quinta-feira, 3 de julho de 2025

POEMA: HAI-KAIS - MILLÔR FERNANDES - COM GABARITO

 Poema: Hai-Kais

            Millôr Fernandes

Pensa o outro lado:

Só quem tem fama

E difamado.

 

Com pó e mistério

A mulher ao espelho

Retoca o adultério.

 

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiXOFukY1Vl_Q72q8Ml7vNOBV_zy3LZaKWEG8djyODEFrUWKftKvkUpFPEyca777yuq6BSA9Azpzrcvobx5W0nLU8N2AaCDBurH6Knb6iaouhyphenhyphenwQCtxtR3vyEp-WCTEQBBnZjT4JR4e-lPS_yNCm4n2ZRbVR5qcQ0JQFnS2lgbZcZ1qmki_ZdRLpApbBvA/s320/garota-na-frente-do-espelho.jpg

0 pato. menina,

E um animal

Com buzina.

 

Hesito, Maria

Me mato, ou rasgo

Tua fotografia?

 

A aranha é que é bacana

Com sua geometria

Euclidiana.

 

Pra ser feliz de verdade

E preciso encarar

A realidade.

 

Democracia é um espeto!

Pra mim, é preto no branco

Pra ele, é branco no preto.

Millôr Fernandes.

Fonte: Letra e Vida. Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – Coletânea de textos – Módulo 3 – CENP – São Paulo – 2005. p. 202.

Entendendo o poema:

01 – Qual é a ironia presente no primeiro hai-kai, que fala sobre fama e difamação?

      A ironia é que, para se ter fama, muitas vezes é inevitável também ser difamado. Uma condição parece acompanhar a outra, sugerindo que a notoriedade traz consigo tanto admiração quanto críticas e boatos negativos.

02 – O que o segundo hai-kai sugere sobre o ato de "retocar o adultério" com "pó e mistério"?

      O hai-kai sugere que a mulher, ao se maquiar diante do espelho ("com pó e mistério"), está na verdade tentando disfarçar ou encobrir as marcas ou consequências de um adultério, utilizando a maquiagem como uma forma de camuflagem.

03 – No hai-kai sobre o pato, qual característica inusitada é atribuída a ele?

      A característica inusitada atribuída ao pato é ter "buzina", o que é uma comparação humorística e inesperada com o som que o animal faz, mas também pode ser uma brincadeira com o som de "quack" (onomatopeia para o som do pato em inglês) que soa como uma buzina.

04 – Que dilema o eu lírico expressa no hai-kai sobre a fotografia?

      O eu lírico expressa um dilema intenso e doloroso: se matar ou rasgar a fotografia da pessoa amada, Maria. Isso indica um sofrimento profundo e uma tentativa desesperada de lidar com a dor de um relacionamento, onde ambas as opções são extremas.

05 – Como o último hai-kai, "Democracia é um espeto!", aborda a ideia de democracia?

      O hai-kai satiriza a ideia de democracia ao compará-la a um "espeto", que pode ter dois lados. Ele mostra que, embora a democracia devesse ser justa, na prática, o que é "preto no branco" para um, é "branco no preto" para o outro, ressaltando a subjetividade e a polarização nas interpretações e vivências do sistema democrático.

 

CONTO: O HOMEM QUE ODIAVA A SEGUNDA-FEIRA - IGNÁCIO DE LOYOLA BRANDÃO - COM GABARITO

 Conto: O homem que odiava a segunda-feira

            Ignácio de Loyola Brandão

        O despertador musical acordou-o com Doris Day cantando "Que será, será", sucesso dos anos 60, quando ele era um jovem de 25 anos. A música está no filme de Hitchcock, O homem que sabia demais, e seu início se passa em um Marrecos produzido nos estúdios. Um país falso, porém convincente. Quem se importa? O real é tão imaginário que o falso se torna verdadeiro.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjuuyJ681Bi06TtBcgi81ryFyo2ZBkvqh3fs4CqgDzYZ8uOBbnCq0qCaPyMCBkbtCMBuZBMtXUflXFneH562hrDxHmLI6s7VbWuYiovtFy6ERvGl53e2F3EKF89fuLz7V0uVItKFcv1SpT-n9KVDVR-ZgJYMCRwYj5L1lV9I-Yqt3McomAQ4gzuEMdStyc/s320/maxresdefault.jpg


        Ele não travou o despertador. Ficou olhando para o teto, contemplando os desenhos que a luz do sol produzia, atravessando as venezianas de madeira. Sempre tinha sido apaixonado por Doris Day, pela sua voz límpida, podia entender cada palavra que ela dizia. Onde estará Doris, quantos anos terá? Durante décadas fez o papel de virgem e, mesmo sabendo que era mentira, todos acreditavam. Porque a gente quer acreditar, a maior mentira torna-se verdade.

