segunda-feira, 16 de novembro de 2020

REPORTAGEM: ELAS ESTÃO POR TODA PARTE - THIAGO TANJI - COM GABARITO

 Texto: Elas estão por toda parte  

  Thiago Tanji

        As bactérias dominaram a Terra por bilhões de anos e provocaram doenças consideradas incuráveis até o desenvolvimento dos antibióticos, no século XX. Mas a vitória da humanidade não está completa: parte desses microrganismos já é resistente aos medicamentos e desperta a preocupação das autoridades de saúde em todo o mundo. Conseguiremos deter essa contraofensiva silenciosa?

        Era o ano de 1928. Ao retornar ao seu laboratório no hospital londrino Saint Mary, após um período de férias, o biólogo Alexander Fleming observou que amostras da bactéria Staphylococcus aureus utilizadas nas pesquisas estavam cheias de bolor. Em vez de jogar os exemplares no lixo e recomeçar os estudos, ele notou que a presença do fungo Penicillium impedia o crescimento daquela cepa. Involuntariamente, o cientista britânico havia criado o primeiro antibiótico, a penicilina, desenvolvida em larga escala na década de 1940 e que ajudou a salvar milhares de soldados feridos durante a Segunda Guerra Mundial. A aplicação de um remédio que combatia microrganismos considerados mortais durante séculos, como aqueles causadores da pneumonia ou da tuberculose, também colaborou na conquista de um salto inédito: em pouco mais de 50 anos, a população mundial cresceu quase três vezes, atingindo a marca de 7 bilhões de pessoas em 2011. Seria uma história com final feliz, mas as bactérias não se deram por vencidas. Após a descoberta de Fleming, alguns microrganismos passaram por mutações e começaram a repelir os ataques da penicilina. Essa capacidade de adaptação superou até as mais complexas fórmulas químicas criadas pela indústria farmacêutica, que gasta muito tempo e dinheiro no desenvolvimento de novos antibióticos.

        Nos últimos anos, cresceram os casos de bactérias presentes em hospitais que, de tão resistentes, causam complicações irreversíveis à saúde já abalada dos pacientes, impossibilitando qualquer tipo de tratamento. [...].

A era das bactérias

        Antes de sair por aí praguejando contra os microrganismos, agradeça profundamente a existência desses seres unicelulares microscópicos e donos de uma estrutura muito mais simples do que qualquer célula do nosso organismo. Foram essas as primeiras formas de vida a habitar nosso planeta, há 3,5 bilhões de anos, em uma época em que o oxigênio sequer existia na atmosfera terrestre. A capacidade de sobrevivência e o modo como se reproduzem, a partir de divisões binárias, permitiram que ocupassem, literalmente, todos os cantos do globo. [...].

        Obviamente, seu corpo também não escaparia dos bichinhos: o ser humano possui 10 trilhões de células “próprias”, enquanto hospeda cerca de 100 trilhões de bactérias, que vivem principalmente na pele, boca, genitália e intestino. “Elas ajudam em uma série de atividades, como a síntese de vitaminas importantes e a manutenção do metabolismo humano, além de proteger contra microrganismos patogênicos, diz a médica Maria Rita de Araújo, coordenadora do setor de microbiologia do laboratório do Hospital do Coração, em São Paulo.

        O equilíbrio é o segredo para que os humanos vivam em paz com suas bactérias, inclusive aquelas causadoras de doenças graves. De acordo com a OMS, um terço da humanidade carrega a Mycobacterium tuberculosis, agente da tuberculose. Mesmo assim, a infecção por esse microrganismo só acontece em condições específicas. [...]

A lei do mais forte

        Imagine que o antibiótico funciona como uma poderosa arma de destruição em massa, criada para matar bilhões de microrganismos que habitam o seu corpo, sem fazer distinção entre bons e ruins. Parece eficiente, mas se as bactérias conseguem sobreviver em condições extremas, fatalmente darão um jeitinho de se dar bem também nesse ambiente hostil. “As leis de Darwin funcionam em questão de dias: as bactérias ganham essa resistência por causa de seleção natural”, afirma a Dra. Maria Rita. A partir de mutações genéticas, algumas colônias de bactérias conseguem sobreviver aos antibióticos e passam sua herança adiante, gerando seres cada vez mais resistentes.

        Nesse cenário, o ambiente hospitalar se torna um verdadeiro campo de treinamento para selecionar os microrganismos mais durões, capazes de aguentar medicamentos poderosos. Quando o paciente apresenta um quadro de saúde delicado, eles aproveitam o momento para iniciar a infecção, expulsando as bactérias boas na marra e combatendo com ferocidade as defesas naturais do corpo. “Os afetados são pessoa que estão no hospital há bastante tempo e acumulam fatores de risco, já que apresentam doenças graves e fazem uso de múltiplos antibióticos”, diz Ana Cristina Gales, professora de infectologia da Universidade Federal de São Paulo. [...]

Corrida silenciosa

        [...] Quando um microrganismo resistente infecta um paciente, pode ser contido por meio de tratamento intensivos, estabilizando seu poder de infecção. Mesmo assim, ele não desaparece totalmente e fica presente no ambiente, além de se espalhar por outros locais por diferentes meios, como objetos, rede de esgoto e também por transmissão humana. [...]

