terça-feira, 11 de dezembro de 2018

CONTO: À MARGEM DA LINHA - PAULO RODRIGUES - COM QUESTÕES GABARITADAS

Conto: À margem da linha
            

              Paulo Rodrigues

        Uma tempestade, mesmo à luz do dia, é sempre assustadora, mas só à noite ela assume seus aspectos mais tenebrosos. Entretanto, quando ela desabou, graças aos conhecimentos que o Mano tinha do clima da região, nós já estávamos abrigados debaixo de uma enorme pedra que, despontando de dentro da terra, lembrava uma marquise. Para maior conforto, o chão onde nos assentamos era uma pedra tão ampla e mais plana que a de cima.
        -- Parece que a gente tá num altar – o Mano falou meio sem jeito, mas eu entendi que não havia nenhuma falta de respeito no que disse, pois queria apenas comparar aquele abrigo natural com certos nichos que abrigam santos nas Igrejas, ou aquelas espécies de grutas visitadas por romeiros devotos.
        Mais tarde, analisando melhor a frase do Mano, percebi que havia sim certo misticismo embutido nela, pois revelava inda que aquele singular conjunto de arquitetura era obra da providência, e estava justamente ali, na passagem dos caminhantes, para abriga-los nas notes de tormenta. O calor do fogo, que tivemos tempo de acender do aguaceiro, me fez entender o gesto dele se persignando. Imitei-o como sempre, inclinando humildemente o meu corpo. Só podia ser uma mão divina aquela que socorria os desamparados nas horas de desespero. Sim o Mano estava coberto de razão, pois dali, sentados sobre aqueles três metros de pedra seca, podíamos ouvir o barulho da enxurrada rasgando as encostas e assistir, ao clarão dos relâmpagos, o fantástico espetáculo da fúria remodelando a natureza ao nosso redor.
        -- Se chover direto, daqui uns dias vai ser o diabo...
        O Mano sabia que eram comuns os deslizamentos quando a chuva caía braba naqueles trechos escarpados. E só quando o sol se abrisse a gente poderia ver as encostas rasgadas de sulcos, expondo raízes de árvores tombadas e as novas lombadas de pedras assomando como abrigos ou terríveis ameaças. Só então os homens lutariam com a lama amontoada sobre os trilhos, num triste modo de quebrar a rotina.

                         RODRIGUES, Paulo. À margem da linha. São Paulo: Cosac Naify, 2001.

Entendendo o conto:
01 – O conto “À margem da linha” é narrada em primeira pessoa, pelo irmão mais novo. Na sua opinião, é possível perceber, nesse trecho, que ele tem grande admiração por Mano, o irmão mais velho? Explique, baseando-se em passagens do texto.
      Todas as referências a Mano mostram que este tem grande ascendência sobre o narrador, seu irmão caçula. Trechos que revelam essa ascendência: as referências aos conhecimentos de Mano – “graças aos conhecimentos que o Mano tinha”; “o Mano estava coberto de razão” –; e o fato de que o narrador costuma seguir o exemplo do irmão – “Imitei-o como sempre”.

02 – Assinale a(s) alternativa(s) que diz(em) respeito ao texto.
(X) A cena se passa numa zona rural.
(X) A cena se passa próximo de uma estrada de ferro.
(   ) A cena se passa numa região deserta, sem nenhuma vegetação.
(   ) A cena se passa numa região completamente plana.
(   ) Não é possível saber se a cena se passa de dia ou de noite.

03 – Transcreva do texto passagens que justifiquem as questões dadas abaixo:
a)   Algumas das passagens que deixam claro que a cena se passa na zona rural:
“Abrigo natural”; “Remodelando a natureza a nosso redor”.

b)   Resultado da tempestade:
“[...] Só então os homens lutariam com a lama amontoada sobre os trilhos, num triste modo de quebrar a rotina.”

c)   A região não é deserta:
“[...] E só quando o sol se abrisse a gente poderia ver as encostas rasgadas de sulcos, expondo raízes de árvores tombadas. [...]”

d)   A região não é plana:
“[...] a gente poderia ver as encostas rasgadas [...]”; “O Mano sabia que eram comuns os deslizamentos quando a chuva caía braba naqueles trechos escarpados. [...]”

e)   A cena se passa à noite:
“Uma tempestade [...] é sempre assustadora, mas só à noite [...]”; “[...] E só quando o sol se abrisse a gente poderia ver as encostas [...]”.

04 – A cena descreve uma tempestade que cai subitamente sobre os dois irmãos. Que outras palavras com significado semelhante ao de tempestade o autor emprega em seu texto?
      Tormenta, aguaceiro, enxurrada, chuva braba.

05 – No segundo e no terceiro parágrafo, o narrador descreve as impressões que a situação vivida por ele e seu irmão lhe desperta.
a)   Mano diz: “Parece que a gente tá num altar”. Como o narrador interpreta, no segundo parágrafo, esse comentário de seu irmão?
Segundo o narrador, Mano disse isso porque a forma das pedras lembra nichos que abrigam santos em Igrejas e grutas visitadas por romeiros.

b)   No terceiro parágrafo, o narrador muda um pouco essa interpretação, e diz que o comentário de Mano contém “certo misticismo”. Explique, com suas palavras, o que ele quis dizer com isso.
Ele passa acreditar que as pedras nas quais estão abrigados não estão ali por acaso, mas foram colocadas ali “pela providência”, para acolher caminhantes em noites de tormenta.

06 – No quarto parágrafo, Mano diz: “Se chover direto, daqui uns dias vai ser o diabo...”. No parágrafo seguinte a esse comentário de Mano, o narrador continua a descrever a situação que estão vivendo com “certo misticismo”? Explique.
      Não. No último parágrafo, o narrador como que “volta à realidade”: passa a descrever aquele cenário mais objetivamente.


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