quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

CRÔNICA: CHUVA COM LEMBRANÇAS - CECÍLIA MEIRELES - COM GABARITO

Crônica: Chuva com Lembranças


        COMEÇAM a cair uns pingos de chuva. Tão leves e raros que nem as borboletas ainda perceberam, e continuam a pousar, às tontas, de jasmim em jasmim. As pedras estão muito quentes, e cada gota que cai logo se evapora. Os meninos olham para o céu cinzento, estendem a mão — e vão tratar de outra coisa. (Como desejariam pular em poças d’água! — Mas a chuva não vem...)


        Nas terras secas, tanta gente, a esta hora, estará procurando também no céu um sinal de chuva! E, nas terras inundadas, quanta gente a suspirar por um raio de sol!
        Penso em chuvas de outrora: chuvas matinais, que molham cabelos soltos, que despencam as flores das cercas, entram pelos cadernos escolares e vão apagar a caprichosa caligrafia dos exercícios.
        Chuvas de viagens: tempestades na Mantiqueira, quando nem os ponteiros dos para-brisas dão vencimento à água; quando apenas se avista, recortada na noite, a paisagem súbita e fosfórea mostrada pelos relâmpagos. Catadupas despenhando sobre Veneza, misturando o céu e os canais numa água única, e transformando o Palácio dos Doges num imenso barco mágico, onde se movem, pelos tetos e paredes, os deuses do paganismo e os santos cristãos. Chuva da Galileia, salpicando as ruas pobres de Nazaré, regando os campos virentes, toldando o lago de Tiberíades coberto ainda pelo eterno olhar dos Apóstolos. Chuva pontual sobre os belos campos semeados da França, e na fluida paisagem belga, por onde imensos cavalos sacodem, com displicente orgulho, a dourada crina...
        Chuvas antigas, nesta cidade nossa, de perpétuas enchentes: a de 1811, que, com o desabamento de uma parte do morro do Castelo, soterrou várias pessoas, arrastou pontes, destruiu caminhos e causou tal pânico que durante sete dias as igrejas e capelas estiveram abertas, acesas, com os sacerdotes e o povo a implorarem a misericórdia divina. Uma, de 1864, que Vieira Fazenda descreve minuciosamente, com árvores arrancadas, janelas partidas, telhados pelos ares, desastres no mar e “vinte mil Lampiões da iluminação pública completamente inutilizados”.
        Chuvas modernas, sem trovoada, sem igrejas em prece, mas com as ruas igualmente transformadas em rios, os barracos a escorregarem pelos morros, barreiras, pedras, telheiros a soterrarem pobre gente. Chuvas que interrompem estradas, estragam lavouras, deixam na miséria aqueles justamente que desejariam a boa rega do céu para a fecundidade de seus campos.
        Por enquanto, caem apenas algumas gotas daqui e dali. Nem as borboletas ainda percebem. Os meninos esperam em vão pelas poças d’água onde pulariam contentes. Tudo é apenas calor e céu cinzento, um céu de pedra onde os sábios e avisados tantas coisas liam outrora:
        "São Jerônimo, Santa Bárbara Virgem, lá no céu está escrito, entre a cruz e a água benta:
        Livrai-nos, Senhor, desta tormenta!”
Cecília Meireles, Escolha o seu sonho, 7ª ed. Rio de Janeiro: Record.
Entendendo a crônica:

01 – As informações do primeiro parágrafo – “Começam a cair uns pingos de chuva. Tão leves e raros… – e – Os meninos olham para o céu cinzento…” – mostram que a chuva:
a) está por vir.    
b) será passageira.       
c) não é esperada.       
d) trouxe estragos.

02 – Ainda no primeiro parágrafo o narrador destaca:
a) A natureza, com suas flores e borboletas raras.   
b) As crianças ansiosas que esperam pela chuva.
c) O calor que havia naquele momento.                     
d) Uma tímida ameaça de chuva.

03 – Por que depois de olhar para o céu e estender a mão, os meninos vão fazer outra coisa?
      Porque não vai chover.

04 – A que época da vida do narrador corresponderiam “as chuvas de outrora”?
      Na época em que ele ia para a escola. Na parte da manhã.

05 – A intenção do texto é:
a) mostrar que ninguém se importa com a chuva.
b) comentar como é a chuva na sua velhice.
c) registrar com sensibilidade os efeitos da chuva.
d) combater a ideia de que a chuva seja importante.

06 – A expressão “chuvas matinais” significa:
a) Chuvas constantes.                                    
b) Chuvas de maio  
c) Chuvas de domingo.                                  
d) Chuvas da manhã.

07 – As informações do segundo parágrafo – “Nas terras secas, tanta gente a esta hora está procurando, também, no céu um sinal de chuva! E nas terras inundadas, quanta gente estará suspirando por um raio de sol!” – deixam claro que o mundo convive com:
a) a satisfação com o clima em diferentes regiões.       
b) a invariabilidade climática.
c) um padrão climático equilibrado.                       
d) as contradições das condições climáticas.

08 – No 4º parágrafo qual o significado do trecho “quando nem os ponteiros do para-brisa dão conta do vencimento à água”?
      Por ser tratar de uma tempestade, nem o limpador vence tirar a água.

09 – A expressão “um céu de pedra”, no penúltimo parágrafo do texto, está empregada em sentido:
a) figurado, indicando a chegada de uma chuva rápida.
b) figurado, indicando a possibilidade de uma chuva intensa.
c) próprio, indicando a probabilidade de uma chuva forte.
d) figurado, indicando a certeza de uma chuva leve e passageira.

10 – As informações do texto mostram que, na cidade da autora:
a) não chove por causa do frio.                       
b) as enchentes ainda acontecem.
c) deixou de chover depois de 1811.              
d) as chuvas destruíram as igrejas.

11 – Assinale a alternativa que apresenta erro de grafia:
a) Depois de um dia chuvoso, as crianças puderam sair de casa.
b) Havia, na sua lembrança, uma chuva muito fina que caía sobre a grama do jardim.
c) Os estragos causados pela tempestade foram terríveis.
d) A chuva não vinha, mais ele não perdia as esperanças.

12 – De acordo com o texto, as chuvas antigas inspiravam nas pessoas:
a) a revolta imediata.                                    
b) a descrença generalizada.
c) o desejo de se mudarem.                         
d) o conforto da religião.

13 – No período – “… nem as borboletas ainda perceberam, e continuam a pousar” – (1.º parágrafo), a conjunção “e” expressa sentido de:
a) adição.    
b) oposição.    
c) finalidade.       
d) condição.

14 – Com que finalidade as pessoas pediam ajuda aos santos como Santa Bárbara e São Jerônimo?
      Santa Barbara é a protetora das tempestades, trovoadas.
      São Jerônimo que imortalizou pelos estudos da Santa Bíblia, é considerado “Doutor máximo das Escrituras”.


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