        Remoía pensamentos incompletos e superficiais porque era um cinéfilo inveterado. Tinha começado criança, comprando balas Fruna, que traziam figurinhas de artistas, depois colecionara Cinelândia e Filmelândia, passara aos Cahiers du Cinéma, Sight and Sound, Film Review. Ah, a boa fase dos Cahiers com suas capas amarelas, falando de Godard, Truffaut, Chabrol, Doniol Valcroze, Demy, Malle, Belmondo, Trintignant, Moreau, Albicocco, Resnais, Brocca, Delphine Seyrig, Varda, Anna Karina, Jean Seberg, Marie Laforêt, ah, os olhos de ouro da Laforêt. Pensava intensamente para fugir de sua tragédia: saber que era segunda-feira.

        As segundas-feiras existiam a atemorizá-lo, deixando-o tenso, com suores e calafrios, dores nos músculos, visão embaçada e uma nevralgia que paralisava o lado direito do rosto. Ainda na cama sentia tonturas, cãibras, rolava insone. Os sintomas se iniciavam no domingo à noite, ao ouvir a música do Fantástico, subindo das televisões de todos os apartamentos, ou quando Silvio Santos passava a gritar: Quem quer dinheiro? Significava o fim do final da semana. E o início da dolorosa peregrinação noturna ao encontro da segunda-feira.

        Quando teve os primeiros sintomas, a família ficou alarmada. Como não conseguiu nenhum médico acordado às sete da manhã, foi ao pronto-socorro, mas a fila era tão grande que, ao ser atendido, três horas mais tarde, sentia-se melhor. O médico (Ou teria sido um enfermeiro?) examinou-o apressado, receitou analgésicos e indicou a farmácia: Compre nessa! Quando o dia terminou, ele passava bem e creditou ao analgésico. Na próxima semana, os mesmos sintomas. Assim sucessivamente, até que a mulher intuiu: "Isso é coisa da segunda-feira! Você precisa é de um psicólogo". O cunhado foi taxativo: "Preguiça, nada mais!".

        Injustiça, ele era capaz de trabalhar no sábado, domingo, nos feriados, a noite inteira, se preciso. Todavia, a segunda-feira era fatal. No domingo, quando entravam os letreiros dos últimos programas de televisão, ele se via dominado pela inquietação. O psicólogo, porque afinal, para satisfazer a mulher, consultara um, recomendara: "Pense em outras coisas. Esqueça o dia, faça um grande jantar, vá ao cinema na sessão das dez, apanhe um filme longo na locadora". Tinha aconselhado: Cleópatra, O chefão, My fair lady, Lawrence da Arábia, Dr. Jivago, Era uma vez na América, Berlin Alexander Platz (com catorze horas de duração, poderia ser assistido em três domingos, quatro horas e meia por domingo), A lista de Schindler, Titanic, A noviça rebelde, Napoleão, E o vento levou..., Assim caminha a humanidade.

        Não adiantava. Quando ele percebia que o filme tinha passado da metade e o domingo estava terminando, a ansiedade o dominava, a febre recomeçava insinuante, ele acabava desligando o vídeo. Um amigo recomendou:

        -- Apanhe sua mulher. Vá para um motel. Passe a noite na farra, vai cair de cansado, esquecer o medo.

        -- A minha mulher num motel?

        -- Por que não?

        -- E se alguém nos vê entrando? O que vai pensar? Que ela é puta? Minha amante?

        -- Você, com esses problemas? Está mal, muito mal, mesmo! Você? Que foi o que bem sei? Convide tua mulher. Vai se surpreender. Ela pode te revelar coisas surpreendentes. Motéis viram a cabeça das mulheres sérias. Tua mulher é séria, não é?

        -- Claro.

        -- Não gostaria que ela, por uns momentos, não fosse?

