Crônica: Missa para aluno externo
Rubem Braga Hoje é mais fácil ser católico do que
no meu tempo de criança. Primeiro apareceram as missas de domingo de tarde.
Agora até missa no sábado pode ficar valendo para o domingo. Acabaram com a
coleta de esmolas durante a missa; não há mais aquele menino com a bandeja.
Eu já era rapazinho quando o diretor do
ginásio lá de Cachoeiro, homem muito piedoso, apareceu com uma novidade: os
alunos externos, cujos pais fossem católicos, também teriam de ir à missa
domingo. A gente devia ir cedinho ao colégio, lá se juntar aos internos, formar
fila e ir para a igreja, que era perto – só atravessar o pátio e subir um
barranco.
No primeiro domingo eu e mais dois
rapazinhos fugimos na curva do barranco: tínhamos um jogo de futebol marcado
para aquela manhã e não era possível deixar de ir. Lembro-me do pito que levei
por causa disso do diretor, na segunda-feira, pois houve um porcaria de um
menino que denunciou nossa fuga. A novidade não estava agradando a ninguém, nem
mesmo a muitos pais de alunos externos; afinal o colégio não tinha nada a ver
com o que a gente fazia domingo.
Da segunda missa não houve como
escapar. Sete e meia estávamos no colégio e às oito ficamos arrumados no coro
da igreja. Nós todos ali chateados, até mesmo os que costumavam ir à missa todo
domingo, pois era muito melhor estar lá embaixo vendo as pessoas que ali em
cima com os outros alunos. Mas não havia remédio.
Foi aí que aconteceu a coisa. Quando
apareceu o menino com a bandeja. Antes de ele chegar ao lugar em que eu estava,
senti que havia algo de anormal. O coroinha estava vermelho, zangado, mas
sempre que abria a boca seus sussurros eram abafados por um coro de psiu! Psiu!
Logo percebi do que se tratava. Algum
rapaz maroto tivera a ideia, que todos acharam genial: a gente punha a moedinha
na bandeja e tirava outra, como se fosse troco; só que o troco era maior que a
esmola... Havia quem pusesse um tostão e tirasse deztões. Lembro-me de que pus
duzentos réis e tirei uma pratinha de quinhentos. Isso foi naquela hora em que
na igreja todo mundo deve ficar em silêncio, e se ouve apenas uma campainha
tocando fininho – tlim, tlim, tlim... O menino estava com tanta raiva que a
bandeja tremia em sua mão; logo depois disse um desaforo e desistiu da coleta,
enquanto nós tínhamos frouxos de riso.
Foi assim que morreu aquela ideia de
obrigar aluno externo a ir à missa.
Um cartão de Paris. Rio de
Janeiro, Record, 1997.
Fonte: Português – Linguagem &
Participação, 8ª Série – MESQUITA, Roberto Melo / Martos, Cloder Rivas – 2ª
edição – 1999 – Ed. Saraiva, p. 23-5.
Fonte da imagem: https://www.google.com/url?sa=i&url=http%3A%2F%2Fwww.cscj-pi.com.br%2Fcscj%2FmostranoticiaNOVA.php%3Fidnoticia%3D367&psig=AOvVaw32VqdIZOnoUj8feiDhyfG2&ust=1606600227145000&source=images&cd=vfe&ved=0CAIQjRxqFwoTCPCEo7Xao-0CFQAAAAAdAAAAABAD
Entendendo a crônica
01 – De acordo com o texto,
qual o significado das palavras abaixo:
·
Coleta: arrecadação.
·
Pito:
advertência, repressão, bronca.
·
Piedoso: devoto, religioso.
·
Anormal: fora do comum.
·
Alunos
externos: estudantes que morram com os
pais.
·
Alunos
internos: estudantes que morram no
colégio.
·
Sussurros: vozes baixas.
·
Maroto: esperto, malandro.
·
Frouxos: ataques, acessos.
02 – Que período de sua vida
o narrador está nos apresentando?
O narrador é um adulto que recorda um episódio de sua
infância.
03 – Existe um sentido
oculto no primeiro parágrafo do texto, principalmente na frase: “Hoje é mais fácil ser católico do que no
meu tempo de criança”. Qual seria esse sentido?
O parágrafo é
irônico porque ser católico não é apenas ir à missa e dar esmolas.
04 – Qual foi a decisão que
originou o fato central do texto?
Foi a decisão do
diretor de obrigar os alunos externos a frequentar a missa de domingo.
05 – Qual é o fato central
do texto?
O desagrado dos
alunos externos por serem obrigados a frequentar a missa de domingo e suas
tentativas de se livrar desse compromisso.
06 – Por que os alunos
externos não aceitaram a ideia do diretor?
Porque tinham
outras atividades – como jogar futebol – para passar o domingo.
07 – No texto chocam-se duas
forças opostas. Quais são essas forças? Qual é a vencedora?
São a liberdade e o autoritarismo. A
vencedora é a liberdade.
08 – Vamos resumir o texto?
Considere tempo, lugar, personagens e conflito.
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