Conto: Um
desejo e dois irmãos
Marina Colasanti
Dois Príncipes, um louro, e um moreno.
Irmãos, mas os olhos de um azuis, e os do outro verdes. E tão diferente nos
gostos e nos sorrisos, que ninguém os diria filhos do mesmo pai, rei que
igualmente os amava.
Uma coisa porém tinham em comum: cada
um deles queria ser outro. Nos jogos, nas poses, diante do espelho, tudo o que
um queria era aquilo que o outro tinha. E de alma sempre cravada nesse desejo
insatisfeito, esqueciam-se de olhar para si, de serem felizes.
Sofria o pai com o sofrimento dos
filhos. Querendo ajudá-los, pensou um dia que melhor seria dividir o reino,
para que não viessem a lutar depois da sua morte. De tudo o que tinha, deu o
céu para seu filho louro, que governasse junto ao sol brilhante como seus
cabelos. E entregou-lhe pelas rédeas um cavalo alado. Ao moreno coube o
verde mar, reflexo de seus olhos. E um cavalo-marinho.
O primeiro filho montou na garupa lisa,
entre as asas brancas. O segundo filho firmou-se nas costas ásperas do
hipocampo. A cada um, seu reino.
Mas as pernas que roçavam em plumas
esporearam o cavalo para baixo, em direção às cristas das ondas. E os joelhos
que apertavam os flancos molhados ordenaram que subisse, junto à tona.
Do ar, o príncipe das nuvens olhou
através do seu reflexo, procurando a figura do irmão nas profundezas.
Da água, o jovem senhor das vagas
quebrou com seu olhar a lâmina da superfície procurando a silhueta do irmão.
O de cima sentiu calor, e desejou ter o
mar para si, certo de que nada o faria mais feliz do que mergulhar no seu
frescor.
O de baixo sentiu frio, e quis possuir
o céu, certo de que nada o faria mais feliz do que voar na sua mornança.
Então emergiu o focinho do cavalo
marinho e molharam-se as patas do cavalo alado.
Soprando entre as mãos em concha os
dois irmãos lançaram seu desafio. Alinhariam os cavalos na beira da areia e
partiriam para a linha do horizonte. Quem chegasse primeiro ficaria com o reino
do outro.
– A corrida será longa, – pensou o
primeiro. E fez uma carruagem de nuvens que atrelou ao seu cavalo.
– Demoraremos a chegar, – pensou o
segundo. E prendeu com algas uma carruagem de espumas nas costas do hipocampo.
Partiram juntos. Silêncio na água. No
ar, relinchos e voltear de plumas. Longe, a linha de chegada dividindo os dois
reinos.
Os raios de sol passavam pela carruagem
de nuvens e desciam até a carruagem de espumas. Durante todo o dia acompanharam
a corrida. Depois brilhou a lua, a leve sombra de um cobriu o outro de norte
mais profunda.
E quando o sol outra vez trouxe sua
luz, surpreendeu-se de ver o cavalo alado exatamente acima do cavalo marinho.
Tão acima como se, desde a partida, não tivessem saído do lugar.
Galopava o tempo, veloz como os irmãos.
Mas a linha do horizonte continuava
igualmente distante. O sol chegava até ela. A lua chegava até ela. Até os
albatrozes pareciam alcançá-la no seu voo. Só os dois irmãos não conseguiam se
aproximar.
De tanto correr já se esgarçavam as
nuvens da carruagem alada, e a espuma da carruagem marinha desfazia-se em
ondas. Mas os dois irmãos não desistiam, porque nessa segunda coisa também eram
iguais, no desejo de vencer.
Até que a linha do horizonte teve pena.
E devagar, sem deixar perceber, foi chegando perto.
A linha chegou perto. E chegou perto.
Baixou seu voo o cavalo alado, quase
tocando o reflexo. Aflorou o cavalo marinho entre marolas. As plumas, espumas
se tocaram. Céu e mar cada vez mais próximos confundiram seus azuis, igualaram
suas transparências. E as asas brancas do cavalo alado, pesadas de sal,
entregaram-se à água, a crina branca roçando já o pescoço do hipocampo.
Desfez-se a carruagem de nuvens na crista da última onda. Onda que inchou,
rolou, envolvendo os irmãos num mesmo abraço, jogando um corpo contra o outro,
juntando para sempre aquilo que era tão separado.
Desliza a onda sobre a areia,
depositando o vencedor. Na branca praia do horizonte, onde tudo se encontra,
avança agora um único príncipe, dono do céu e do mar. De olhos e cabelos
castanhos, feliz enfim.
Colasanti,
Marina. Um desejo e dois irmãos.
Entendendo o conto:
01 – A história começa
mostrando diferenças entre os dois príncipes. Mas os dois irmãos também tinham
coisas comuns, isto é, semelhanças. Em que eram parecidos?
Um queria ser o
outro e um queria o que o outro tinha.
02 – Por que o rei resolveu dividir seu reino?
Porque via que os filhos eram infelizes e queria ajudá-los.
03 – Levando em conta a parte do reino que cada príncipe
recebeu, pode-se dizer que esse rei era muito mais poderoso que outros reis de
histórias que conhecemos? Por quê?
Sim. Porque seu reino era o céu e o mar.
04 – O rei tinha preferência
por um dos filhos? Comprove sua resposta com elementos do texto.
Não. No texto: “Rei que igualmente os
amava.”
05 – Essa história tem rei e
príncipes, mas não podemos dizer que é uma história verdadeira, que se passa no
mundo real. Por quê?
Porque possui
muitos elementos fantasiosos do texto: o rei repartir o céu e o mar entre os
filhos; um príncipe ter um cavalo alado; outro ter um cavalo-marinho para
montar...
06 – Os príncipes não
ficaram felizes com o que receberam do pai. Por quê?
Porque um sentiu
calor e outro sentiu frio, mas o que cada um queria era o reino do outro.
07 – Qual foi o desafio
lançado pelos dois irmãos?
Aquele que
chegasse primeiro à linha do horizonte ficaria com o reino do irmão.
08 – Qual deles foi o
vencedor? Por quê?
Não houve
vencedor, porque o tempo passava e nenhum dos dois conseguia ultrapassar o
outro, como se não tivessem saído do lugar.
09 – As oposições entre os
irmãos continuam. Veja:
·
Uma carruagem de nuvem X uma carruagem de
espuma.
·
Relinchos e voltear de plumas no ar X
silêncio na água.
Mas, há uma coincidência
entre os desejos dos dois príncipes. Qual?
Os dois desejam vencer.
10 – Explique o significado
desta frase: “Na branca praia do horizonte, onde tudo se encontra...”
No horizonte, tudo parece se juntar. É
como se água e céu fossem uma coisa só.
11 – Quem foi o vencedor da
disputa entre os dois irmão?
Foi um terceiro
que surgiu da mistura dos dois.
12 – O título que acabamos
de ler é Um desejo e dois irmãos. Depois de conhecer a história, você daria
outro título a ela? Por quê?
Resposta pessoal
do aluno.
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