Texto: Elas estão por toda parte
As bactérias dominaram a Terra por
bilhões de anos e provocaram doenças consideradas incuráveis até o
desenvolvimento dos antibióticos, no século XX. Mas a vitória da humanidade não
está completa: parte desses microrganismos já é resistente aos medicamentos e
desperta a preocupação das autoridades de saúde em todo o mundo. Conseguiremos
deter essa contraofensiva silenciosa?
Era o ano de 1928. Ao retornar ao seu
laboratório no hospital londrino Saint Mary, após um período de férias, o
biólogo Alexander Fleming observou que amostras da bactéria Staphylococcus
aureus utilizadas nas pesquisas estavam cheias de bolor. Em vez de jogar os
exemplares no lixo e recomeçar os estudos, ele notou que a presença do fungo
Penicillium impedia o crescimento daquela cepa. Involuntariamente, o cientista
britânico havia criado o primeiro antibiótico, a penicilina, desenvolvida em
larga escala na década de 1940 e que ajudou a salvar milhares de soldados
feridos durante a Segunda Guerra Mundial. A aplicação de um remédio que
combatia microrganismos considerados mortais durante séculos, como aqueles
causadores da pneumonia ou da tuberculose, também colaborou na conquista de um
salto inédito: em pouco mais de 50 anos, a população mundial cresceu quase três
vezes, atingindo a marca de 7 bilhões de pessoas em 2011. Seria uma história
com final feliz, mas as bactérias não se deram por vencidas. Após a descoberta
de Fleming, alguns microrganismos passaram por mutações e começaram a repelir
os ataques da penicilina. Essa capacidade de adaptação superou até as mais
complexas fórmulas químicas criadas pela indústria farmacêutica, que gasta
muito tempo e dinheiro no desenvolvimento de novos antibióticos.
Nos últimos anos, cresceram os casos de
bactérias presentes em hospitais que, de tão resistentes, causam complicações
irreversíveis à saúde já abalada dos pacientes, impossibilitando qualquer tipo
de tratamento. [...].
A
era das bactérias
Antes de sair por aí praguejando contra
os microrganismos, agradeça profundamente a existência desses seres
unicelulares microscópicos e donos de uma estrutura muito mais simples do que
qualquer célula do nosso organismo. Foram essas as primeiras formas de vida a
habitar nosso planeta, há 3,5 bilhões de anos, em uma época em que o oxigênio
sequer existia na atmosfera terrestre. A capacidade de sobrevivência e o modo
como se reproduzem, a partir de divisões binárias, permitiram que ocupassem,
literalmente, todos os cantos do globo. [...].
Obviamente, seu corpo também não escaparia
dos bichinhos: o ser humano possui 10 trilhões de células “próprias”, enquanto
hospeda cerca de 100 trilhões de bactérias, que vivem principalmente na pele,
boca, genitália e intestino. “Elas ajudam em uma série de atividades, como a
síntese de vitaminas importantes e a manutenção do metabolismo humano, além de
proteger contra microrganismos patogênicos, diz a médica Maria Rita de Araújo,
coordenadora do setor de microbiologia do laboratório do Hospital do Coração,
em São Paulo.
O equilíbrio é o segredo para que os
humanos vivam em paz com suas bactérias, inclusive aquelas causadoras de
doenças graves. De acordo com a OMS, um terço da humanidade carrega a
Mycobacterium tuberculosis, agente da tuberculose. Mesmo assim, a infecção por
esse microrganismo só acontece em condições específicas. [...]
A
lei do mais forte
Imagine que o antibiótico funciona como
uma poderosa arma de destruição em massa, criada para matar bilhões de
microrganismos que habitam o seu corpo, sem fazer distinção entre bons e ruins.
Parece eficiente, mas se as bactérias conseguem sobreviver em condições
extremas, fatalmente darão um jeitinho de se dar bem também nesse ambiente
hostil. “As leis de Darwin funcionam em questão de dias: as bactérias ganham
essa resistência por causa de seleção natural”, afirma a Dra. Maria Rita. A
partir de mutações genéticas, algumas colônias de bactérias conseguem
sobreviver aos antibióticos e passam sua herança adiante, gerando seres cada
vez mais resistentes.
Nesse cenário, o ambiente hospitalar se torna
um verdadeiro campo de treinamento para selecionar os microrganismos mais
durões, capazes de aguentar medicamentos poderosos. Quando o paciente apresenta
um quadro de saúde delicado, eles aproveitam o momento para iniciar a infecção,
expulsando as bactérias boas na marra e combatendo com ferocidade as defesas
naturais do corpo. “Os afetados são pessoa que estão no hospital há bastante
tempo e acumulam fatores de risco, já que apresentam doenças graves e fazem uso
de múltiplos antibióticos”, diz Ana Cristina Gales, professora de infectologia
da Universidade Federal de São Paulo. [...]
Corrida
silenciosa
[...] Quando um microrganismo
resistente infecta um paciente, pode ser contido por meio de tratamento
intensivos, estabilizando seu poder de infecção. Mesmo assim, ele não
desaparece totalmente e fica presente no ambiente, além de se espalhar por
outros locais por diferentes meios, como objetos, rede de esgoto e também por
transmissão humana. [...]
Vivendo em uma comunidade saudável, essa
superbactéria pode transmitir suas características para companheiras de outras
espécies por meio dos plasmídios, pequenos fragmentos de DNA que são
transferidos de um microrganismo para outro quando há uma aproximação física.
