sexta-feira, 27 de novembro de 2020

CRÔNICA: MISSA PARA ALUNO EXTERNO - RUBEM BRAGA - COM GABARITO

 Crônica: Missa para aluno externo

                   Rubem Braga

     Hoje é mais fácil ser católico do que no meu tempo de criança. Primeiro apareceram as missas de domingo de tarde. Agora até missa no sábado pode ficar valendo para o domingo. Acabaram com a coleta de esmolas durante a missa; não há mais aquele menino com a bandeja.

        Eu já era rapazinho quando o diretor do ginásio lá de Cachoeiro, homem muito piedoso, apareceu com uma novidade: os alunos externos, cujos pais fossem católicos, também teriam de ir à missa domingo. A gente devia ir cedinho ao colégio, lá se juntar aos internos, formar fila e ir para a igreja, que era perto – só atravessar o pátio e subir um barranco.

        No primeiro domingo eu e mais dois rapazinhos fugimos na curva do barranco: tínhamos um jogo de futebol marcado para aquela manhã e não era possível deixar de ir. Lembro-me do pito que levei por causa disso do diretor, na segunda-feira, pois houve um porcaria de um menino que denunciou nossa fuga. A novidade não estava agradando a ninguém, nem mesmo a muitos pais de alunos externos; afinal o colégio não tinha nada a ver com o que a gente fazia domingo.

        Da segunda missa não houve como escapar. Sete e meia estávamos no colégio e às oito ficamos arrumados no coro da igreja. Nós todos ali chateados, até mesmo os que costumavam ir à missa todo domingo, pois era muito melhor estar lá embaixo vendo as pessoas que ali em cima com os outros alunos. Mas não havia remédio.

        Foi aí que aconteceu a coisa. Quando apareceu o menino com a bandeja. Antes de ele chegar ao lugar em que eu estava, senti que havia algo de anormal. O coroinha estava vermelho, zangado, mas sempre que abria a boca seus sussurros eram abafados por um coro de psiu! Psiu!

       Logo percebi do que se tratava. Algum rapaz maroto tivera a ideia, que todos acharam genial: a gente punha a moedinha na bandeja e tirava outra, como se fosse troco; só que o troco era maior que a esmola... Havia quem pusesse um tostão e tirasse deztões. Lembro-me de que pus duzentos réis e tirei uma pratinha de quinhentos. Isso foi naquela hora em que na igreja todo mundo deve ficar em silêncio, e se ouve apenas uma campainha tocando fininho – tlim, tlim, tlim... O menino estava com tanta raiva que a bandeja tremia em sua mão; logo depois disse um desaforo e desistiu da coleta, enquanto nós tínhamos frouxos de riso.

        Foi assim que morreu aquela ideia de obrigar aluno externo a ir à missa.

     Um cartão de Paris. Rio de Janeiro, Record, 1997.

    Fonte: Português – Linguagem & Participação, 8ª Série – MESQUITA, Roberto Melo / Martos, Cloder Rivas – 2ª edição – 1999 – Ed. Saraiva, p. 23-5.

Fonte da imagem: https://www.google.com/url?sa=i&url=http%3A%2F%2Fwww.cscj-pi.com.br%2Fcscj%2FmostranoticiaNOVA.php%3Fidnoticia%3D367&psig=AOvVaw32VqdIZOnoUj8feiDhyfG2&ust=1606600227145000&source=images&cd=vfe&ved=0CAIQjRxqFwoTCPCEo7Xao-0CFQAAAAAdAAAAABAD


Entendendo a crônica

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Coleta: arrecadação.

·        Pito: advertência, repressão, bronca.

·        Piedoso: devoto, religioso.

·        Anormal: fora do comum.

·        Alunos externos: estudantes que morram com os pais.

·        Alunos internos: estudantes que morram no colégio.

·        Sussurros: vozes baixas.

·        Maroto: esperto, malandro.

·        Frouxos: ataques, acessos.

02 – Que período de sua vida o narrador está nos apresentando?

      O narrador é um adulto que recorda um episódio de sua infância.

03 – Existe um sentido oculto no primeiro parágrafo do texto, principalmente na frase: “Hoje é mais fácil ser católico do que no meu tempo de criança”. Qual seria esse sentido?

      O parágrafo é irônico porque ser católico não é apenas ir à missa e dar esmolas.

04 – Qual foi a decisão que originou o fato central do texto?

      Foi a decisão do diretor de obrigar os alunos externos a frequentar a missa de domingo.

05 – Qual é o fato central do texto?

      O desagrado dos alunos externos por serem obrigados a frequentar a missa de domingo e suas tentativas de se livrar desse compromisso.

06 – Por que os alunos externos não aceitaram a ideia do diretor?

      Porque tinham outras atividades – como jogar futebol – para passar o domingo.

07 – No texto chocam-se duas forças opostas. Quais são essas forças? Qual é a vencedora?

      São a liberdade e o autoritarismo. A vencedora é a liberdade.

08 – Vamos resumir o texto? Considere tempo, lugar, personagens e conflito.

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: No passado, quando o narrador era menino, o diretor do colégio em que estudava tentou obrigar os alunos externos a frequentar a missa domingo. Como tinham atividades mais interessantes, os alunos, contrariados, tentaram inutilmente escapar da obrigação. Finalmente, armaram tamanha confusão na missa que o diretor desistiu de sua id

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