quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

POEMA: CASO PLUVIOSO - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - COM GABARITO

Poema: Caso pluvioso
                Carlos Drummond de Andrade

A chuva me irritava.
Até que um dia descobri que Maria é que chovia.
A chuva era Maria.
E cada pingo de Maria ensopava o meu domingo.
E meus ossos molhando, me deixava
Como terra que a chuva lavra e lava.
Eu era todo barro, sem verdura…
Maria, chuvosíssima criatura!
Ela chovia em mim, em cada gesto,
Pensamento, desejo, sono, e o resto.
Era chuva fininha e chuva grossa,
Matinal e noturna, ativa…Nossa!
Não me chovas, Maria, mais que o justo
Chuvisco de um momento, apenas susto.
Não me inundes de teu líquido plasma,
Não sejas tão aquático fantasma!
Eu lhe dizia em vão – pois que Maria
Quanto mais eu rogava, mais chovia.
E chuveirando atroz em meu caminho,
O deixava banhado em triste vinho,
Que não aquece, pois água de chuva
Mosto é de cinza, não de boa uva.
Chuvadeira Maria, chuvadonha,
Chuvinhenta, chuvil, pluvimedonha!
Eu lhe gritava: Para! e ela chovendo,
Poças d’água gelada ia tecendo.
Choveu tanto Maria em minha casa
Que a correnteza forte criou asa
E um rio se formou, ou mar, não sei,
Sei apenas que nele me afundei.
E quanto mais as ondas me levavam,
As fontes de Maria mais chuvavam,
De sorte que com pouco, e sem recurso,
As coisas se lançaram no seu curso,
E eis o mundo molhado e sovertido
Sob aquele sinistro e atroz chuvisco.
Os seres mais estranhos se juntando
Na mesma aquosa pasta iam clamando
Contra essa chuva estúpida e mortal
Catarata (jamais houve outra igual).
Anti-petendam cânticos se ouviram.
Que nada! As cordas d’água mais deliram,
E Maria, torneira desatada,
Mais se dilata em sua chuvarada.
Os navios soçobram. Continentes
Já submergem com todos os viventes,
E Maria chovendo. Eis que a essa altura,
Delida e fluida a humana enfibratura,
E a terra não sofrendo tal chuvência,
Comoveu-se a Divina Providência,
E Deus, piedoso e enérgico, bradou:
Não chove mais, Maria! – e ela parou.

                           Carlos Drummond de Andrade. Viola de bolso. São Paulo: Companhia das Letras.
Entendendo o poema:

01 – O verbo chover normalmente é utilizado para designar um fenômeno da natureza; por isso, é classificado como impessoal e é utilizado em orações sem sujeito. No entanto, no poema ele é empregado com um papel diferente. Identifique em cada um dos versos a seguir o sujeito a que o verbo chover se refere.
a)   “Até que um dia descobri que Maria é que chovia.” Maria.
b)   “Ela chovia em mim, em cada gesto,” ela.
c)   “Não me chovas, Maria, mais que o justo” tu (desinencial).
d)   “Quanto mais eu rogava, mais chovia.” Maria.

02 – Interprete: Por que o eu lírico transfere a Maria os atributos da chuva?
      Porque ele sente a presença de Maria na vida dele como uma chuva ininterrupta, permanente, que o inunda e tira sua tranquilidade.

03 – Crie uma frase em que o verbo chover seja impessoal.
      Resposta pessoal do aluno.

04 – Para realçar a expressividade no texto, o autor emprega palavras como “chuvadeira”, “chuvadonha”, “chuvinhenta”, “chuvil” e “pluvimedonha” na intenção de:
     a) ressaltar termos em desuso na língua.
     b) reforçar a recorrência de termos com sentidos semelhantes.
     c) suprir a necessidade de um sentido ideal para termos existentes.
     d) especificar novos conceitos por meio da renovação vocabular.
     e) incorporar novos termos ao léxico da língua.

05 – Você já deve ter ouvido frases como estas:
A gente brigamos muito.
A gente saímos na frente.

Agora responda:
a)   Qual é o sujeito dessas orações?
A gente.

b)   Qual é o núcleo desse sujeito?
Gente.

c)   Na norma-padrão da língua, construções como essas são consideradas inadequadas. Explique por quê?
Porque o verbo não concorda com o sujeito em número e pessoa.

d)   Levante hipóteses: Por que popularmente se usa o verbo no plural, mesmo o sujeito estando no singular?
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Porque “a gente” dá ideia de mais de uma pessoa.

e)   Reescreva as frases de acordo com a norma-padrão.
A gente briga muito – Nós brigamos muito.
A gente saiu na frente – Nós saímos na frente.


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