        Não se pode dizer que ele não tentou reagir. Porém, no domingo, mal o lanche da noite começava, ele olhava para o relógio. Oito horas, daqui a quatro será segunda-feira. Seus olhos se enchiam de lágrimas, o coração apertava, a comida perdia o gosto. A mulher tentara embriagá-lo, queria que ele tomasse tranquilizantes. Ele recusava, alegando que precisava se enfrentar de cara limpa. Foi se enchendo de um ódio cada vez maior pela segunda-feira, desenvolveu alergias, acordava com inchaços nas juntas, nariz escorrendo, olhos empapuçados. Os dentes doíam, vinha uma tosse seca e persistente que terminava somente na terça-feira.

        Cada vez, um sintoma. Comparado ao que ganhava, gastava uma fortuna em médicos. Os convênios recusavam pagar, alegavam que eram doenças congênitas. No emprego, deram uma alternativa. Ele não trabalharia na segunda-feira, faria plantão no final de semana. No entanto, no dia do plantão, ele tomava consciência de que aquele dia estava substituindo a segunda-feira. Correspondia a uma. Foi levado a centros espíritas, terreiros de macumba, tarólogos, astrólogos, médicos ortomoleculares, cultos carismáticos, invocadores de anjos da guarda, jogadores de búzios. Nenhum efeito.

        Um médico não-ortodoxo, depois de pedir I. I I I exames de sangue, comunicou que, segundo revistas científicas tailandesas, ele era portador do MondayMonday, vírus raro, e que não havia ainda medicamentos ou vacinas. As pesquisas eram recentes. O vírus vinha se espalhando no planeta globalizado. O que posso fazer? Ele indagava ansioso, irritado com aquele sofrimento semanal. Imaginou como as mulheres, todos os meses, suportavam as regras, a tensão pré-menstrual, as dores das cólicas. Santas mulheres, reverenciou.

        Uma tarde, pensou com limpidez: a causa existe, está diagnosticada. A solução é acabar com a segunda-feira. Eliminá-la do calendário. Somente assim o mundo será salvo dessa epidemia que chega com força mil vezes superior à da gripe espanhola, a peste negra, a aids, a paixão pelo esoterismo, o culto da auto-ajuda. A princípio, foi apenas uma ideia lançada pelo dono da padaria da esquina, sempre dado a palpites: "Se a segunda-feira lhe faz mal, fuja dela, acabe com ela, pois". Havia um tom de blague. No entanto, nosso homem tinha perdido a capacidade de perceber brincadeiras. Acabar com a segunda-feira! É isso! De uma vez por todas. Mas como? Quem pode mudar esse estado de coisas? É uma convenção tão arraigada no mundo. O dia maldito existe por toda a parte, todos os países, até nos conventos, nas prisões, nos pólos norte e sul, no meio do deserto, entre os esquimós. Existirá entre os índios caiapós? Monday, montag, lundi, lunedi, lunes. O dia desgraçado foi celebrado em uma canção dos Beatles.

        Em uma segunda-feira de março, nosso homem foi tomado por calafrios intensos e pediu cobertas. Trouxeram edredons e mantas. Ele batia os dentes, um pivô soltou-se, suava, percebia o corpo esfriando, esquentando. Depois, adormeceu, tranquilo. Ao acordar, a mulher velava à cabeceira, inquieta, sem saber se chamava o médico. Ele levantou-se, num só movimento, como um acrobata que acaba de realizar um exercício e vai agradecer ao público. Comunicou:

        -- De nada adianta eliminar sintomas, se a origem da moléstia persiste. Portanto, meu caso é fácil. Minha doença é a segunda-feira. Cancelando-a, tudo estará resolvido.

        -- Parece coisa de louco.

        -- Acha?

        -- A falta de sono e o cansaço te deixam estressado. E assim, desde que nos casamos. Pensou? Se você elimina a segunda-feira, a terça se transforma em segunda, é o segundo dia da semana. E o domingo será o primeiro.

        -- Está certo.

        -- O domingo não pode ser o primeiro! Nunca!

        -- Quem disse?

        -- Está na Bíblia, o Senhor descansou no sétimo dia. O domingo.

        -- A segunda não é o primeiro porque se chama segunda-feira. Domingo é o primeiro dia.

        -- Quer me confundir?

        -- Se o domingo é o sétimo e em seguida vem a segunda-feira, onde está o primeiro dia? O primeiro não existe! Alguém, em algum momento, eliminou o primeiro dia. Tenho de pesquisar. Se o primeiro dia foi eliminado, podemos cancelar também o segundo.

        -- Não me saia por aí com bobagens. Te conheço, não é a primeira vez que se fixa em uma besteira!

