Reportagem artigo: Coro que não se deve ouvir
Paulo César Vasconcellos
Ainda bem que alguns torcedores
europeus levam ao estádios o racismo que os alimenta nas refeições, nas orações
feitas todas as noites antes de dormir e na literatura consumida nos porões que
frequentam, disfarçados de domicílios, para reuniões de explícita intolerância.
Melhor que seja assim. Detesto comportamentos ocultos, dissimulados e
hipócritas.
Quando Roberto Carlos, melhor lateral
esquerdo do mundo e titular absoluto do time do Real Madri, é chamado de
“macaco” pelo coral de beócios das arquibancadas, o mundo se defronta com um
olhar tão míope quanto antigo e inaceitável: o preconceito de raça. A ofensa e
a humilhação a Roberto Carlos – tal e qual acontecera antes com Juan e Roque
Júnior, jogadores do Bayer Leverkusen, da Alemanha – mostram que o lado
humanista do homem anda para trás na mesma velocidade em que a tecnologia
avança. A agressão ao lateral atinge a todos os brasileiros. Cutuca o tumor
maligno de uma doença antiga e necessitada de tratamento diário: a intolerância
desses jovens aprisionados por ideias ridículas e alimentados pela pobreza
intelectual.
A agressão aos nossos jogadores, que
são chamados de macaco por torcedores nos estádios da Espanha, atinge a todos
os brasileiros.
Cenas
explícitas de racismo
O sujeito careca, baixinho, negro e
habituado a vestir a camisa da Seleção Brasileira há tempos é um verde e
amarelo em estado puro. Basta consultar a biografia dele. Faz parte daquela
camada da população acostumada a ouvir não para a saúde, a educação e a comida desde os tempos da
tataravó. Ofendê-lo é um desrespeito à história construída por Roberto Carlos
dentro do esporte. Trata-se de um ídolo. Capaz de levar multidões ao estádio,
inclusive o bando de idiotas que saiu do campo rouco de tanto ofendê-lo.
É bom deixar claro que as cenas
explícitas de racismo – há as implícitas e estas são as piores – não se
concentram nos brasileiros. Esta onda de ofensas aos jogadores negros avança
com a mesma velocidade com que desaparecem os neurônios desse pessoal. E não se
limitam à Espanha. Varrem a Europa, sob o olhar complacente da cartolagem, o
que aumenta a dose de inquietação.
É
preciso punição exemplar
Não dá mais para ninguém ficar calado.
O silêncio tem ajudado a encorpar a visão equivocada dessa tribo agressiva e
viúva de uma época dominada pela intolerância. Aumenta, em progressão
geométrica, o número de toscos defensores do segregacionismo. Mesmo assim ainda
é uma minoria e, portanto, o momento da reação faz-se mais do que necessário.
Há séculos, o negro não vai para o tronco, não viaja nos porões do navio e
tampouco é comercializado nas ruas. Há séculos, o negro anda de cabeça erguida,
levanta troféus, ganha chuteiras de ouro e faz História. Quem ainda não percebeu
a mudança no planeta – por não aceitar ou por falta de inteligência – está
condenado ao degredo. Merece ser preso e punido com rigor exemplar.
A diferença de pontos de vista passa
pela aceitação de todas as ideias. Mas o ódio é coisa de quem não sabe dialogar
e pensar. Todos devem gritar.
Revista Raça Brasil,
mar. 2005.
Fonte: Língua
Portuguesa. Viva Português. 9° ano. Editora Ática. Elizabeth Campos. Paula
Marques Cardoso. Silvia Letícia de Andrade. 2ª edição. 2011. P. 233-35.
Entendendo a reportagem:
01 – No artigo, fica clara a
crítica dirigida ao grupo de torcedores europeus. No caderno, identifique a
atitude que provocou a crítica.
Certos
torcedores, numa atitude racista e intolerante, chamaram em coro, num estádio
da Espanha, o jogador Roberto Carlos de macaco.
02 – Releia o início do
artigo e responda: Por que o articulista acha bom que os europeus levem o
racismo aos estádios?
O texto sugere
que apenas com uma atitude explícita de racismo torna-se possível a discussão clara
do tema e que isso é muito melhor do que o racismo oculto, dissimulado, com
cara de que não existe.
