terça-feira, 17 de novembro de 2020

CRÔNICA: METAMORFOSE - LEO CUNHA - COM GABARITO

 Crônica: Metamorfose

                            Leo Cunha

        – Anjo! – sussurrou a Ângela.

        – Fantasma! – cochichou o Fábio.

        – Pó – soprou o Paulo.

        – Não tem jeito de saber – garantiu o Celso.

        A professora de matemática ouvia curiosa aquela discussão. Os quatro alunos, num canto da sala, faziam de tudo para ela não escutar, mas era impossível.

        O recreio já tinha acabado, a aula estava quase começando e nenhum dos quatro conseguia convencer os outros.

        Anjo! Fantasma! Pó! Nada disso! Você tá louco? Que bobagem! Pó! Fantasma! Anjo!

        A professora de matemática ficou se lembrando de quando tinha dez anos, como aqueles alunos. Será que ela discutia assuntos tão profundos com os colegas? Como as crianças de hoje estavam mudadas... que metamorfose!

        – Não adianta – continuou o Celso. – Nós vamos discutir o resto da aula... O resto da vida...

        – Fantasma, gente! – repetiu o Fábio.

        – Deus me livre, nem fala isso que eu arrepio. Fantasma é alma penada, só serve pra assustar a gente. Atravessa as paredes, sussurra nos cantos...

        – Pois então!

        – Pra mim é anjo mesmo – insistiu a Ângela.

        – E pra mim é pó. Tenho certeza.

        – Certeza? – reclamou o Celso. – Como é que vocês podem ter certeza de uma coisa assim?

        A professora se fez a mesma pergunta. Afinal, o que acontece com a gente, depois da vida? Até hoje, com quase 30, ela ainda não sabia a resposta, e os meninos, ali, debatendo com empolgação...

        – Existe muita casa assombrada por aí – era de novo o Fábio. – Lá na minha terra, vira e mexe aparecem uns fantasmas. Eu sei porque o vizinho da prima do meu avô já viu...

        – Aí não vale! – o Paulo zoou. – O vizinho do cachorro do tintureiro?

        – Tá chamando meu vô de cachorro? – o Fábio não gostou.

        – Não, ele tá chamando seu vô de tintureiro.

        – Tintureiro? Isso é bom ou é ruim?

        – Ih, Fábio, não foge do assunto!

        – Você é que fugiu do assunto, Ângela. Fica reclamando aí, mas diga então: você já viu algum anjo antes?

        – Isso mesmo – o Paulo concordou. – Você já viu anjo, você mesma, com os seus olhos, que a terra há de comer?

        – A terra não há de comer, como diz você, nem meus olhos, nem nada meu. Ela que coma adubo.

        – Um dia você chega lá – o Paulo provocou.

        – Ah, vocês são muito sabichões. Vou perguntar pra professora.

        – Não, menina! Ela é de matemática, você acha que ela vai saber?

        – Se pelo menos fosse de ciências...

        Se pelo menos fosse de ciências, a professora repetiu calada, sem olhar pros alunos, fingindo que nem tinha ouvido.

        – Aposto que ela ia dizer fantasma.

        – Anjo!

        – Pó! – Vou perguntar... Professora, eu sei que a senhora é de matemática, mas é que a gente está com uma dúvida...

        – Pois não, Ângela.

        – É que... é que eu li num livro da minha mãe que os anjos estão por toda parte e só não vê quem não quer.

        – Não, menina, isso são os gnomos! – o Fábio provocou. – Eu sei porque tem uma pessoa da minha família que acredita em gnomo.

        – Uma pessoa? Deixa eu adivinhar: é o vizinho do cachorro do tintureiro do primo do seu avô?

        – Engraçadinha, espirituosa... Não, Ângela, é a minha tia Consuelo. Ela é histérica e acredita em gnomo.

        – Sua tia é esotérica! – a professora emendou, quase sem querer.

        – Você conhece a tia Consuelo, fessora?

        – Não, Fábio. Eu quis dizer que sua tia é esotérica, não é histérica. Histérica quer dizer outra coisa.

        – Virou aula de português, agora? – reclamou um caxião da primeira fila.

        – Sssshhh! – chiaram ao mesmo tempo a Ângela, o Paulo, o Celso e a professora.

        – Ai, desculpa – murchou o caxião. – Eu só tô querendo ter aula de matemática. Olha aqui o horário que eu colei no caderno: terça-feira, depois do recreio, matemática. Ma-te-má-ti-ca. Não é português não!

        A professora sorriu quase impaciente e pediu pra ele esperar só um pouquinho, daqui a pouco ele ia entender o que aquela conversa tinha a ver com matemática. Daqui a pouquinhozinho só, viu? Virou-se pro Fábio e explicou:

        – Histérica é uma pessoa muito nervosa, agitada, impaciente, que grita e reclama de tudo.

        – Igual alguém nessa sala – emendou a Ângela, encarando o caxião, que botou a língua pra ela.

       – Olha, turma, tem gente achando que é Ásten...

        – Quem é Ásten?

        – Aquele cientista que punha a língua pra fora.

        – Einsten – explicou a professora.