        -- Não começa... Você é inteligente, pense! Se não existe o primeiro dia, falta um dia na semana. Segunda, terça, quarta, quinta, sexta, sábado, domingo. E este é o último, onde ficou o primeiro?

        -- E se quando a semana foi criada, o primeiro não existia e o segundo era primeiro? As palavras podem ter variado de significado em séculos.

        -- E quem conhece a história da semana? Quando nasceu, quem teve a ideia, quem montou a ordem dos dias? Quem garante que não tinha oito dias em vez de sete?

        A mulher era pessoa razoável, ex-publicitária que tinha abandonado a carreira quando percebeu que odiava os produtos para os quais tinha de criar campanhas. Começara na tarde em que redigia uma frase para despertar o apetite das pessoas com um suculento molho de tomate. Seus dedos incharam quando digitava a frase e quanto mais elogiava o horrendo molho em lata, mais a mão engrossava, a ponto de não distinguir os dedos. Deu um basta, escreveu com tipos enormes: O molho é uma merda. Tirou uma cópia, enviou ao diretor de criação, apanhou a bolsa e se foi. Ao deixar o edifício da agência, a mão tinha voltado ao normal.

        -- Vamos admitir! Você está certo! Baseado em que se pode eliminar a segunda-feira?

        -- No ódio que todos têm dela. Nas alergias que provoca. Nas neuroses, traumas, paranoias. Metade da violência e da ansiedade do país acabaria com o fim das segundas-feiras.

        -- E os transtornos? A segunda-feira é o reinicio, o dia em que tudo se abre, bancos e repartições e supermercados funcionam, a cidade se normaliza. É quando as pessoas se organizam. Dependesse de mim, eu acabaria com o final da noite de domingo.

        -- Sabe por quê? É nela que a ansiedade da segunda-feira se instala.

        Ela o conhecia há dezessete anos. Sabia que a ideia não seria abandonada. Ele iria até o fim. Perdera dez empregos por causa de coisas assim, metia-se em situações esdrúxulas. Era uma palavra esquisita essa, tinha usado uma vez em uma campanha e o cliente ficara revoltado.

        -- Não me venha com essa! Falei por falar. A noite de domingo é um pé no saco!

        -- Estou esclerosado? Pior do que pensava? Além do que sofro, tenho de passar por mais essa? A incompreensão em minha casa?

        -- Quero apenas evitar dissabores! Chega os problemas que você vem encontrando.

        Ela adorava a palavra dissabores. Agora, parecia mais preocupada. Eliminar a segunda-feira é uma ideia que passa somente pela cabeça de um desequilibrado.

        -- Hoje não vou trabalhar. Vou procurar em meus livros se existe alguma possibilidade de eliminar a segunda-feira.

        -- Livros? Você não tem nenhum livro sobre o assunto!

        --Verdade... Vou pesquisar em alguma parte.

        Passou o dia ligando para advogados especialistas em códigos, queria saber se existia uma lei instituindo a segunda-feira. Se houvesse a lei, então o caminho seria longo. Não o atendiam, queriam marcar hora, entrevista, as consultas deviam ser pagas. Por acaso, um funcionário afirmou que a lei sobre a segunda-feira existia, era preciso pagar as buscas.

        Existia! Então, teria de procurar um deputado, explicar o caso, convencê-lo a aderir à causa. Há coisas que convencem políticos: receber um bom suborno, ganhar votos com suas leis, obter publicidade favorável ou aprovar algo que traga benefícios financeiros para uma categoria, recebendo dos lobbies polpudas quantias ou promessas de financiamento de campanhas. Alegrou-se. Esta seria uma causa extremamente popular. Todos votariam em um homem propondo a extinção da segunda-feira.

        Ele passou o dia excitado, procurando localizar um deputado federal na cidade. Nas sedes dos partidos asseguravam: "Vai ser difícil, todos estão em Brasília, trabalham muito, começam cedo, vão até altas horas da noite. Só se o senhor for a Brasília!". Percebeu, todavia, que não o desestimulavam, ao contrário, forneciam até o telefone dos parlamentares na capital. Desilusão! Números ocupados permanentemente. Ou eram atendidos por uma secretária que passava para a Assessora Um, que religava para o Assessor Dois, que transferia para o Assessor Três. Um dia, por engano, ligaram para a Amante principal. Educado, discreto, ele pediu desculpas. E rodou até bater na autoridade máxima, o Chefe de gabinete. Pessoa apressada, ríspida, comandante de um reino.