        Vivendo em uma comunidade saudável, essa superbactéria pode transmitir suas características para companheiras de outras espécies por meio dos plasmídios, pequenos fragmentos de DNA que são transferidos de um microrganismo para outro quando há uma aproximação física. Bactérias como a KPC e espécies que possuem a NDM-1, enzima capaz de degradar uma ampla gama de antibióticos, são capazes de realizar essa transmissão e gerar populações cada vez mais resistentes aos medicamentos. [...].

        Com tamanha capacidade para se adaptar, os pesquisadores temem que as bactérias capazes de vencer os antibióticos ganhem cada vez mais espaço, eliminando pouco a pouco as velhas e boas aliadas que vivem em paz em nosso organismo. [...]

Menos é mais

        Profissionais da área de saúde e organizações sanitárias globais são unânimes na hora de apresentar o plano de combate imediato para frear a expansão das superbactérias: é necessário diminuir drasticamente o uso de antibióticos para impedir que a seleção natural continue produzindo bactérias cada vez mais resistentes. [...]

        Restringir o uso de antibióticos não significa impedir sua aplicação em pacientes que precisam desses medicamentos, mas sim limitar o uso em situações desnecessárias. “A maioria das infecções em pediatria é de origem viral, mas em algumas situações a própria família pressiona o médico para dar antibióticos para a criança”, diz a Dra. Maria Rita de Araújo. [...]

      No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) definiu em 2011 regras para a comercialização de antibióticos: uma lista de medicamentos deve ser inscrita no Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados, permitindo o registro e o controle nas farmácias. [...]

Passado e futuro

        Iniciativas de governos, ONGs e empresas privadas desejam acelerar o combate a bactérias resistentes nessa corrida contra o tempo. [...]

        Todos esses esforços, porém, não escondem uma realidade que insiste em aparecer nos países mais pobres do mundo. Após o terremoto que matou mais de 300 mil pessoas no Haiti em 2010, um surto de cólera, causado pela bactéria Vibrio Cholerae, vitimou mais de 8 mil pessoas no país. A doença é perfeitamente tratável, sendo necessárias medidas simples de combate, como tratamento de água potável, construção de esgotos e assistência médica adequada. Como o combate às superbactérias, certos esforços também não podem ser esquecidos pela humanidade.

        Thiago Tanji. Revista Galileu, jan. 2015. Disponível em: http://revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2015/02/elas-estao-por-toda-parte.html. Acesso em: 23 abr. 2015.

                        Fonte: Livro – Para Viver Juntos – Português – 9º ano – Ensino Fundamental – Anos Finais – Edições SM – p.114-16 

Fonte da imagem:https://www.google.com/url?sa=i&url=http%3A%2F%2Fwww.oswaldocruz.com%2Fsite%2Fnoticias-de-saude%2Fnoticias-de-saude%2Fbacteria-canibal-pode-ser-solucao-para-superbacterias&psig=AOvVaw158xSWXgojfoEUH-bt1gIW&ust=1605631043078000&source=images&cd=vfe&ved=0CAIQjRxqFwoTCMCPtPW_h-0CFQAAAAAdAAAAABAD

01 – De acordo com o texto, qual a importância, para o ser humano, de algumas bactérias que vivem em seu corpo?

      Ajudam na síntese de vitaminas importantes, auxiliam na manutenção do metabolismo humano e protegem contra microrganismos patogênicos.

02 – Para sintetizar as informações presentes no texto, responda:  

a)   Diante do antibiótico, qual é, em geral, a ação das bactérias? Qual a consequência dessa ação, para elas?

Realizar uma mutação genética para conseguir resistir. Ocorre a seleção natural (as bactérias que sobrevivem originam descendentes resistentes àquele antibiótico).  

b)   As bactérias resistentes atacam prontamente?

Não. As bactérias esperam a debilidade do indivíduo.   

c)   De que modo uma pessoa que já tomou diversos tipos de antibióticos favorece as bactérias?

A pessoa ajuda a criar bactérias resistentes a mais tipos de antibióticos (porque algumas sobrevivem a eles).  

d)   Como a pessoa hospitalizada favorece as bactérias?

No hospital, a pessoa pode abrigar bactérias diferentes, resistentes aos diversos antibióticos usados ali. Assim, quando as bactérias atacam, têm boas chances de êxito (até porque as pessoas estão doentes e vulnerável).  

e)   Como as bactérias que resistiram em um indivíduo podem ser uma ameaça a outros?

As bactérias não ficam só no organismo desse indivíduo; passam para o ambiente, podendo ser transmitidas por objetos, por pessoas e pela água do esgoto.  

f)    Que mecanismo sofisticado algumas bactérias apresentam, capaz de potencializar sua capacidade de resistência?

Algumas bactérias transmitem suas características genéticas para outras quando há uma aproximação física entre elas. Além do mais, algumas que fazem isso tem a NDM-1, enzima capaz de degradar uma ampla gama de antibióticos.

03 – Que preocupação das autoridades e dos profissionais da saúde o texto manifesta?

      As bactérias capazes de vencer os antibióticos podem ganhar cada vez mais espaço, eliminando pouco a pouco as que são benéficas ao organismo humano.

04 – Qual a principal saída para esse problema? Explique-a.

      A redução no consumo de antibióticos. Essa ação evitaria que surgissem mais bactérias resistentes, fruto da seleção natural.

05 – O intertítulo “A lei do mais forte” é uma referência a quê? E o intertítulo “Menos é mais”?

      Respectivamente: à seleção natural e ao fato de a diminuição de antibióticos trazer muitas vantagens.

 

 

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