quarta-feira, 4 de novembro de 2020

CRÔNICA: TOURO, NA 0084 - MILTON DIAS - COM GABARITO

 CRÔNICA: Touro, na 0084       

  Milton Dias

       Uma tarde, àquela hora angustiosa da espera do bicho, praticamente desligado da realidade, perdido em sonhos e projetos, o telefone tocou, na mesa vizinha, ele atendeu. Era uma voz de rapazote chamando Vivaldo, que se ausentara um momento: – Olhe aqui! Seu Vivaldo pediu para informar a milhar assim que corresse. Por favor, diga a ele que deu o touro na 0084. Inocêncio empalideceu, pediu que repetisse, que aguardasse um minuto. Arrancou do bolso a pule, num gesto nervoso, conferindo, constatou: era a milhar que tinha jogado, não havia dúvida. E repôs violentamente o fone no gancho. A pele mulata retomou sangue subitamente, passou da palidez ao rubor, e Inocêncio anunciou aos gritos para os companheiros: Deu o touro, ganhei! Deu o touro na 0084, nós ganhamos, eu e o Vivaldo! E apoplético, as veias do pescoço saltadas, o olhar esgazeado, caminhou, como um autômato, em direção ao gabinete da gerência, abriu a porta intempestivamente, sem se anunciar. E diante do gerente gordo, atônito, lento, instalado como um rei, abanou-lhe o queixo com a pule, gritou triunfante: – Tá vendo isto aqui? É a minha carta de alforria! Não preciso mais desta droga nem uma hora! Vão-se todos pro inferno, magote de miserável! Já ouviu? Pro inferno! E saiu, batendo a porta com estrépito. Deixou o gerente incapaz de entender aquele destampatório insólito, da parte de quem sempre se manifestara aparentemente dócil, quase servil, junto aos chefes. Voltou, em seguida, ao escritório, riu para os colegas o riso da vitória e ainda excitado, agitando a pule como bandeira da vitória, comentou, quase aos gritos, entre aliviado e superior: – Eu sabia! Eu sabia que havia de me livrar desta corja... Nisto, Vivaldo entrou na sala. Inocêncio encaminhou-se para ele, abriu-lhe os braços num gesto de confraternização e de alegria, num convite tácito para a comemoração em comum do grande momento, a boca rasgada num riso amplo, os olhos faiscando de felicidade. De repente, numa fração de segundo, surpreendeu no olhar do companheiro uma expressão velhaca, um raio matreiro, de inteligência e de mofa, acompanhado dum riso inesquecível, irônico, quase zombeteiro. O qual riso, crescendo numa crise incontida, explodiu numa gargalhada achincalhante, revelando, sem palavras, que Vivaldo lhe pregara uma peça e que a estória toda da milhar não passava de um trote.

DIAS, Milton. Entre a boca da noite e a madrugada. Fortaleza: Edições UFC, 2008, p. 24-25. Coleção Literatura no Vestibular.

01. Analise o que se pede em cada subitem a seguir e assinale a única alternativa correta para cada um. A escolha de mais de uma alternativa por item anula a resposta.

 1.1. Da leitura do texto, depreende-se que Inocêncio esperava vir, do sucesso no jogo, sua redenção financeira e, por consequência, sua alforria da Companhia para a qual trabalhava; por isso, a hora da espera do bicho era “angustiosa”. Nessa hora, Inocêncio desligava-se da realidade e perdia-se “em sonhos e projetos”. Essa atitude de Inocêncio vai de encontro ao dito popular:

A) Quem não arrisca não petisca.

B) Não confie na sorte, o triunfo nasce da luta.

C) Aproveite a sorte, enquanto ela está a seu favor.

 1.2. Ao acreditar que ganhara no jogo-do-bicho, Inocêncio invade a sala do gerente da Companhia onde trabalha e diz tudo o que pensa. Logo depois, porém, toma conhecimento de que “a estória toda da milhar não passava de um trote”. Inocêncio teria poupado a si mesmo do ridículo caso tivesse aplicado a lição do seguinte dito popular:

A) O que guarda sua boca conserva sua alma.

B) Não deixes para amanhã o que podes fazer hoje.

C) O sol nasce para todos, a lua para quem merece.

1.3. A reação de Inocêncio deixou “o gerente incapaz de entender aquele destampatório insólito, da parte de quem sempre se manifestara aparentemente dócil, quase servil, junto aos chefes”. Aplica-se ao caso de Inocêncio o dito popular:

A) As aparências enganam.

B) Quem espera sempre alcança.

C) Depois da tormenta, sempre vem a bonança.

1.4. Em relação a Inocêncio, Vivaldo mostrou ser um amigo ao qual se aplica o dito popular:

A) Amigos, amigos; negócios, à parte.

B) Amigo disfarçado, inimigo dobrado.

C) É na necessidade que se conhece o amigo.

1.5. Quando ainda não sabia que “a estória toda da milhar não passava de um trote”, Inocêncio “riu para os colegas o riso da vitória”. Na continuidade, lê-se sobre a reação de Vivaldo ao revelar o trote: “O qual riso, crescendo numa crise incontida, explodiu numa gargalhada achincalhante.”. Aplica-se ao riso de Inocêncio o dito popular:

A) Muito riso, pouco siso.

B) Rir é o melhor remédio.

C) Quem ri por último ri melhor.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário