Divulgação Científica: Como, onde e quando nasceu a
língua portuguesa? – Fragmento
Ataliba T. de Castilho (USP, CNPq)
[...]
Para saber como, onde e quando nasceu a
Língua Portuguesa, precisaremos em primeiro lugar entender o que é a Europa
Latina.
Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhWH8-7IStAW0mwItCkWDRzc3wmIQsaTozyvU2rjoxJs4Y6rdCFvHPC54IK8faUp1CBIyqp3RXVB1ctcYvRPAY8Fexm5AwKt0YnNxRbfrA1Qhmnr2nmVRcZ-TEJHksjPQAFWgLEFkwnGOcG4tXdo2Ffy6vVDhA-aoxVz92Z34iSbYMz9KId-molIT4uRss/s320/maxresdefault.jpg
[...]
Tópico
1
Pra começo de conversa, você sabia que
existe a América Latina, mas sabia também que existe uma Europa Latina? Pois é,
além de América Latina também existe uma Europa Latina. É isso mesmo, só que ao
contrário. É porque existiu uma Europa Latina que temos hoje uma América
Latina, onde se falam o Português, o Espanhol e o Francês, trazidos pelos
colonizadores.
A Europa Latina é a parte europeia do
que sobrou do Império Romano. O Império Romano desapareceu enquanto organização
política e administrativa, mas sua cultura continua viva, sendo cultivada, por
exemplo, aqui no Brasil! Daí a importância em conhecer a Europa Latina.
[...]
Tópico
2
Os romanos invadiram a Península
Ibérica entre 197 antes de Cristo e 400 depois de Cristo. Quem diria, dois mil
anos mais tarde, nós aqui no Brasil estamos falando uma língua latina! Quando
os romanos conquistaram a Península Ibérica eles atiraram (lanças e flechas) no
que viam (os coitados dos ibéricos) e acertaram no que não viam (os povos da
América Latina).
[...]
Mas enfim, o que levou os romanos a
invadirem a Península Ibérica foi uma razão tão simples quanto antiga: a
ambição humana.
[...]
O sul da Península foi rapidamente
submetido, mas o norte e o centro permaneceram por muito tempo na mão dos
antigos donos do negócio. O norte foi particularmente resistente, graças à
chefia de Viriato, chefe dos Lusitanos. Em 139 a.C. eles foram atraiçoados e
eliminados pelos romanos. Um ano antes tinha sido fundada a cidade de Felicitas
Julia Olisipo, atual Lisboa.
[...]
A Hispânia Citerior foi colonizada por
militares, tendo-se ali desenvolvido uma cultura mais rural, menos desenvolvida
economicamente, mais ligada a Roma, de onde era accessível por terra. Em consequência,
o Castelhano ou Espanhol, ali desenvolvido, seria mais inovador, transformando
mais fortemente o Latim Vulgar. O Catalão se constitui num caso à parte, com
sua natureza de “língua-ponte”, assumindo propriedades linguísticas da
Ibero-România e da Galo-România: Baldinger (1962).
[...]
Tópico
3
Agora que ficou clara a importância do
Latim Vulgar, seria o caso de ler algum texto escrito nessa língua.
Pois
é, meu caro, desta vez não vai dar! O Latim Vulgar era só falado, e falado por
quem não dominava a escrita – sendo que naqueles tempos, ainda por cima, poucos
indivíduos dominavam a escrita. Para piorar as coisas, os japoneses ainda não
tinham inventado o gravador eletrônico portátil. O jeito então é comparar as
línguas românicas entre si, pois sendo descendentes do Latim Vulgar, guardaram
traços dele. É como diziam os antigos: “quem sai aos seus não degenera”. [...]
Para ajudar na reconstituição do Latim
Vulgar, também se pode buscar por aí um ou outro texto latino que tenha
documentado essa variedade, como as comédias romanas, as inscrições em
arcos-do-triunfo e em pedras tumulares, os grafitti em paredes que tenham
sobrevivido (como em Pompéia, por exemplo), e por aí vai. Mas é preciso tomar
cuidado com esses testemunhos, pois é evidente que quem os escreveu sabia Latim
Culto, e pode ter misturado sem querer as duas variedades.
[...]
Tópico
4
A latinização da Península Ibérica
pelos romanos e a existência de povos e culturas pré e pós-romanos no
território criaram as condições para o surgimento do Português. Vamos ver isso
passo a passo. A expansão romana pela Europa teria como resultado o surgimento
de um grande conjunto de línguas, denominadas línguas românicas, derivadas do
Latim Vulgar. Entre os últimos tempos do Latim e o surgimento das línguas
românicas, aproximadamente entre os anos 600 e 1000, falou-se na Europa o
Romance. [...]
Subtópico
4.1
Os cidadãos romanos tinham consciência
das variedades de Latim que estavam usando, tal como hoje, quando distinguimos
o Português Culto do Português Popular. Naquele tempo, as variedades do Latim
eram reconhecidas e designadas pelas expressões latine loqui, isto é, falar
Latim Culto, e romanice loqui, isto é, falar o Latim Vulgar dialetado que se
espalharia pela Europa.
