Poema: A
Peleja do Cérebro com o Coração
O Cérebro e o Coração
Um dia marcaram encontro
E como dois violeiros
Pelejaram num confronto
Pra disputar qual dos dois
Pra vida estava mais pronto
Essa história agora eu conto
Meu leitor sinta e entenda
Com o coração e o cérebro
Pra que você compreenda
Que essa briga é verdadeira
Não é invenção ou lenda
O Cérebro abriu a contenda
Dizendo pro Coração
Eu fiz o homem crescer
Ter lucidez e razão
Graças a mim ele pôde
Dominar a criação
Retrucou o Coração
Cérebro deixe de heresia
A evolução da vida
Antes de ti já existia
Antes de um cérebro pensar
Um coração já batia
Isso de nada valia
Faltava minha influência
A vida era primitiva
Sem matemática ou ciência
Eu cheguei e dei a ela
O poder da consciência
É muita maledicência
Também muita pretensão
Chegar por último e querer
Ser dono da evolução
Cérebro, você só existe,
Por causa do coração
Sou a fonte da razão
Em mim nasce o pensamento
Sou o pai da inteligência
Da criação, do invento,
Dou ao homem lucidez
A competência e o talento
Já eu, sou o sentimento,
Que eleva a sabedoria
Eu tenho cinco sentidos
Trabalhando noite e dia
Pra dotar a existência
De prazer, sonho, magia.
Os neurônios seguem a guia
Das ordens que me apetecem
Glândulas e conexões
Sensoriais me obedecem
Os músculos fazem o que mando
Minhas ordens reconhecem
Os neurônios adoecem
Graças a sua impostura
O pensamento enlouquece
Vem depressão e amargura
A dor que o cérebro causa
É o coração quem cura
Isso é mentira pura
Só vindo do coração
Que é o órgão da frescura
Da fraqueza e da ilusão
Dizer que o cérebro é culpado
Da loucura e depressão
Eu sou o pai da emoção
Da paixão e do amor
Em mim nascem sentimentos,
Esse é meu maior valor
Meu pulsar marca os momentos,
Da vida saiba o senhor
Sou o cérebro pensador
Moro dentro da cabeça
Ponto mais alto do corpo
Pra que ele não se esqueça
Sou eu quem comanda ele
É bom que ele me obedeça
Cérebro, não se aborreça,
Sou a fonte da ternura
Moro no meio do peito
Onde a alma se depura
Nem acima nem abaixo
No equilíbrio da altura
És um músculo sem postura
Disso eu nunca me esqueço
Bomba de bombear sangue
Contigo não me aborreço
É pobre a sua função
Mas tem valor, reconheço.
Sou músculo e não lhe obedeço
Bato à sua revelia
Se eu parar a vida acaba
Cessa a sua serventia
Reconheço o seu valor
Mas tu, não é o meu guia
Mas sou eu quem te alumia
Quando você se apaixona
Fica tonto, perde o rumo
Circo com fogo na lona
Te dou o meu equilíbrio
Se não você desmorona.
Eu trago você à tona
Quando te vejo afundar
Ao imaginar ser Deus
Por ser capaz de criar
Se eu não te desse humildade
Teu ego ia nos matar
Coração vou te falar
Você é digno de pena
E vive dando trabalho
Ao pobre Marcus Lucenna
De tanto cair do galho
Sofre mais que Madalena
Cérebro o Marcus Lucenna
Por mim se tornou poeta
Por você ele seria
Um matemático, um atleta
Fazia tudo certinho
Só andava em linha reta
Coração eu dou a meta
Que o homem deve alcançar
Você com seu romantismo
Só serve pra atrapalhar
Vive no mundo da lua
Só presta para sonhar
És vaidoso sem par
Orgulhoso e prepotente
Tu queres controlar tudo
Vives sempre descontente
És pai de qualquer estudo
Mas és chamado “de mente”
Que trocadilho indecente
Demente és tu coração
Que bates descompassado
Comprometendo a pressão
Ao ficar apaixonado
E sofrer uma traição
Feliz é o coração
Que de amor adoece
O cérebro é tão racional
Que o amor não lhe apetece
Eu tenho a maior razão
A que a razão desconhece
Coração ao que parece
Essa nossa discussão
Nos dá a chance sagrada
Para a valorização
Do trabalho de nós dois
Se for feito em união
Eu te dou de coração
Minha sensibilidade
Se você me emprestar
Sua criatividade
Juntaremos nossas forças
Pro bem da humanidade
Te dou essa qualidade
De ti quero a emoção
Quero a sensibilidade
O sonho, o amor, a paixão
Para o homem ser feliz
Depois da nossa união
Sinto com toda emoção
Que a discussão chega ao fim
Com a gente se entendendo
E se completando enfim
Porque coração e cérebro
Não são Abel e Caim
Você não sente sem mim,
Não penso sem teu bater
Você me entende, eu te entendo
É melhor a gente ser
Dois parceiros que precisam
Um do outro pra viver
Eu não paro de bater
Tu não paras de pensar
Quando eu precisar de ti
Te peço pra me ajudar
Ao precisares de mim
Te dou o que lhe faltar
Meu amigo, o coração
Ao cérebro falou bonito
Razão é muito importante
Com emoção, sem conflito
Um dá suporte pro outro
Sem confronto e nem atrito
Lá no cérebro ecoa um grito
Una-se à lógica a paixão
Com a junção dessas forças
Encontramos emoção
Na vida ao buscar apoio
Na ordem que deu o joio
Ao trigo na evolução.
LUCENNA, Marcus. A
peleja do cérebro com o coração. Disponível em: www.ablc.com.br/popups/cordeldavez/cordeldavez036.htm.
Fonte: Livro – Viva
Português 1° – Ensino médio – Língua portuguesa – 2ª edição 1ª impressão – São
Paulo – 2014. p. 41-5.
Entendendo o poema:
01 – No cordel “A peleja do cérebro com o coração”, o
cordelista apresenta a contenda entre dois órgãos do corpo humano: o cérebro,
associado à emoção, à sensibilidade e à inconstância. Para dar voz a esses dois
órgãos, o autor, como é bastante comum nas pelejas, expõe a situação inicial
apresentada nas quatro primeiras estrofes. Escreva no caderno palavras e
expressões que podem indicar a voz de um narrador nessas estrofes.
Na 1ª estrofe, a referência às
personagens (coração e cérebro) é feita na terceira pessoa; na 2ª estrofe, a
presença do narrador em primeira pessoa (“agora eu conto”); nas estrofes
seguintes, o uso do discurso direto, em que fica clara a presença do narrador
dando voz às personagens.
02 – A partir da 5ª estrofe,
as falas das personagens predominam no cordel e delas surgem os elementos para
a disputa. Da 5ª à 9ª estrofe, cérebro e coração comunicam suas virtudes ao
leitor/ouvinte.
a)
Destaque dessas estrofes aquelas que, em sua
opinião, são as principais virtudes de cada órgão. Copie-as no caderno.
O cérebro diz ser a fonte da razão, ser o pai da inteligência, da
criação, do invento; diz também ser o responsável pela lucidez, pela competência
e pelo talento do homem. O coração diz ser o sentimento, aquele que eleva a
sabedoria, que tem a capacidade, por meio dos cinco sentidos, de dotar vida de
magia, de alegria e de prazer.
b)
Em sua opinião, as qualidades associadas ao
cérebro e aquelas associadas ao coração podem existir em uma mesma pessoa, ou
seja, elas podem ser complementares? Ou, ao contrário, essas qualidades são
concorrentes e não podem coexistir? Explique sua resposta.
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Elas são complementares, pois o
indivíduo necessita tanto da eazão quanto dos sentimentos para viver mais
plenamente os potenciais humanos.
