quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

FÁBULA: A PIPA E A FLOR - RUBEM ALVES - COM QUESTÕES GABARITADAS

FÁBULA: A PIPA E A FLOR
            
                       Rubem Alves

        Era uma vez uma pipa. 
    O menino que a fez estava alegre e imaginou que a pipa também estaria. Por isso fez nela uma cara risonha, colando tiras de papel de seda vermelho: dois olhos, um nariz, uma boca...
      Ô pipa boa: levinha, travessa, subia alto...
    Gostava de brincar com o perigo, vivia zombando dos fios e dos galhos das árvores.
        -- “Vocês não me pegam, vocês não me pegam...”
        E enquanto ria sacudia o rabo em desafio.
        Chegou até a rasgar o papel, num galho que foi mais rápido, mas o menino consertou, colando um remendo da mesma cor.
Mas aconteceu que num dia, ela estava começando a subir, correndo de um lado para o outro no vento, olhou para baixo e viu, lá num quintal, uma flor. Ela já havia visto muitas flores. Só que desta vez os seus olhos e os olhos da flor se encontraram, e ela sentiu uma coisa estranha. Não, não era a beleza da flor. Já vira outras, mais belas. Eram os olhos...
        Quem não entende pensa que todos os olhos são parecidos, só diferentes na cor. Mas não é assim. Há olhos que agradam, acariciam a gente como se fossem mãos. Outros dão medo, ameaçam, acusam, quando a gente se percebe encarados por eles, dá um arrepio ruim no corpo. Tem também os olhos que colam, hipnotizam, enfeitiçam...
        Ah! Você não sabe o que é enfeitiçar?!
        Enfeitiçar é virar a gente pelo avesso: as coisas boas ficam escondidas, não têm permissão para aparecer; e as coisas ruins começam a sair. Todo mundo é uma mistura de coisas boas e ruins; às vezes a gente está sorrindo, às vezes a gente está de cara feia.
        Mas o enfeitiçado fica sendo uma coisa só...
        Pois é, o enfeitiçado não pode mais fazer o que ele quer, fica esquecido de quem ele era...
        A pipa ficou enfeitiçada. Não mais queria ser pipa. Só queria ser uma coisa: fazer o que a florzinha quisesse. Ah! Ela era tão maravilhosa! Que felicidade se pudesse ficar de mãos dadas com ela, pelo resto dos seus dias...
        E assim, resolver mudar de dono. Aproveitando-se de um vento forte, deu um puxão repentino na linha, ela arrebentou e a pipa foi cair, devagarzinho, ao lado da flor.
        E deu a sua linha para ela segurar. Ela segurou forte.
        Agora, sua linha nas mãos da flor, a pipa pensou que voar seria muito mais gostoso. Lá de cima conversaria com ela, e ao voltar lhe contaria estórias para que ela dormisse. E ela pediu:
        -- “Florzinha, me solta...” E a florzinha soltou.
        A pipa subiu bem alto e seu coração bateu feliz. Quando se está lá no alto é bom saber que há alguém esperando, lá embaixo.
Mas a flor, aqui de baixo, percebeu que estava ficando triste. Não, não é que estivesse triste. Estava ficando com raiva. Que injustiça que a pipa pudesse voar tão alto, e ela tivesse de ficar plantada no chão. E teve inveja da pipa.
        Tinha raiva ao ver a felicidade da pipa, longe dela... Tinha raiva quando via as pipas lá em cima, tagarelando entre si. E ela flor, sozinha, deixada de fora.
        -- “Se a pipa me amasse de verdade não poderia estar feliz lá em cima, longe de mim. Ficaria o tempo todo aqui comigo...”
        E à inveja juntou-se o ciúme.
        Inveja é ficar infeliz vendo as coisas bonitas e boas que os outros têm, e nós não. Ciúme é a dor que dá quando a gente imagina a felicidade do outro, sem que a gente esteja com ele.
E a flor começou a ficar malvada. Ficava emburrada quando a pipa chegava. Exigia explicações de tudo. E a pipa começou a ter medo de ficar feliz, pois sabia que isto faria a flor sofrer. 
        E a flor aos poucos foi encurtando a linha. A pipa não podia mais voar.
        Via ali do baixinho, de sobre o quintal (esta essa toda a distância que a flor lhe permitia voar) as pipas lá em cima... E sua boca foi ficando triste. E percebeu que já não gostava tanto da flor, como no início...
        Essa história não terminou. Está acontecendo bem agora, em algum lugar... E há três jeitos de escrever o seu fim. Você é que vai escolher.
        Primeiro: A pipa ficou tão triste que resolveu nunca mais voar.
        -- “Não vou te incomodar com os meus risos, Flor, mas também não vou te dar a alegria do meu sorriso”.
        E assim ficou amarrada junto à flor, mas mais longe dela do que nunca, porque o seu coração estava em sonhos de voos e nos risos de outros tempos.
        Segundo: A flor, na verdade, era uma borboleta que uma bruxa má havia enfeitiçado e condenado a ficar fincada no chão. O feitiço só se quebraria no dia em que ela fosse capaz de dizer não à sua inveja e ao seu ciúme, e se sentisse feliz com a felicidade dos outros. E aconteceu que um dia, vendo a pipa voar, ela se esqueceu de si mesma por um instante e ficou feliz ao ver a felicidade da pipa. Quando isso aconteceu, o feitiço se quebrou, e ela voou, agora como borboleta, para o alto, e os dois, pipa e borboleta, puderam brincar juntos...
        Terceiro: a pipa percebeu que havia mais alegria na liberdade de antigamente que nos abraços da flor. Porque aqueles eram abraços que amarravam. E assim, num dia de grande ventania, e se valendo de uma distração da flor, arrebentou a linha, e foi em busca de uma outra mão que ficasse feliz vendo-a voar nas alturas.

