Texto: Velocidade máxima
Para vencer na vida não é preciso
deixar de viver
Você está cansado de saber que hoje em
dia não basta ter conhecimento: é preciso ser rápido. Rápido na tomada de
decisões, no trato da informação, na geração de novas ideias (e na sua
transformação em novos centros de receita), no desenvolvimento da própria
carreira. Tornou-se imprescindível pensar rápido, agir rápido, ter um
computador supersônico. No mundo dos negócios, não existe um código nacional de
trânsito que limite a velocidade dos executivos. Se houvesse, recomendaria:
corra. Multa, só para os lentos.
Os devagar-quase-parando não se
estressam para assumir um posto de comando. Sua motivação não está em
conquistar prêmios ou um bônus mais polpudo. Não fazem hora extra e, se puderem
escapar de uma reunião, tanto melhor. Estão em dia com seus batimentos
cardíacos e seus níveis de colesterol. Dormem 8 horas por noite; não têm
insônia. Passam os fins de semana na praia com o celular desligado. Encontram
tempo para ver os filhos e os filmes em cartaz. Estão em casa na hora do Jornal
Nacional. Profissionais de Neandertal.
Voltar à caverna, no entanto, está
sendo considerada uma atitude moderna. Ao menos é o que prega há anos o
sociólogo napolitano Domênico De Masi, que viaja pelo mundo dando palestras que
enaltecem as virtudes do ócio criativo. De Masi acredita que trabalhar 10 horas
por dia aniquila a criatividade e que todos deveriam cortar pela metade sua
carga horária, aproveitando o resto do tempo para fazer qualquer coisa longe
das tarefas cotidianas do escritório. Vale bungeejump, vale meditação, vale
ouvir Beatles.
Há quem pense que essa desaceleração é
zen-budista demais para quem tem metas concretas como comprar e vender ações na
Bolsa de Nova York ou virar presidente de empresa antes dos 40 anos. Mas não há
como negar que a inteligência e a cultura são, cada vez mais, os combustíveis
que geram novos negócios e determinam a própria ascensão de um profissional. E
nenhum dos fatores precisa do horário comercial para ser ativado. Podem estar
em combustão durante um mergulho no mar, durante a leitura de um poema, durante
uma cavalgada ecológica, talvez até durante o sexo. Durante é exagero. Depois
do sexo.
“Compatível com não perder tempo”. O
conceito de velocidade anda cada vez mais flexível. Para alguns, ser ligeiro
significa ultrapassar os ponteiros do relógio, executar um projeto a cada
minuto, agendar reuniões, ler apenas livros técnicos, só fazer contatos que
sejam política ou economicamente rentáveis e sentir uma culpa tremenda nos
coffee breáks, como se parar fosse sinônimo de regredir.
Já para o neo Neandertal, que prefere
Saramago a Philip Kotler, e Marguerite Duras a Tom Peters, manter um ritmo
comedido pode realmente fazer o trabalho render mais. São pessoas que não têm
pressa de subir pelo elevador, por exemplo. Preferem subir pela escada,
exercitando as pernas e a imaginação, ou jogando conversa fora com um
desconhecido. Não têm a pressa de apresentar pareceres e pontos de vista em 60
segundos. Ao contrário, dedicam seu tempo a escutar os pontos de vista alheios.
Não têm a pressa de engolir um sanduíche em pé no escritório; reservam um tempo
para fazer da gastronomia um hobby. Sem pressa, eles não pegam atalhos: procuram
caminhos com paisagem e assim não sofrem com taquicardias e infartos. O
estresse envelhece antes da hora. Inclusive as ideias.