        – Pronto, agora é aula de física... – resmungou o caxião.

        A professora sorriu quase impaciente e pediu pra ele esperar só mais um pouquinho.

        – Vamos com calma, turma. Nós fugimos completamente do assunto. Como é que a conversa saiu dos anjos e foi parar no Einsten?

        – É por causa da minha tia histérica... quer dizer esotérica. Ela tem um adesivo no carro escrito assim: “Duendes: eu acredito”.

        – E meu pai tem um adesivo escrito assim: “Duendes: eu atropelo”.

        – Ah, não, Paulo, que maldade! Coitados dos bichinhos!

        – Eu só tô falando a verdade.

        – Você tem mania de ser dono da verdade – acusou o Fábio. – Aposto que a professora vai me dar razão. É fantasma!

        – É anjo!

        – Já falei que é pó!

        – Não tem jeito de saber!

        – E então, fessora?

        A professora engoliu em seco, não tinha ideia do que iria dizer. Achou melhor escapar da pergunta.

        – Anjo, pó, fantasma... Estou achando meio cedo pra vocês terem essa conversa.

        – Cedo por quê, fessora? – o Fábio não entendeu. – Foi antes do recreio que aconteceu.

        – Aconteceu? Aconteceu o quê? – Agora é que ela estava perdida mesmo.

        Os quatro dispararam a falar, cada um atropelando o outro:

        – É que hoje na aula...

        – Antes do recreio...

        – Nós vimos alguma coisa estranha atrás da cortina...

        – Era um fantasma. Ele estava atrás da cortina só pra confundir a gente. Cortina e lençol parecem muito, fessora.

        – Não, não, era um anjo. Ele tava espiando por trás da cortina, mas de vez em quando se mexia e a gente via a sombra das asinhas.

        – Nada disso. Era só poeira da obra lá fora. Na luz do sol, a gente vê o pó se movendo.

        – Por mim, não tem jeito de saber com certeza...

        A professora simplesmente sorriu. Tinha entendido tudo errado.

        Neste exato momento, todos ouviram um barulhinho diferente. Por trás da cortina, surgiu uma borboleta azul, esvoaçou pela sala e sumiu janela afora.

        O caxião olhou pro relógio de pulso e calculou:

        – Vocês enrolaram tanto que, dos 50 minutos da aula, já passaram 28, só faltam 22.

        – Parabéns, Cassiano. – A professora se levantou, pegando giz e apagador. – Você fez a conta direitinho. Eu não falei que a conversa tinha tudo a ver com matemática?

CUNHA, Leo. Metamorfose. In: TELLES, et al. Contos da Escola.

Objetiva: Rio de Janeiro, 2003.

Fonte da imagem: https://www.google.com/url?sa=i&url=http%3A%2F%2Fbasenacionalcomum.mec.gov.br%2Fimplementacao%2Fpraticas%2Fcaderno-de-praticas%2Feducacao-infantil%2F&psig=AOvVaw2HDVI3f--ykMmE4TqWNYr-&ust=1605743163921000&source=images&cd=vfe&ved=0CAIQjRxqFwoTCLCa7eLhiu0CFQAAAAAdAAAAABAE

Entendendo a crônica:

01 – O texto lido pertence predominantemente ao gênero:

a)   Reportagem.

b)   Correspondência.

c)   Ficção científica.

d)   Descritivo.

e)   Narrativo.

02 – Assinale a alternativa cujo antônimo da palavra em destaque está corretamente indicado.

a)   “...que metamorfose!” – mudança notável, transformação.

b)   “...e os meninos, ali, debatendo com empolgação...– desalento, desânimo.

c)   “Engraçadinha, espirituosa...” – inteligente, vivaz.

d)   “Atravessa as paredes, sussurra nos cantos...” – murmura, fala baixo.

e)   “Sua tia é esotérica!” – misteriosa, estranha.

03 – É exemplo da presença da linguagem informal no texto, exceto:

a)   “Daqui a um pouquinhozinho só, viu?”.

b)   “E então, fessora?”

c)   “Eu quis dizer que sua tia é esotérica, não histérica.”

d)   “Tá chamando meu vô de cachorro?”

e)   “Deixa eu adivinhar...”

04 – “Você já viu anjo, você mesma, com os seus olhos, que a terra há de comer?”. Nessa frase, a personagem:

a)   Demonstra não gostar de Ângela.

b)   Emprega as palavras no seu sentido real.

c)   Profetiza a morte do colega.

d)   Expressa-se por meio de linguagem figurada.

e)   Está falando com Fábio.

05 – “– Histérica é uma pessoa muito nervosa, agitada, impaciente, que grita e reclama de tudo”. Para Ângela, essas características são atribuídas à (ao):

a)   Cassiano.

b)   Tia de Consuelo.

c)   Celso.

d)   Professora.

e)   Tia de Fábio.

06 – Assinale a opção que apresenta uma passagem do texto em que a professora relaciona a resposta de um dos alunos com a disciplina de matemática.

a)   “A professora simplesmente sorriu. Tinha entendido tudo errado.”

b)   “(...) – Você fez a conta direitinho. (...)”.

c)   “Como é que a conversa saiu dos anjos e foi parar no Einstein?”

d)   “A professora sorriu quase impaciente e pediu pra ele esperar um pouquinho.”

e)   “(...) Professora, eu sei que a senhora é de matemática, mas é que a gente está com uma dúvida...”

