Setenta anos, por que não?
"Hoje em dia, fazer 70 anos é uma
banalidade. Vou reunir filhos e pouquíssimos amigos e fazer aquela festona nos
80"
Acho essa coisa da idade fascinante:
tem a ver com o modo como lidamos com a vida. Se a gente a considera uma
ladeira que desce a partir da primeira ruga, ou do começo de barriguinha, então
viver é de certa forma uma desgraceira que acaba na morte. Desse ponto de
vista, a vida passa a ser uma doença crônica de prognóstico sombrio. Nessa
festa sem graça, quem fica animado? Quem não se amargura?
O tempo me intriga, como tantas coisas,
desde quando eu tinha uns 5 anos. Quando esta coluna for publicada, mais ou
menos por aqueles dias, estarei fazendo 70. Primeiro, há meses, pensei numa
grande festa, eu que sou avessa a badalações e gosto de grupos bem pequenos.
Mas pensei, bem, 70 vale a pena! Aos poucos fui percebendo que hoje em dia
fazer 70 anos é uma banalidade. Vou reunir filhos e pouquíssimos amigos e fazer
aquela festona nos 80. Ou 90.
Pois se minhas avós eram damas idosas aos 50,
sempre de livro na mão lendo na poltrona junto à janela, com vestidos
discretíssimos, pretos de florzinha branca (ou, em horas mais festivas,
minúsculas flores ou bolinhas coloridas), hoje aos 70 estamos fazendo projetos,
viajando (pode ser simplesmente à cidade vizinha para visitar uma amiga), indo
ao teatro e ao cinema, indo a restaurante (pode ser o de quilo, ali na
esquina), eventualmente namorando ou casando de novo. Ou dando risada à toa com
os netos, e fazendo uma excursão com os filhos. Tudo isso sem esquecer a
universidade, ou aprender a ler, ou visitar pela primeira vez uma galeria de
arte, ou comer sorvete na calçada batendo papo com alguma nova amiga.
Outro dia minha neta de quase 10 anos
me disse: "Você é a pessoa mais divertida que conheço, é a única avó do
mundo que sai para comprar mamão e volta com um buldogue". Era verdade. Se
sou tão divertida não sei, mas gosto que me vejam não como a chata que se
queixa, reclama e cobra, mas como aquela que de verdade vai comprar a fruta de
que o marido mais gosta, anda com vontade de ter de novo um cachorro e entra na
loja quase ao lado do mercado. Por um acaso singular, pois não são cachorros
muito comuns, ali há um filhotinho de buldogue inglês que voltou comigo para casa
em lugar da fruta. Foi batizada de Emily e virou mais uma alegria.
E por que não? Por que a passagem do
tempo deveria nos tornar mais rígidas, mais chatas, mais queixosas, mais
intolerantes, espantalhos dos afetos e da alegria? "Why be normal?",
dizia o adesivo que amigos meus mandaram fazer há muitos anos para colocarmos
em nossos carros só pela diversão, pois no fundo não queria dizer nada além
disso: em nossas vidas atribuladas, cheias de compromissos, trabalho, pouco
dinheiro, cada um com seus ônus e bônus, a gente podia cometer essa
transgressão tão inocente e engraçada, de ter aquele adesivo no carro.
Não precisamos ser tão incrivelmente
sérios, cobrar tanto de nós, dos outros e da vida, críticos o tempo todo, vendo
só o lado mais feio do mundo. Das pessoas. Da própria família. Dos amigos. Se
formos os eternos acusadores, acabaremos com um gosto amargo na boca: o amargor
de nossas próprias palavras e sentimentos. Se não soubermos rir, se tivermos
desaprendido como dar uma boa risada, ficaremos com a cara hirta das máscaras
das cirurgias exageradas, dos remendos e intervenções para manter ou recuperar
a "beleza". A alma tem suas dores, e para se curar necessita de
projetos e afetos. Precisa acreditar em alguma coisa.
O projeto pode ser comprar um vaso de
flor e botar na janela ou na mesa, para contemplarmos beleza. Pode ser o
telefonema para o velho amigo enfermo. Pode ser a reconciliação com o filho que
nos magoou, ou com o pai que relegamos, quando não nos podia mais sustentar. O
afeto pode incluir uma pequena buldogue chamada Emily, para alegrar ainda mais
a casa, as pessoas, sobretudo as crianças, que estão sempre por aqui, o maior
presente de uma vida de apenas 70 anos.
Fonte:http://www.udemo.org.br/Leituras/Leituras_242.htm
Fonte da imagem:https://www.google.com/url?sa=i&url=https%3A%2F%2Fm.folha.uol.com.br%2Filustrada%2F2017%2F09%2F1921164-colecao-traz-perdas--ganhos-sucesso-editorial-da-gaucha-lya-luft.shtml&psig=AOvVaw11YjWXPUbX9V1FDO9wbGqg&ust=1606318335783000&source=images&cd=vfe&ved=0CAIQjRxqFwoTCMDO5KTAm-0CFQAAAAAdAAAAABAD
Questões
1) Quais são os pontos chaves que são abordados nesse artigo?
·
A
banalidade de fazer setenta anos.
·
O
modo como lidamos com a vida.
·
Vivemos
mais do que nossos antepassados.
·
Manter
o bom humor, a alegria de viver.
·
Se
formos eternos acusadores, acabaremos com amargor em nossas próprias palavras e
sentimentos.
· Precisamos ter projetos sempre.
2) As aspas empregadas em “dos remendos e intervenções para manter ou recuperar a “beleza”, permitem a leitura de uma crítica à ideia de que:
a)
Cada idade tem sua beleza própria.
b) A beleza só está
associada à juventude.
c)
A beleza interior deve valer mais do que a exterior.
d)
O conceito de beleza é subjetivo, bastante relativo.
e) Trabalhando a mente, o corpo fica belo.
A autora nos fala da
banalidade de se fazer setenta anos, uma vez que, nas últimas décadas, a
expectativa de vida aumentou significativamente em todo o mundo.
Que devemos ter sempre
projetos, pois eles nós irá impulsionar a olhar para frente, mesmo que seja
pequeno, e também manter o bom humor sempre.
·
Que
não iria fazer festa aos setenta anos, pois fazer setenta anos é uma
banalidade, e sim fazer uma festona aos oitenta anos.
·
Que
essa coisa de idade é fascinante: tem a ver com o modo como lidamos com a vida.
Sempre nosso olhar otimista ou pessimista.
6) Qual argumento mais convincente, na sua opinião, que o autor utiliza?
Resposta pessoal.
Sim, porque a autora
aborda um tema tão relevante de forma sutil e leve.
Já que hoje, graças aos
avanços da medicina moderna e também das iniciativas na área de saúde pública,
nos ajudam a viver mais do que nunca.
A controversa é que a
sociedade ainda não tem esse olhar para as pessoas com mais de sessenta anos,
imagine setenta.
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