03 – Se nas estrofes
iniciais o cérebro e o coração destacam principalmente suas virtudes, na 10ª e
na 11ª estrofes o tom da discussão muda bastante.
a)
O que as personagens passam a enfatizar na
10ª e na 11ª estrofes?
Os defeitos que cada personagem julga existir na outra. Nessas duas
estrofes, o cérebro e o coração se atacam.
b)
Depois da 11ª estrofe, identifique as
estrofes em que esse tom de disputa volta a predominar.
Da 15ª à 20ª estrofe.
04 – Quando a disputa entre os
dois órgãos fica mais acirrada, além da troca de ofensas, há também a tentativa
de provar quem é mais importante, até mesmo para que o outro trabalhe melhor.
a)
Identifique quais são, em sua opinião, os
principais argumentos de cada uma das partes.
O cérebro afirma dar equilíbrio ao coração quando este se apaixona;
o coração afirma dar humildade ao cérebro para que o ego não o mate.
b)
Indique quais são as ofensas que eles trocam.
O coração diz que o cérebro é vaidoso, orgulhoso, prepotente, quer
controlar tudo e está sempre descontente. O cérebro diz que o coração é demente
e que bate descompassado por causa de paixão ou de traição, e que isso
compromete a sua saúde.
05 – A partir da 21ª
estrofe, a discussão entre o cérebro e o coração toma uma direção completamente
diferente.
a)
O que acontece, ou seja, o que é proposto e
por quem é proposto?
O cérebro propõe que os dois órgão valorizem as qualidades de um e
de outro e que, em lugar de discutir, passem a trabalhar em conjunto.
b)
Como reage o oponente a essa proposta?
Imediatamente o coração oferece ao cérebro a sensibilidade em troca
do empréstimo da criatividade.
c)
Em sua opinião, há um vencedor nessa disputa?
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Não, mas a proposta da união
das qualidades de ambos para o término da briga foi sugerida pelo cérebro, e
que isso pode não ter ocorrido à toa.
06 – A relação cérebro/razão
e coração/emoção, além da própria separação entre razão e emoção, é cultural,
simbólica, não se trata de um fato cientifico. Hoje se sabe que o cérebro é o
portador da personalidade do indivíduo e que razão e emoção estão mais ligadas
do que se supunha. Essa separação simbólica, entretanto, possibilitou a
exploração de diferenças significativas entre os dois órgãos.
a)
Indique como o cordelista explorou no texto a
localização do cérebro e a do coração no corpo humano.
O cérebro está na cabeça, o ponto mais alto do corpo, para que este
não se esqueça de que é o cérebro que o comanda. O coração está no meio do
peito, em um ponto de equilíbrio.
b)
Copie no caderno alguns versos em que o
cordelista usa vocabulário cientifico para destacar as diferenças entre os dois
órgãos.
“Os neurônios seguem a guia / [...] Glândulas e conexões /
Sensoriais me obedecem / Os músculos fazem o que mando [...]”; “És um músculo
sem postura / [...] Bomba de bombear sangue”; “Sou músculo e não lhe obedeço /
Bato à sua revelia”.
07 – Em filosofia, existe um
método de discussão ou raciocínio usado como meio de tentar explicar a
realidade. Trata-se do método dialético, que consiste em apresentar uma tese,
que é a ideia inicial, e a antítese, que é a oposição a essa ideia. Do
embate entre tese e antítese deve emergir a síntese, uma reflexão nova
que carrega os elementos da discussão. Em sua opinião, é possível destacar do
cordel “A peleja do cérebro com o coração” esses três elementos?
Identifique-os, se for o caso.
É possível
destacar desse cordel os três grandes momentos: o momento em que cada órgão
destaca sua virtude (a tese); o
momento em que eles se atacam ressaltando os defeitos do outro (a antítese); e o momento em que tentam
conciliar suas qualidades (a síntese).