O mundo se apresenta hoje como uma
autoestrada alemã, livre de radares patrulhando a velocidade, onde quem tem
mais potência e tecnologia pisa mais fundo, sem olhar para os lados. Você há de
concordar que é tenso. Tirando levemente o pé do acelerador, o coração acalma e
os olhos percebem melhor o que há nas laterais da pista. Pode-se trocar de
música, ajeitar o retrovisor, prestar atenção no que diz o companheiro de
viagem. Ou parar e provar uma fruta na beira da estrada. Faz-se tudo correndo
muito menos risco de sofrer acidentes e chegando ao destino do mesmo jeito. Na
moda, costuma-se dizer que “menos é mais”. Não é uma frase que se aplique
literalmente ao mundo dos negócios. Mas sou obrigada a concordar tanto com De
Masi quanto com Saramago: a velocidade máxima permitida para vencer é aquela
que não nos deixa esquecer que, além da estrada, existe um troço chamado vida, sem
a qual não faz o menor sentido chegar lá.
MEDEIROS, Martha.
Exame. São Paulo: Abril, 15 dez. 1999. p. 218.
Entendendo o texto:
01 – Assim que terminamos de
ler esse texto, percebemos que a autora quis expressar algumas ideias a
respeito de um novo profissional que emerge nos dias atuais. Escreva um
parágrafo resumindo a ideia principal do texto.
A autora
apresenta a teoria do sociólogo Domenico De Masi, segundo a qual as melhores
ideias relacionadas ao mundo do trabalho surgem exatamente nos momentos de
lazer – ou de ócio, para usar palavras do próprio sociólogo. Para apresentar
tal teoria, ela compara o novo profissional, denominado por ela de neo
Neandertal, com o executivo que não se desliga do trabalho em momento algum de
sua vida. Percebe-se no texto uma clara preferência da autora pela visão
moderna de profissional: aquele que trabalha seriamente, mas não abandona o
lazer, a vida familiar, e atribui valor também ao aspecto humano nas relações
entre pessoas.
02 – Antes de redigir seu
texto, a autora certamente organizou suas ideias a fim de torná-lo coeso e
coerente. É possível observar essa organização se nos detivermos em cada
parágrafo para extrair a ideia desenvolvida em cada um. Releia o texto e resuma
a ideia principal de cada parágrafo em uma frase.
1° parágrafo:
Expõe a teoria de que, para vencer na vida atualmente, é preciso muita rapidez,
além de recursos e muito tempo dedicado ao trabalho.
2° parágrafo: Faz referência a
profissionais que não se deixam tiranizar pelo tempo e pelo trabalho
(“Profissionais de Neandertal”). (Destacar que houve uma nítida intenção de
construir uma antítese entre o primeiro e o segundo parágrafo.)
3° parágrafo: Expõe a teoria do ócio
criativo de De Masi.
4° parágrafo: Revela a adesão da autora à
teoria de que as boas ideias, fundamentadas na inteligência e na cultura, podem
surgir nos momentos de lazer.
5° parágrafo: Mostra a flexibilidade do
conceito de velocidade; seu significado para os “rápidos”.
6° parágrafo: Cita atitudes humanas
diante dos fatos do novo profissional que tem ritmo comedido.
7° parágrafo: Conclusão: Expressa
concordância com o sociólogo e com o escritor Saramago, também citado no texto.
03 – Em que parágrafo a
autora começa a expor realmente seu ponto de vista?
Começa no 4°
parágrafo.
04 – O que ela nos apresenta
antes disso?
Antes disso ela
apresenta um rápido panorama das duas correntes existentes hoje no ramo dos
negócios: no primeiro parágrafo, a corrente dominante, dos profissionais
completamente envolvidos pelo trabalho; no segundo, a corrente contrária; no
terceiro, a fundamentação teórica da segunda corrente, para ela, a mais
moderna.
05 – Que recurso é utilizado
pela autora para expor seu ponto de vista?
Ela utiliza a comparação entre os dois
modos de encarar o trabalho.
06 – Ao se organizar um
texto tendo em vista a defesa de um ponto de vista, é muito importante a
articulação entre os diversos parágrafos que o compõem. Esse trabalho garante a
coesão entre as ideias expostas. Mostre como a autora faz essa articulação nos
três primeiros parágrafos (observe em especial a utilização de conjunções e a
forma como ela encadeia as ideias).
