o senhor tinha a dizer a
meu marido?
O delegado apenas olhou-a espantado com
o atrevimento.
— Pois então fique sabendo que eu
também sei tratar tipos como o senhor. Meu marido não e gringo nem meus filhos
são moleques. Se por acaso incomodaram o general ele que viesse falar comigo,
pois o senhor também está nos incomodando. E fique sabendo que sou brasileira,
sou prima de um major do Exército, sobrinha de um coronel, E FILHA DE UM
GENERAL! Morou?
Estarrecido, o delegado só teve forças
para engolir em seco e balbuciar humildemente:
— Da ativa, minha senhora?
E ante a confirmação, voltou-se para o
escrivão, erguendo os braços desalentado:
— Da ativa, Motinha! Sai dessa…
(Texto extraído do livro
"Fernando Sabino - Obra Reunida - Vol.01", Editora Nova Aguilar - Rio
de Janeiro, 1996, pág. 872. Tudo sobre Fernando Sabino em "Biografias".)
Entendendo
a crônica:
01 – De acordo com o texto, o
que gerou a situação conflituosa do texto?
Os filhos do
sueco jogando futebol com bola de meia, e às vezes a bola caía no carro do
general.
02 – No primeiro parágrafo
do texto, o narrador usa alguns recursos que o eximem da veracidade dos fatos
narrados. Observe o trecho inicial do conto:
“Contaram-me que na rua onde mora (ou
morava) um conhecido e antipático general de nosso Exército morava (ou mora)
também um sueco cujos filhos passavam o dia jogando futebol com bola de meia.”
a) Que pessoa do
discurso indica o pronome me em destaque?
1ª pessoa.
b) Por que da expressão
“contaram-me”, o leitor é capaz de identificar com precisão a origem da
história? Explique.
Porque percebe-se
que a história foi contada por outra pessoa.
c) O conto “A mulher do
vizinho” é narrada em 1ª ou 3ª pessoa?
3ª pessoa.
d) Qual seria a
diferença de sentido, se o trecho inicial do conto tivesse sido iniciado desta
forma?
“Na rua onde mora (ou morava) um
conhecido e antipático general do nosso exército morava (ou mora) também um
sueco cujos filhos passavam o dia jogando futebol com bola de meia.”
Porque percebe-se
que a história foi contada por outra pessoa.
e) Por que podemos
afirmar que o uso da 1ª pessoa pelo narrador, no início do conto, é um recurso
para se descomprometer da veracidade dos fatos?
Ao fato dele
atribuir na história que contaram para ele, nesse caso ele se descompromete
totalmente do assunto contado.
03 – Qual é o assunto
tratado nesse texto?
O espanto do delegado
ao conhecer a mulher do vizinho.
04 – Em que momento da
narrativa se dá o clímax da história?
8° e 9°
parágrafo.
05 – Que tipo de discurso
foi usado nesse conto: direto ou indireto?
Indireto.
06 – Com que objetivo
foi escrito esse conto?
Para
mostrar que se deve conhecer as pessoas antes de falarem alguma a seu respeito
ou intimá-la para uma eventual situação.
07 – Algumas expressões
presentes no conto não fazem parte do vocabulário cotidiano de grande parte das
pessoas; no entanto, analisando o contexto, é possível identificar a ideia que
cada uma sugere. Então, escreva o que significam, nesse contexto, as seguintes
expressões:
a) Passar uma chamada: Convocar.
b) Casa da sogra: Fazer o que bem quiser.
c) Ir em cana: Preso.
d) Morou? Sacou, agora?
08 – Faça o resumo do texto,
retirando de cada parágrafo sua ideia principal.
O autor no primeiro parágrafo se
descompromete da veracidade dos fatos narrados. E ainda ocorre a situação
conflituosa do texto. O sueco e a mulher comparece à delegacia, obedecendo a
convocação do delegado. Este repreende o sueco pela má disciplina dos filhos. A
mulher do sueco apresenta uma descompostura para com o delegado. Este
desalentado ficou sem palavras ao conhecer que aquela mulher era peixe
grande. E deu o caso por encerrado.
09. De acordo com o texto, o problema ocorrido entre
o general e os filhos do sueco se deu devido
(A) a bola cair no carro do
general.
(B) os
meninos passarem o dia jogando futebol.
(C) ser
um conhecido e antipático general do exército.
(D) o sueco ser um estrangeiro.
10. O trecho “...
outra vez que eu souber que andaram incomodando o general, vai tudo em cana. Morou?”
A palavra CANA pode ser
substituída por
(A) preso.
(B) cachaça.
(C) colmo
de várias plantas gramíneas.
(D) sumarento.
11. No fragmento a
seguir: “O sueco pediu (com delicadeza) licença para se retirar. Foi então que
a mulher do sueco interveio: ...” A palavra “INTERVEIO” pode ser substituída por
(A) interferiu.
(B) acudiu.
(C) ingeriu.
(D) sobreveio.
12. De acordo com a leitura do
texto, o sueco era um homem
(A) bem
parecido e dono de uma grande fábrica de papel.
(B) tímido, meio descuidado no vestir, porém, humilde.
(C) culto,
avarento e soberbo.
(D) de
poucas palavras, porém, gentil.
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