                                Rubens Alves, A pipa e a flor. São Paulo, Loyola, s/d.,3ª edição.
Entendendo o texto:
01 – Responda com base no texto:
a) O que a pipa sentiu quando subiu bem alto?
      Sentiu-se levinha, travessa, subir alto...

b) Para a pipa, o que era bom saber quando estava lá no alto?
      Ele gostava de brincar com o perigo, zombando dos fios e dos galhos de árvore.

c) Quem, lá embaixo, esperava a pipa?
      A flor, sua amada.

02 – Complete as frases com as palavras do quadro, de acordo com o texto: Ciúme – Triste – Inveja – Raiva.
a)      A flor percebeu que estava ficando triste.
b)      Ela estava também com raiva.
c)      E teve inveja da pipa.
d)     E a inveja juntou-se o ciúme.

03 – Complete as duas frases do texto que mostram as razões de a flor ficar com tanta raiva da pipa:
a) Tinha raiva ao ver a felicidade da pipa, longe dela...
b) Tinha raiva quando via as pipas lá em cima, tagarelando entre si.

04 – Copie do texto o que a flor pensava quando a pipa estava longe dela:
      “Se a pipa me amasse de verdade não poderia estar feliz lá.

05 – O que o narrador escreveu sobre:
a) A inveja
      “Inveja é ficar infeliz vendo as coisas bonitas e boas que os outros têm, e nós não.”

b) O ciúme
      “É a dor que dá quando a gente imagina a felicidade do outro, sem que a gente esteja com ele.”

06 – Complete as frases com as alternativas que caracterizam a flor e a pipa:
a) a flor começou a ficar
(  )arrependida                                
(  ) bondosa                          
(X) malvada.

07 – Por que a pipa não podia mais voar?
      Porque a flor aos poucos foi encurtando a linha.

08 – Qual foi o sentimento da pipa em relação à flor, quando via as outras pipas voando lá em cima?
      A sua boca foi ficando triste. E percebeu que já não gostava tanto da flor como no início.

09 – O que você faria se estivesse no lugar da flor?
      Resposta pessoal do aluno.

10 – Quem é o autor dessa história?
      Rubens Alves.

11 – Quem são os participantes do texto e suas características pessoais?
      O menino, a pipa e a flor.

12 – O autor nos dá três possibilidades para finalizarmos o texto. Qual você considera mais adequado? Por quê?
      Resposta pessoal do aluno.


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