Entre o primeiro
e o segundo parágrafo há uma relação de oposição. No nível das palavras, essa
relação se faz pela escolha de termos como “rápido” (quatro vezes), “os
lentos”, “os devagar-quase-parando”. A autora apresenta as duas correntes
contrárias, deixando que o leitor de certa forma considere a segunda um tanto
absurda, pois não é senso comum achar que se valoriza um profissional como o
descrito no segundo parágrafo. No terceiro, porém, ela apresenta a teoria que
fundamenta essa corrente, mostrando ao leitor que no mundo atual há uma nova
avaliação desses fatos. A locução conjuntiva responsável por essa ligação é no
entanto.
07 – A partir do momento em
que se observa uma tomada de posição da autora em relação ao assunto,
percebe-se que ela apresenta argumentos para sustentar tal posição. Cite alguns
desses argumentos.
1° A inteligência e a cultura substituem
o trabalho exaustivo no escritório. “E nenhum dos fatores precisa do horário
comercial para ser ativado”;
2° O fato de que o conceito de velocidade
está cada vez mais flexível e a citação da frase do escritor Saramago: “Não ter
pressa não é incompatível com não perder tempo”;
3° A apresentação do “neo Neandertal”
como uma pessoa bem mais humana do que o “rápido”, ideia reforçada pelas frases
“O estresse envelhece antes da hora. Inclusive as ideias”;
4° A imagem da autoestrada alemã.
08 – É possível dizer que,
quando alguém defende um ponto de vista, também está tentando persuadir o
interlocutor. Destaque alguns recursos persuasivos utilizados pela autora.
Um recurso
persuasivo é a linguagem utilizada pela autora, muitas vezes descontraída e
brincalhona, para aproximar-se do leitor (talvez uma ironia a quem não acredite
nesse novo profissional), quando usa expressões como “os
devagar-quase-parando”, o “neo Neandertal”. Outro é a citação de frases de
pessoas consagradas (como a do escritor José Saramago), que autorizam e amparam
quem está defendendo uma ideia. A imagem da autoestrada alemã também é um
recurso persuasivo, pois trata de forma concreta uma ideia abstrata, o que
torna mais fácil sua compreensão.
09 – Como já vimos,
dificilmente um texto é construído a partir de uma única voz; ao contrário, é
muito comum encontrar, no meio de um discurso, o discurso de outrem. No texto
em questão percebem-se, pelo menos, quatro vozes muito bem demarcadas.
Identifique-as.
A voz da “dona”
do discurso, ou seja, a voz de Martha Medeiros, que assina o texto.
A voz dos que defendem a velocidade como
elemento fundamental para o sucesso no mundo moderno (marcada no texto por
expressões como: “Você está cansado de saber que […]”; “Há quem pense […]”).
A voz do sociólogo napolitano Domenico De Masi.
A voz do escritor português José
Saramago. Há, ainda, uma quinta voz demarcada no texto, em forma de discurso
indireto, mas destacada por aspas: a de pessoas que vivem o mundo da moda e
afirmam que “menos é mais”.
10 – Você concorda com o
ponto de vista exposto nesse texto? Exponha sua opinião, fundamentando-a com
argumentos convincentes.
Resposta pessoal
do aluno.
11 – Comente a seguinte
afirmação: “De Masi acredita que trabalhar 10 horas por dia aniquila a
criatividade e que todos deveriam cortar pela metade sua carga horária,
aproveitando o resto do tempo para fazer qualquer coisa longe das tarefas
cotidianas do escritório.”.
Resposta pessoal
do aluno.
12 – Na sua opinião, que
implicações haveria no mundo do trabalho se essa medida fosse adotada?
Resposta pessoal
do aluno.
13 – Pra você no mundo atual
essa ideia é possível?
Resposta pessoal
do aluno.
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