Conto: À
margem da linha
Uma tempestade, mesmo à luz do dia, é
sempre assustadora, mas só à noite ela assume seus aspectos mais tenebrosos.
Entretanto, quando ela desabou, graças aos conhecimentos que o Mano tinha do
clima da região, nós já estávamos abrigados debaixo de uma enorme pedra que,
despontando de dentro da terra, lembrava uma marquise. Para maior conforto, o
chão onde nos assentamos era uma pedra tão ampla e mais plana que a de cima.
-- Parece que a gente tá num altar – o
Mano falou meio sem jeito, mas eu entendi que não havia nenhuma falta de
respeito no que disse, pois queria apenas comparar aquele abrigo natural com
certos nichos que abrigam santos nas Igrejas, ou aquelas espécies de grutas
visitadas por romeiros devotos.
Mais tarde, analisando melhor a frase
do Mano, percebi que havia sim certo misticismo embutido nela, pois revelava
inda que aquele singular conjunto de arquitetura era obra da providência, e
estava justamente ali, na passagem dos caminhantes, para abriga-los nas notes
de tormenta. O calor do fogo, que tivemos tempo de acender do aguaceiro, me fez
entender o gesto dele se persignando. Imitei-o como sempre, inclinando
humildemente o meu corpo. Só podia ser uma mão divina aquela que socorria os
desamparados nas horas de desespero. Sim o Mano estava coberto de razão, pois
dali, sentados sobre aqueles três metros de pedra seca, podíamos ouvir o
barulho da enxurrada rasgando as encostas e assistir, ao clarão dos relâmpagos,
o fantástico espetáculo da fúria remodelando a natureza ao nosso redor.
-- Se chover direto, daqui uns dias vai
ser o diabo...
O Mano sabia que eram comuns os
deslizamentos quando a chuva caía braba naqueles trechos escarpados. E só quando
o sol se abrisse a gente poderia ver as encostas rasgadas de sulcos, expondo
raízes de árvores tombadas e as novas lombadas de pedras assomando como abrigos
ou terríveis ameaças. Só então os homens lutariam com a lama amontoada sobre os
trilhos, num triste modo de quebrar a rotina.
RODRIGUES,
Paulo. À margem da linha. São Paulo: Cosac Naify, 2001.
Entendendo o conto:
01 – O conto “À margem da
linha” é narrada em primeira pessoa, pelo irmão mais novo. Na sua opinião, é
possível perceber, nesse trecho, que ele tem grande admiração por Mano, o irmão
mais velho? Explique, baseando-se em passagens do texto.
Todas as
referências a Mano mostram que este tem grande ascendência sobre o narrador,
seu irmão caçula. Trechos que revelam essa ascendência: as referências aos
conhecimentos de Mano – “graças aos conhecimentos que o Mano tinha”; “o Mano
estava coberto de razão” –; e o fato de que o narrador costuma seguir o exemplo
do irmão – “Imitei-o como sempre”.
02 – Assinale a(s) alternativa(s)
que diz(em) respeito ao texto.
(X) A cena se passa numa zona rural.
(X) A cena se passa próximo de uma
estrada de ferro.
( ) A cena se passa numa região deserta, sem
nenhuma vegetação.
( ) A cena se passa numa região completamente
plana.
( ) Não é possível saber se a cena se passa de
dia ou de noite.
03 – Transcreva do texto
passagens que justifiquem as questões dadas abaixo:
a)
Algumas das passagens que deixam claro que a
cena se passa na zona rural:
“Abrigo natural”; “Remodelando a natureza a nosso redor”.
b)
Resultado da tempestade:
“[...] Só então os homens lutariam com a lama amontoada sobre os
trilhos, num triste modo de quebrar a rotina.”
c)
A região não é deserta:
“[...] E só quando o sol se abrisse a gente poderia ver as encostas
rasgadas de sulcos, expondo raízes de árvores tombadas. [...]”
d)
A região não é plana:
“[...] a gente poderia ver as encostas rasgadas [...]”; “O Mano
sabia que eram comuns os deslizamentos quando a chuva caía braba naqueles
trechos escarpados. [...]”
e)
A cena se passa à noite:
“Uma tempestade [...] é sempre assustadora, mas só à noite [...]”;
“[...] E só quando o sol se abrisse a gente poderia ver as encostas [...]”.
04 – A cena descreve uma
tempestade que cai subitamente sobre os dois irmãos. Que outras palavras com
significado semelhante ao de tempestade o autor emprega em seu texto?
Tormenta, aguaceiro, enxurrada, chuva
braba.
05 – No segundo e no
terceiro parágrafo, o narrador descreve as impressões que a situação vivida por
ele e seu irmão lhe desperta.
a)
Mano diz: “Parece que a gente tá num altar”.
Como o narrador interpreta, no segundo parágrafo, esse comentário de seu irmão?
Segundo o narrador, Mano disse isso porque a forma das pedras lembra
nichos que abrigam santos em Igrejas e grutas visitadas por romeiros.
b)
No terceiro parágrafo, o narrador muda um
pouco essa interpretação, e diz que o comentário de Mano contém “certo
misticismo”. Explique, com suas palavras, o que ele quis dizer com isso.
Ele passa acreditar que as pedras nas quais estão abrigados não
estão ali por acaso, mas foram colocadas ali “pela providência”, para acolher
caminhantes em noites de tormenta.
06 – No quarto parágrafo,
Mano diz: “Se chover direto, daqui uns dias vai ser o diabo...”. No parágrafo
seguinte a esse comentário de Mano, o narrador continua a descrever a situação
que estão vivendo com “certo misticismo”? Explique.
Não. No último
parágrafo, o narrador como que “volta à realidade”: passa a descrever aquele
cenário mais objetivamente.
Muito obrigada
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