O advérbio romanice, que aparece na
expressão romanice loqui, mudaria foneticamente para Romance, passando a
designar primeiramente a resultante europeia da dialetação do Latim Vulgar por
toda a Europa Latina, e posteriormente um gênero literário – precisamente as
narrativas redigidas nessa língua, intermediária entre o Latim Vulgar e as
futuras línguas românicas. É no primeiro desses sentidos que se toma aqui a
palavra Romance.
O período Romance não é conhecido em
detalhes. Tudo o que se sabe é que o Romance variava geograficamente, e já não
podia mais ser considerado como Latim, dadas as profundas alterações operadas
na gramática da língua de Roma, nem era ainda algumas das línguas românicas que
hoje conhecemos. A própria duração do Romance variou no tempo: na França, ele
parece ter sido extinto em 800, quando surge o primeiro documento em Francês,
os Juramentos de Estrasburgo, de 838. Na Ibéria o “prazo de validade” do
Romance foi mais extenso, e ele deve ter sobrevivido até 1100. Você sabe, os
bons ares do lugar, o azeite, o queijo e o vinho...
[...]
Subtópico
4.3
A Ibéria não era nenhum deserto humano
quando os Romanos chegaram. Eles encontraram aqui os Bascos ou Iberos, aquele
povo não Indoeuropeu, e ainda os Celtas, os Ambroilírios, os Fenícios ou
Cartagineses (a quem derrotaram) e os Gregos.
[...]
Nenhum desses povos conseguiu preservar
sua língua diante do avanço romano, com exceção dos Bascos. O Latim Vulgar
receberia deles contribuições lexicais, tendo preservado sua morfologia e sua
sintaxe. É por isso que o Galego, o Português e o Castelhano mantêm até hoje
uma gramática neolatina.
[...]
Subtópico
4.4
A Península Ibérica não virou um
paraíso na terra só porque os romanos tinham chegado e tomado conta do pedaço.
Estavam os descendentes dos romanos
muito felizes com suas novas propriedades hispânicas, quando o lugar entrou na
mira dos germanos. Logo os germanos, que tanta confusão já tinham armado no
coração mesmo do Império, e que acabariam por dar-lhe fim, em 497 d.C.! Mas não
apenas os germanos fizeram estripulias no lugar! Mal começada a Era Moderna, lá
vieram os Árabes acabar com a graça dos descendentes dos invasores germânicos.
[...]
Tópico 6
O Português Arcaico foi falado e
escrito entre os sécs. XIII e XVI, mais precisamente, até o ano de 1540.
Se há um assunto complicado é o da
datação das línguas e das fases históricas pelas quais elas passaram. Pense um
pouco. A história dos povos exige datas, afinal ela é uma narrativa de eventos
que se dispõem na linha do tempo. Até aí tudo bem. O problema é que na história
das línguas só podemos datá-las através de documentos nos quais elas apareçam
escritas. Ora, quando uma dada língua chega a ser escrita, é por que já vinha
sendo falada há muito tempo! Há quanto tempo? Impossível saber. De modo que
vamos olhar estas datas todas com um pé atrás, entendendo que elas são
aproximativas.
Neste quadro de dificuldades, diversos
autores têm trabalhado com a hipótese de que o Português surgiu quando se
deixou de escrever documentos no Romance do Noroeste da Península, adotando-se
a língua que decerto já vinha sendo falada há tempos. Ora, isso se deu por
volta de 1200, talvez um pouco antes, isto é, entre o séc. XII e o séc. XIII.
Logo, podemos dizer – até que se descubram documentos mais antigos – que o
Português se formou nessa data, e que portanto já existe há 800 anos. Velhinho,
hein? Pois não é não. O Francês é pouco mais de três séculos mais velho, e o
Castelhano existe desde 900 e tal. Imagine então a idade das línguas da Índia,
da China e do Japão!
[...]
Tópico
7
Levou tempo para que se tomasse
consciência do Português como uma nova língua. Tiveram importância nesse ofício
duas instituições, que agiram como centros irradiadores de cultura na Idade
Média: os mosteiros, onde se levavam a cabo traduções de obras latinas,
francesas e espanholas (Mosteiros de Santa Cruz e Alcobaça) e a Corte, para a
qual convergiam os interesses nacionais. Escreviam ali fidalgos e trovadores,
aprimorando a língua literária.
Constituída essa consciência linguística,
passamos ao século XVI, quando o debate hoje rotulado como “a questão da
língua”, além da publicação das primeiras gramáticas e dicionários, focalizaram
a importância do Português, sua expansão e sua oposição ao castelhano.
Gramáticos portugueses dos séculos XVI
e XVII proclamam as virtudes da língua pátria, capaz de veicular quaisquer
tipos de sentimentos e arrazoados. Eles se opunham àqueles que julgavam as
línguas românicas veículos toscos, insuficientes para as altas criações do espírito.
E aqui entra Camões, com seus célebres versos.
E
na língua, na qual quando imagina
Com pouca corrupção crê que é a Latina (Lus.
