Texto: Escravos do celular
Bráulio Tavares
Vi uma matéria curiosa, há pouco tempo,
sobre os hábitos dos frequentadores de restaurantes. O dono de um restaurante
encontrou vídeos de cerca de dez anos atrás, filmados por câmera de segurança.
Os vídeos registravam todo o movimento das mesas, desde a abertura da casa até
a saída do último freguês. Para fazer um estudo da dinâmica do trabalho, tempo
de atendimento etc., o dono do restaurante fez uma comparação entre o vídeo de
dez anos atrás e um de hoje.
A primeira coisa que lhe chamou a
atenção foi que, embora a quantidade de pratos consumidos e a quantia de
dinheiro gasto (proporcionalmente) continuassem as mesmas, as pessoas passavam
o dobro do tempo no restaurante. Daí a queda de faturamento, que ele não sabia
a que atribuir. Mas percebeu que, se dez anos atrás um grupo de seis pessoas
passava uma hora e meia para almoçar, esse tempo chegava hoje a duas e meia,
quase três horas, com aproximadamente o mesmo consumo de comida.
Ele constatou que, antes, as pessoas
sentavam, pediam o cardápio, conversavam um pouco, faziam os pedidos etc. Hoje
em dia é diferente. A primeira meia hora de atendimento mostrava as pessoas com
os cardápios abertos à sua frente, mas concentradas nos seus celulares, lendo e
digitando mensagens. Quando, finalmente, os pedidos eram atendidos e a comida
chegava, a maioria das pessoas fotografava os pratos e começava a compor
mensagens. Com isso se distraíam e muitas vezes os pratos eram devolvidos aos
garçons para ser novamente aquecidos. No fim da refeição, havia mais um longo
período de tempo em que os garçons eram solicitados a fazer fotos sucessivas do
grupo, com o celular de cada um.
O celular/correio/câmera fotográfica
veio para ampliar nossa vida, e ampliar não quer dizer necessariamente
facilitar. Do mesmo jeito que ganhamos tempo de um lado, o celular começa
também a exigi -lo para coisas que antes não fazíamos. E numa sociedade que já
foi chamada “a civilização dos Narcisos”, o celular é um veículo excelente para
o exibicionismo, para a comunicação instantânea de “o que estou comendo”, para
os selfies com gente famosa encontrada nos aeroportos ou nos clubes.
Somos a geração mais bem documentada da
História. Somando a presença de celulares, tablets, etc. e a disponibilidade
das redes sociais, estamos participando do maior experimento sociológico de
todos os tempos. Nunca se reuniu tanta informação voluntariamente fornecida
sobre os hábitos sociais de uma população. Talvez, no futuro, digam que a
História, para valer, começou no tempo de hoje.
Braulio Tavares,
escritor e compositor. Revista Carta Fundamental, n° 64, dez. 2014.
Fonte: Livro – Para Viver Juntos – Português – 9º ano – Ensino Fundamental – Anos Finais – Edições SM – p. 282.
Entendendo o texto:
01 – Após a leitura do texto, responda às questões abaixo.
a) Se as pessoas passam no restaurante o dobro do tempo que dispendiam ali no passado, que conclusão se poderia tirar sobre o faturamento?
Inicialmente se poderia pensar que o faturamento havia aumentado, pois, em tese, as pessoas estariam ali consumido.
b) A hipótese de conclusão apresentada no item anterior se confirmou, segundo o texto? Comprove.
Não. Segundo o texto, houve uma queda de faturamento.
c) O cliente atual consome o mesmo que o do passado e, proporcionalmente, gasta o mesmo. Por que então o faturamento não ficou estável?
Porque esse cliente ocupa a mesa por muito tempo e impede que outros clientes venham para consumir a mesma média que ele. Ou seja, a média de gasto por cliente é a mesma, mas o número de clientes é menor.
d) O emprego da conjunção embora criou uma oração subordinada adverbial concessiva. Explique a relação de concessão presente no trecho.
O fato de as pessoas consumirem hoje a mesma quantidade que no passado é uma concessão diante da constatação de que elas dobraram seu tempo de permanência no restaurante.
e) Em que as pessoas se ocupam durante o excedente de tempo?
Em enviar mensagens e em postar fotos.
f) No segundo parágrafo, está escrito: “Daí a queda de faturamento, que ele não sabia a que atribuir”. A incapacidade de explicar a queda no faturamento ocorreu em um determinado momento. Reescreva esse período acrescentando uma oração subordinada adverbial temporal que esclareça o período.
Daí a queda de faturamento, que ele não sabia a que
atribuir antes de comparar os vídeos.
02 – No texto, estão destacados um caso de próclise e um de ênclise.
a) Qual a justificativa para a próclise?
A presença do pronome relativo que atrai o pronome oblíquo (que lhe chamou).
b) Qual a justificativa para a ênclise?
O pronome oblíquo acompanha um verbo no infinitivo
(exigi-lo = exigir + o).
03 – Com base na regência verbal proposta pela norma-padrão, reescreva
cada item, substituindo a * pela forma correta do verbo entre parênteses.
a) A comparação entre a dinâmica do presente e a do passado ocorreu porque foi possível * antigos vídeos de segurança. (Assistir).
Assistir a.
b) Hoje, o tempo maior de permanência no restaurante não * consumo maior. Naturalmente, essa constatação não * o proprietário. (Implicar/agradar).
Implica; agrada a / agradou a.
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