Bactérias como a KPC e espécies que possuem a NDM-1, enzima capaz de degradar
uma ampla gama de antibióticos, são capazes de realizar essa transmissão e
gerar populações cada vez mais resistentes aos medicamentos. [...].
Com tamanha capacidade para se adaptar,
os pesquisadores temem que as bactérias capazes de vencer os antibióticos
ganhem cada vez mais espaço, eliminando pouco a pouco as velhas e boas aliadas
que vivem em paz em nosso organismo. [...]
Menos
é mais
Profissionais da área de saúde e
organizações sanitárias globais são unânimes na hora de apresentar o plano de
combate imediato para frear a expansão das superbactérias: é necessário
diminuir drasticamente o uso de antibióticos para impedir que a seleção natural
continue produzindo bactérias cada vez mais resistentes. [...]
Restringir o uso de antibióticos não
significa impedir sua aplicação em pacientes que precisam desses medicamentos,
mas sim limitar o uso em situações desnecessárias. “A maioria das infecções em
pediatria é de origem viral, mas em algumas situações a própria família
pressiona o médico para dar antibióticos para a criança”, diz a Dra. Maria Rita
de Araújo. [...]
No Brasil, a Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) definiu em 2011 regras para a comercialização de
antibióticos: uma lista de medicamentos deve ser inscrita no Sistema Nacional
de Gerenciamento de Produtos Controlados, permitindo o registro e o controle
nas farmácias. [...]
Passado
e futuro
Iniciativas de governos, ONGs e empresas
privadas desejam acelerar o combate a bactérias resistentes nessa corrida
contra o tempo. [...]
Todos esses esforços, porém, não escondem
uma realidade que insiste em aparecer nos países mais pobres do mundo. Após o
terremoto que matou mais de 300 mil pessoas no Haiti em 2010, um surto de
cólera, causado pela bactéria Vibrio Cholerae, vitimou mais de 8 mil pessoas no
país. A doença é perfeitamente tratável, sendo necessárias medidas simples de
combate, como tratamento de água potável, construção de esgotos e assistência
médica adequada. Como o combate às superbactérias, certos esforços também não
podem ser esquecidos pela humanidade.
Thiago Tanji. Revista
Galileu, jan. 2015. Disponível em: http://revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2015/02/elas-estao-por-toda-parte.html.
Acesso em: 23 abr. 2015.
Fonte: Livro – Para Viver Juntos – Português – 9º ano – Ensino Fundamental – Anos Finais – Edições SM – p.114-16
Fonte da imagem:https://www.google.com/url?sa=i&url=http%3A%2F%2Fwww.oswaldocruz.com%2Fsite%2Fnoticias-de-saude%2Fnoticias-de-saude%2Fbacteria-canibal-pode-ser-solucao-para-superbacterias&psig=AOvVaw158xSWXgojfoEUH-bt1gIW&ust=1605631043078000&source=images&cd=vfe&ved=0CAIQjRxqFwoTCMCPtPW_h-0CFQAAAAAdAAAAABAD
01 – De acordo com o texto, qual a importância, para o ser humano, de
algumas bactérias que vivem em seu corpo?
Ajudam na síntese de vitaminas importantes,
auxiliam na manutenção do metabolismo humano e protegem contra microrganismos
patogênicos.
02 – Para sintetizar as informações presentes no texto, responda:
a) Diante do antibiótico, qual é, em geral, a ação das bactérias? Qual a consequência dessa ação, para elas?
Realizar uma mutação genética para conseguir resistir. Ocorre a seleção natural (as bactérias que sobrevivem originam descendentes resistentes àquele antibiótico).
b) As bactérias resistentes atacam prontamente?
Não. As bactérias esperam a debilidade do indivíduo.
c) De que modo uma pessoa que já tomou diversos tipos de antibióticos favorece as bactérias?
A pessoa ajuda a criar bactérias resistentes a mais tipos de antibióticos (porque algumas sobrevivem a eles).
d) Como a pessoa hospitalizada favorece as bactérias?
No hospital, a pessoa pode abrigar bactérias diferentes, resistentes aos diversos antibióticos usados ali. Assim, quando as bactérias atacam, têm boas chances de êxito (até porque as pessoas estão doentes e vulnerável).
e) Como as bactérias que resistiram em um indivíduo podem ser uma ameaça a outros?
As bactérias não ficam só no organismo desse indivíduo; passam para o ambiente, podendo ser transmitidas por objetos, por pessoas e pela água do esgoto.
f) Que mecanismo sofisticado algumas bactérias apresentam, capaz de potencializar sua capacidade de resistência?
Algumas bactérias transmitem suas características
genéticas para outras quando há uma aproximação física entre elas. Além do
mais, algumas que fazem isso tem a NDM-1, enzima capaz de degradar uma ampla
gama de antibióticos.
03 – Que preocupação das autoridades e dos profissionais da saúde o
texto manifesta?
As bactérias capazes de vencer os antibióticos
podem ganhar cada vez mais espaço, eliminando pouco a pouco as que são
benéficas ao organismo humano.
04 – Qual a principal saída para esse problema? Explique-a.
A redução no consumo de antibióticos.
Essa ação evitaria que surgissem mais bactérias resistentes, fruto da seleção
natural.
05 – O intertítulo “A lei do mais forte” é uma referência a quê? E o
intertítulo “Menos é mais”?
Respectivamente: à seleção natural e ao fato de a
diminuição de antibióticos trazer muitas vantagens.
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