CRÔNICA: A consulta
– Sua aparência é saudável, mas as
aparências às vezes enganam. Vamos lá ver: Que é que o senhor sente?
– O que eu sinto, doutor? Não sei dizer
direito. É uma espécie de opressão, de angústia, de ansiedade...
– E o senhor pensa que eu também não
sinto? Isto é normal. Normalíssimo. Que mais?
– Bem, doutor. Eu tenho insônias.
– E eu não tenho, por acaso? Pergunte
ao seu vizinho se não tem também.
– Eu não me dou com meu vizinho.
– É isto: não se dá com o vizinho. Eu
também não me dou com o meu. Ninguém se dá com ninguém. Mas não precisa
perguntar: eu sei. Seu vizinho não consegue dormir. Ninguém consegue. Isto é
normal.
– Mas, doutor...
– Eu sei: o senhor anda nervoso,
excitado, angustiado... Diga-me: não sente medo? Um medo sem causa, sem nenhum
motivo aparente, medo de qualquer coisa que o senhor não sabe o que é?
– Realmente... Eu estava com vergonha
de dizer, mas, desde que o senhor falou, é verdade: sinto, sim.
– Ótimo! O senhor sente medo. Eu também
sinto. Ótimo, torno a dizer. O senhor não tem nada, meu amigo. Está
inteiramente são, uma vez que sente medo. Se não sentisse, aí sim,
precisaríamos procurar as causas dessa anomalia. Talvez fosse grave.
– Sabe, doutor? Ás vezes, tenho a
impressão de que estou ficando neurótico.
– Claro que está! E eu não estou? E o
seu vizinho não está? E todo o mundo não está? E o senhor pensa que vai ficar
de fora? Por quê? Mas reflita um pouco, meu caro. O senhor vive, eu vivo, toda
a gente vive num mundo anormal, sádico, doente, sanguinário, onde a regra é a
falta de regras, um mundo hediondo e tenebroso, onde o homem é cada vez mais –
e como nunca foi – o lobo do próprio homem. Um mundo de guerras, de massacres,
de hecatombes, alicerçado no ódio, na iniquidade e na violência. Acrescente a
tudo isso a poluição atmosférica, a poluição sonora, a poluição moral, a
degradação dos costumes, a falência dos serviços públicos, o colapso do
trânsito, a morte da urbanidade, da cordialidade, da solidariedade humanas. O
senhor sente angústia. É natural. O senhor tem medo. É normalíssimo. O senhor
tem insônias. Como não tê-las? Meu caro cliente, vá tranquilo: o senhor não tem
absolutamente nada. Passe bem. O próximo, por favor?
Luís Martins. Ciranda
dos ventos. São Paulo, Moderna, s/d.
Entendendo o texto:
01 – Procure descobrir o
significado das palavras que você não entendeu no texto e anote-os no caderno.
Resposta pessoal
do aluno. Sugestão:
Hecatombe: catástrofe.
Urbanidade: civilidade.
02 – Quais são as grandes
queixas do paciente?
Sente opressão,
angustia e ansiedade.
03 – Trata-se de problemas
de ordem física ou psíquica?
O paciente tem
problemas mais de ordem psíquica.
04 – Como o médico considera
esses problemas?
Ele considera
normais.
05 – Nessa consulta, quem
mais fala?
O médico é quem mais fala.
06 – O médico possui uma
visão positiva ou negativa do mundo atual?
Uma visão
negativa.
07 – Como o médico caracteriza
o mundo atual?
No último parágrafo, ele pinta um quadro
negativo do mundo moderno.
08 – Dos males citados pelo
médico, quais, em sua opinião, são os piores? Justifique sua resposta.
Resposta pessoal do aluno.
09 – Que conclusão tirou o
médico a respeito de seu paciente?
Ele sofre de um
mal comum, dos problemas da maioria na sociedade atual. Portanto, é “normal”.
10 – Observe a frase a
seguir: “(...) Acrescente a tudo isso a
poluição atmosférica a poluição sonora a poluição moral a degradação dos
costumes a falência dos serviços públicos o colapso do trânsito.”
O que está faltando na
frase? Como o autor do teto a pontuou? Por que ele fez isso?
Estão faltando as
vírgulas para separar os elementos da enumeração.
11 – Procure no texto outros
empregos da vírgula pelo mesmo motivo.
Um mundo de guerras, de massacres, de
hecatombes.
12 – Reescreva as frases a
seguir, mudando o pronome da primeira pessoa do singular para a primeira pessoa
do plural, fazendo as devidas concordâncias.
a)
“- Eu não me dou com o meu vizinho.”
Nós não nos damos com os nossos vizinhos.
b)
“Eu estava com vergonha de dizer...”
Nós estávamos com vergonha de dizer...
c)
“O que eu sinto, doutor? Não sei dizer
direito.”
O que nós sentimos, doutor? Não sabemos dizer direito.
13 – Reescreva as palavras a
seguir, colocando o que falta: normalissimo, otimo, precisariamos, comodo, camera.
Normalíssimo,
ótimo, precisaríamos, cômodo, câmera.
14 – Procure saber o que são
palavras proparoxítonas, identifique-as no texto e anote-as.
Normalíssimo,
ótimo, precisaríamos, neurótico, sádico, atmosférica, públicos, trânsito.
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