Crônica: Linda
de morrer
O pai resolveu abrir uma funerária.
--- Tem muita gente morrendo. É negócio de futuro!
Ao
que a mãe acrescentou:
--- Gente que nunca morreu tá morrendo...
O filho perdeu a paciência.
--- Dá pra parar com as piadinhas sem
graça? Abrir um negócio não é brincadeira não.
O pai sorriu condescendente. Sabia que
o filho estava bem-intencionado. Mas é que o rapaz tinha acabado de concluir um
desse MBAs da vida, e só conseguia raciocinar em termos mercadológicos.
--- Calma, filho. Você só fala de
critérios, métodos, empredorismo... não sei em falar esse troço.
---
Empreendedorismo, pai.
--- Pois é. Estou querendo pôr o nome
de " funerária Vai com Deus."
--- Pelo amor de Deus!
--- Também
é bom, mas "Vai com Deus" é melhor.
--- Não,
pai, pelo amor de Deus, não põe um nome desses!
E olhou ansioso
pra mãe, pedindo socorro. A mãe nem tchum.
--- Acho
que é um nome interessante, filho. Diferente. Ousado.
O pai
respondeu:
--- Imaginem só o slogan: Na hora de
morrer, "Vai com Deus".
A mãe soltou uma gargalhada.
--- Você dois parem com isso! – o filho
já estava vermelho. – Que coisa mórbida! Vamos pensar com um mínimo de...
---
Empredee... dorismo...
--- Do...
rimos!
---
Doritos!
---
Empreendedorismo! – o filho berrou.
--- Ah é.
Quer ver outro nome bom? Funerária sete Palmos...
---
Passagem de Ida! – a mãe entrou na tabela.
--- Último
Adeus! – o pai emendou.
Agora os
dois já riam solto. O filho olhando pro chão, besta. Já estava calculando os
prejuízos.
O pai não
parava.
---
"Funerária Último Adeus: uma empresa linda de morrer".
--- Uma empresa linda de morrer! – a mãe,
repetiu, saboreando cada palavra.
--- Linda
de morrer... – o filho repetiu, mordendo as palavras. – nem Freud explica vocês
dois...
--- Engano seu, filho. Você sabia que o
Freud era fanático por humor negro? Ele adorava o anúncio de uma funerária
americana que falava assim: "Pra que viver, se você pode ser enterrado por
dez dólares?"
--- Sensacional! – a mãe já batia as
mãos na mesa, de tanto rir.
--- E lembra aquele cemitério
que tinha um slogan assim: "Se você não pode saber quando, sabia
pelo menos onde". Dessa vez, até o filho deixou escapar uma risada:
--- É verdade. Essa propaganda eu
lembro. Engraçado, na época eu achei esse slogan muito bom. É claro que eu não
tinha conhecimentos de ...
--- Perdedorismo...
--- Predadorismo...
--- O filho saiu batendo os pés,
resmungando para si mesmo: posicionamento, agregação, downsizing,
rightsizing e, acima de tudo, empreendedorismo. Seu pai nunca ia mesmo dar
conta daquelas palavras lindas de morrer.
CUNHA, Leo. Manual de Desculpas Esfarrapadas.
São Paulo: FTD,
2004.p.75-77
Entendendo a crônica:
01 – O que o título “Linda de Morrer”, significa?
É o nome que seria dado a funerária que queriam abrir.
02 – Quem são os personagens da crônica?
O pai, a mãe e o filho.
03 – Qual é a palavra que o pai não conseguia pronunciar?
Empreendedorismo.
04 – Cite três nomes, que
eles estavam pensando em pôr na funerária.
·
“Funerária vai com Deus.”
·
“Funerária sete palmos.”
·
“Funerária último adeus.”
05 – Qual a característica principal deste texto?
Possivelmente, a
grande maioria achará o texto humorístico: é divertido o desencontro de
opiniões do filho, com relação aos pais; é engraçado o pai não conseguir, mas
tentar sempre, falar determinada palavra; é cômica a sequência de nomes
aventados para a funerária.
06 – Que recurso o autor usa para dar agilidade ao caso?
Há um largo uso de diálogos (ou discurso direto),
com poucas intervenções do narrador.
07 – Qual o gênero deste texto?
Crônica, pois se trata de uma situação do cotidiano.
08 – De acordo com o texto, o Freud era fanático por
humor negro, qual o anúncio que ele adorava?
“Pra que viver, se você pode ser enterrado por dez dólares.”
09 – Quem é o autor e de onde foi tirado a crônica?
É
Leo Cunha. Foi tirado do Manual de Desculpas Esfarrapadas.
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