07 – No trecho: “– Anjo, pó, fantasma... Estou achando meio cedo para vocês terem essa conversa”. O termo grifado é interpretado pela professora de matemática como:

a)   Ocasião anterior ao recreio.

b)   Tempo durante a aula.

c)   Momento posterior ao recreio.

d)   Fase da vida.

e)   Período do recreio.

08 – Marque a opção que traduz a ideia de uma possibilidade.

a)   “Se pelo menos fosse de ciências (...)”

b)   “Olha aqui o horário que eu colei no caderno: terça-feira, depois do recreio, matemática”.

c)   “– Não, Fábio. Eu quis dizer que sua tia é esotérica, não é histérica (...)”

d)   “– Para mim é anjo mesmo – insistiu a Ângela”.

e)   “– Vou perguntar... Professora, eu sei que a senhora é de matemática, mas é que a gente está com uma dúvida...”.

09 – O “fantasma”, referido no início do texto, é revelado no desfecho como:

a)   Alma.

b)   Anjo.

c)   Borboleta.

d)   Gnomo.

e)   Pó.

10 – A palavra ou expressão a que se refere o termo sublinhado está corretamente indicada em:

a)   Ele tá chamando seu vô de tintureiro”. (Fábio)

b)   “Nenhum dos quatro conseguia convencer os outros. (Os quatro alunos)

c)   “A professora de matemática ficou se lembrando...” (Ângela)

d)   “Para mim, é anjo mesmo...” (A professora)

e)   “Como diz você, nem meus olhos, nem nada meu”. (Paulo).

11 – Marque a alternativa que apresenta um assunto relacionado ao registro da memória.

a)   “Deus me livre, nem me fala isso que eu arrepio. Fantasma é alma penada, só serve para assustar a gente."

b)   “Nós fugimos completamente do assunto.”

c)   “A terra não há de comer, como diz você, nem meus olhos, nem nada meu. Ela que coma adubo.”

d)   “– Existe muita casa assombrada por aí – era de novo o Fábio.”

e)   A professora de matemática ficou se lembrando de quando tinha dez anos, como aqueles alunos.”

12 – “Ela é histérica e acredita em gnomo”. Por serem palavras semelhantes, Paulo confundiu histérica com esotérica.

Nas frases abaixo, também ocorrem palavras parecidas. Assinale a alternativa cuja sequência completa adequadamente tais frases.

1. Os gritos das crianças __________ pelo pátio do colégio. (suaram/ soaram)

2. Ângela esqueceu-se de ______________ a professora. (comprimentar / cumprimentar)

3. Fábio costuma agir com muita __________. (discrição/ descrição).

4. A borboleta ____________ na imensidão dos jardins da escola. (imergiu/ emergiu).

5. Na aula de ciências, estudarão sobre higiene ___________. (bocal / bucal).

     a) suaram – comprimentar – discrição – imergiu – bucal.

     b) soaram – comprimentar – descrição – imergiu – bucal.

     c) soaram – cumprimentar – discrição – emergiu – bucal.

     d) soaram – cumprimentar – discrição – imergiu – bucal

     e) soaram – cumprimentar – discrição – imergiu – bocal.

13 – “A professora de matemática ficou se lembrando de quando tinha dez anos, como aqueles alunos. Será que ela discutia assuntos tão profundos com os colegas?”. No trecho acima, as palavras sublinhadas são empregadas, respectivamente, para:

a)   Caracterizar, determinar e definir.

b)   Determinar, quantificar e descrever.

c)   Nomear, quantificar e caracterizar.

d)   Nomear, caracterizar e indefinir.

e)   Nomear, descrever e indefinir.

14 – “...ela ainda não sabia a resposta, e os meninos ali, debatendo com empolgação...”. A posição da sílaba tônica nas palavras acima destacadas é a mesma na alternativa:

a)   Rubrica – maus – estavam – quintal.

b)   Lua – ruim – rodeado –estudar.

c)   Professora – maus – uma – continuaram

d)   Melancia – uma – computador – abacaxi

e)   Discutia – reclamou – cafezinho – saber.

15 – Assinale a alternativa que apresenta construção textual no pretérito.

a)   “Fantasma é alma penada, só serve para assustar a gente”.

b)   “A professora de matemática ouvia curiosa aquela discussão”.

c)   “Atravessa as paredes, sussurra nos cantos...”

d)   “– E meu pai tem um adesivo escrito assim: ‘Duendes: eu atropelo’”.

e)   “– Uma pessoa? Deixa eu adivinhar: é o vizinho do cachorro do tintureiro do primo do meu avô?”

16 – Assinale a alternativa que apresenta palavras acentuadas pela mesma razão.

a)   Só – lá – até

b)   Ciências – horário – impossível

c)   Você – aí – será

d)   Histérica – matemática – esotérica

e)   Pó – já – avô.

 

 

 

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