03 – Como forma de mostrar
sua indignação, Paulo César Vasconcellos emprega diversas expressões para
qualificar a atitude dos torcedores, o preconceito e a humanidade em geral. No
caderno, faça um levantamento de todas essas expressões, distribuindo-as num
quadro como este:
a) Expressões usadas para qualificar os torcedores e sua atitude racista.
Beócios; olhar míope, antigo, inaceitável; jovens aprisionados por
ideias ridículas e alimentados pela pobreza intelectual; bando de idiotas;
tribo agressiva e viúva de uma época dominada pela intolerância; toscos
defensores do segregacionismo; desaparecem os neurônios desse pessoal.
b) Expressões usadas para qualificar o preconceito.
Tumor maligno; doença antiga e necessitada de tratamento diário;
esta onda de ofensas aos jogadores negros avança com a mesma velocidade com que
desaparecem os neurônios desse pessoal.
c) Expressões usadas para qualificar o comportamento humano.
O lado humanista do homem anda para trás na mesma velocidade em que
a tecnologia avança.
04 – Agora, faça um
levantamento das referências usadas para qualificar o jogador Roberto Carlos.
Melhor lateral
esquerdo do mundo; Titular absoluto do time do Real Madrid; Careca, baixinho,
negro, um verde e amarelo em estado puro; é da camada da população que não teve
direito a nada; trata-se de um ídolo, capaz de levar multidões ao estádio.
05 – No caderno, destaque o
trecho em que o articulista faz referência aos negros.
“Há séculos, o
negro não vai para o tronco, não viaja nos porões do navio e tampouco é
comercializado nas ruas. Há séculos, o negro anda de cabeça erguida, levanta
troféus, ganha chuteiras de ouro e faz História.”.
06 – Reveja o conjunto de
características atribuídas aos torcedores europeus, a Roberto Carlos e aos
negros.
a) Que características as palavras atribuídas aos torcedores europeus destacam?
A burrice, a pobreza intelectual.
b) Que característica as palavras atribuídas a Roberto Carlos destacam?
Destacam o lugar de ídolo que ele ocupa no esporte.
c) Que característica as palavras atribuídas ao negro destacam?
Destacam a atual dignidade do negro.
07 – O articulista não usa
argumentos de autoridade (depoimentos de especialistas, resultados de
pesquisas, etc.), mas envolve o leitor adotando os recursos usados pelos
próprios torcedores europeus. Com base nas respostas anteriores, responda no
caderno:
a) O título do texto é “Coro que não se deve ouvir”. Que coro não deve ser ouvido?
O coro de torcedores que ofendem jogadores negros com termos
racistas e preconceituosos.
b) O texto termina com a frase “Todos devem gritar”. O que todos devem gritas? Comprove sua resposta com uma frase do texto.
Todos devem gritar contra a intolerância e o comportamento racista.
Todos devem se indignar e denunciar o preconceito. “Não dá mais para ninguém
ficar calado. O silêncio tem ajudado a encorpar a visão equivocada dessa tribo
agressiva e viúva de uma época dominada pela intolerância”.
c) Explique em que medida a frase: “Todos devem gritar” adota o mesmo recurso usado pelos torcedores europeus para ofender os jogadores negros.
Paulo César Vasconcellos pede um coro contra o racismo e a
intolerância, assim como foi usado um coro para ofender Roberto Carlos e outros
jogadores negros.
d) Para tornar clara sua indignação, o autor emprega expressões que relacionam as atitudes preconceituosas à burrice, à idiotice, à pobreza intelectual, enfim, à falta de inteligência. Em que medida esse recurso se assemelha àqueles usados pelos torcedores?
Assim como os torcedores ofenderam os jogadores chamando-os de
“macacos”, Paulo César Vasconcellos opta por ofendê-los chamando-os de
atrasados, burros, donos de ideias ridículas, etc.
e) Responder a uma ofensa com outra ofensa normalmente só serve para alimentar os ódios. Na sua opinião, o que diferenciaria as ofensas feitas pelos torcedores das ofensas de Paulo César?
Resposta pessoal do aluno.
f) Ao chamar os jogadores negros de “macacos”, os torcedores europeus sugerem que são uma raça superior. De que modo Paulo César, em seu texto, responde a essa ofensa?
Paulo César opõe a biografia de Roberto Carlos e a dignidade dos
negros, sua história de conquistas e vitórias à falta de inteligência das
pessoas que ainda não perceberam ou não aceitaram essa realidade.
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