I, 33)
A ninguém passou despercebida a relação
entre a expansão do Império e a Língua Portuguesa, que seria levada aos quatro
cantos do mundo. Escritos evidenciam essa percepção, como se pode ler nos
primeiros gramáticos, um dos quais, João de Barros, escreveu as Décadas da
Ásia, em que trata igualmente do assunto.
[...]
Finalmente, o Romantismo vem encontrar
os gramáticos atentos ao gênio da língua e ao papel do povo em sua elaboração.
Já agora a questão da língua é entregue à ciência, personificada em Francisco
Adolfo Coelho, fundador da Linguística Portuguesa. A história da língua passa a
incorporar a língua não escrita. E nisto estamos.
[...]
Ataliba T. de Carvalho.
Como, onde e quando nasceu a língua portuguesa? Disponível em: http://www.museudalinguaportuguesa.org.br/files/mlp/texto_9.pdf.
Acesso em: 3 fev. 2015. p. 01-36.
Fonte: Universos –
Língua Portuguesa – Ensino fundamental – Anos finais – 8º ano – Camila Sequetto
Pereira; Fernanda Pinheiro Barros; Luciana Mariz. Edições SM. São Paulo. 3ª
edição, 2015. p. 25-28.
Entendendo a divulgação:
01 – O que é a Europa Latina e
qual sua importância para a língua portuguesa?
A Europa Latina é
a parte europeia que restou do Império Romano. É importante porque, embora o
Império Romano tenha desaparecido como organização política, sua cultura
continuou viva, e foi dela que se originaram as línguas latinas, incluindo o
português.
02 – Quando e como os romanos
invadiram a Península Ibérica?
Os romanos
invadiram a Península Ibérica entre 197 a.C. e 400 d.C. O motivo principal
dessa invasão foi a ambição humana, e eles gradualmente submeteram a região,
enfrentando resistência no norte, como a liderada por Viriato.
03 – Qual era a diferença
entre Latim Culto e Latim Vulgar?
O Latim Culto era
a variedade formal da língua, dominada pela escrita e usada por aqueles com
educação. O Latim Vulgar, por sua vez, era a língua falada cotidianamente pelas
pessoas que, em sua maioria, não dominavam a escrita, e foi essa variedade que
se espalhou e deu origem às línguas românicas.
04 – Por que é difícil estudar
o Latim Vulgar diretamente através de textos?
É difícil estudar
o Latim Vulgar diretamente porque ele era uma língua essencialmente falada e
utilizada por pessoas que não dominavam a escrita. Os textos latinos que
sobreviveram são geralmente em Latim Culto, e mesmo quando há vestígios do
Latim Vulgar (como em comédias romanas ou grafites), é preciso cautela, pois os
autores podiam misturar as variedades.
05 – O que foi o período
"Romance" na formação das línguas românicas?
O período Romance
foi uma fase intermediária, aproximadamente entre os anos 600 e 1000 d.C.,
entre o Latim Vulgar e o surgimento das línguas românicas. Nesse período, o
Latim Vulgar já havia sofrido profundas alterações gramaticais e geográficas,
mas ainda não era nenhuma das línguas românicas que conhecemos hoje.
06 – Quando se estima que o
português "nasceu" como uma língua distinta?
Estima-se que o português se formou por
volta de 1200 d.C., ou seja, entre os séculos XII e XIII. Essa data é
aproximada, marcada pelo momento em que documentos deixaram de ser escritos no
Romance do Noroeste da Península e a língua que já era falada passou a ser
registrada.
07 – Quais povos habitavam a
Península Ibérica antes da chegada dos romanos, e qual deles conseguiu
preservar sua língua?
Antes dos
romanos, a Península Ibérica era habitada por povos como os Bascos (ou Iberos),
Celtas, Ambroilírios, Fenícios (ou Cartagineses) e Gregos. Desses, apenas os
Bascos conseguiram preservar sua língua diante do avanço romano.
08 – Como a invasão dos povos
germânicos e árabes influenciou a Península Ibérica após a romanização?
Após a
romanização, a Península Ibérica foi invadida pelos germanos, que
desestabilizaram o Império Romano. Mais tarde, com o início da Era Moderna, os
árabes também invadiram a região, alterando ainda mais o cenário cultural e
linguístico.
09 – Quais instituições foram
importantes para a tomada de consciência do português como uma nova língua na
Idade Média?
Duas instituições foram cruciais: os
mosteiros (como os de Santa Cruz e Alcobaça), que realizavam traduções e
disseminavam cultura, e a Corte, para onde convergiam os interesses nacionais e
onde fidalgos e trovadores aprimoravam a língua literária.
10 – Qual o papel de autores
como Camões e João de Barros na valorização da língua portuguesa?
Autores como
Camões e João de Barros desempenharam um papel fundamental na valorização do
português. No século XVI, eles e outros gramáticos proclamaram as virtudes da
língua pátria, defendendo sua capacidade de expressar sentimentos e ideias
complexas, opondo-se àqueles que a consideravam inferior. João de Barros, em
suas Décadas da Ásia, também evidenciava a relação entre a expansão do Império
Português e a disseminação da língua.