        E ele respondeu a mesma coisa: "Desculpe-me senhor o Assessor Para os Dias do Ano que é quem movimenta o calendário de sua excelência não está na sala foi ao plenário assessorar nosso líder em importantes debates que ocorrem agora. Ligue na próxima segunda-feira uma vez que assuntos sobre a segunda-feira só podem ser tratados às segundas-feiras. De qualquer modo vejo aqui que o Assessor não estará na próxima nem na seguinte nem consequente uma vez que acompanhará sua excelência em viagens de estudos para a comissão em que atua. Mas anotei seu nome seu telefone seu endereço e veja que coincidência o senhor mora na mesma rua em que nasceu a mãe do nobre deputado e ele tem carinho especial por essa rua e pelas pessoas que nela habitam certamente fará tudo o que estiver ao seu alcance daremos retorno muito obrigado e não se esqueça de que as eleições de outubro estão se aproximando e seu candidato só pode ser o nosso líder enviaremos folhetos sobre a sua atuação".

        Ele ficava sem fôlego ao ouvir. Chefes de gabinete falavam sem vírgulas, apenas com um e outro ponto para respirar. Percebeu que a caminhada seria exaustiva. No entanto, sentiu-se revigorado. Agora, tinha um projeto na vida. Uma utopia a perseguir. A sua missão impossível. Isso mantém um homem vivo. Chega de alergias, tremores, estresse.

        Começou a escrever cartas, desejando saber se havia um lugar onde a segunda-feira não existia. Uma carta levava a outra. Uma pessoa indicava outra. Recorreu à internet. As informações se sucediam, vindas de professores de geografia, história, astrólogos, astrônomos, engenheiros, químicos, semanólogos, viajantes. Um astronauta americano, gentil como tem de ser um homem que esteve na Lua, respondeu amavelmente: "Na Lua não há segunda-feira, aliás não há semana, nem mês ou ano, o tempo ali não é medido, nem dividido, ele se escoa infinito". Se nos outros planetas, satélites, estrelas não há segundas-feiras, o meu destino é mergulhar na galáxia, ele ponderou com a mulher e ela o olhou ressabiada. Um redator de guias turísticos acenou com um principado indiano, perdido entre montanhas de pedra. O problema é que quando os turistas chegam a esse lugar, levam costumes tão arraigados que ao não saber se o dia é sábado, domingo, ou segunda-feira, começam a passar mal, ficar ansiosos. Tiveram de criar um calendário falso, usado apenas para fins turísticos, não reconhecido ou obedecido pelos nativos. A semana está incrustada nos civilizados como uma pedra preciosa em um anel.

        Consultaram todos os especialistas, inclusive Saroyan, o armênio que vivia num trapézio volante e tinha na cabeça todo o calendário gregoriano. O diagnóstico: "Nenhuma possibilidade de cura". Contataram um soteropolitano atabalhoado cujo ofício era redigir calendários perpétuos para revistas e jornais. O homem mantinha urna coluna semanal, respondendo a indagações do tipo: que dia da semana foi 31 de julho de 1911. Ou que dia da semana foi 14 de março de 1948. Também não ajudou. Nos dezessete mil livros que ele possuía não havia registros de homens que odiavam as segundas-feiras. Surgiram casos de agressividade contra o domingo, os feriados, os dias santos. Descartados, uma vez que se tratava de padrões mesquinhos, de executivos viciados em trabalho que se desesperavam com a semana tão curta (adoravam fazer dinheiro para as instituições em que trabalhavam) e fiéis de religiões que não acreditavam na sacralidade de certas datas.

        Ele estava determinado. Haveria de acabar com a segunda-feira, a qualquer custo. Em todas as pessoas com quem conversou percebeu enorme entusiasmo. Sabia que haveria resistência da indústria, do comércio, dos bancos e dos coletores de impostos. Dentro em breve estariam terminadas as segundas-feiras, a ansiedade dos finais de domingo, a angústia das longas e silenciosas tardes repletas de melancolia.

        Seu plano era perfeito. Do domingo se saltaria para terça-feira, ficando a segunda sem nome. Esse dia seria uma câmara de descompressão. Nele seria restabelecido o alívio, as pessoas ganhariam ânimo para trabalhar, começariam a semana bem-preparadas, cheias de força física e estímulo para produzir mais. Uma pessoa alegre, de bem com a vida, rende, os patrões iriam adorar. Em seguida, surgiu outra ideia. Com o tempo, se faria campanha para extinguir a sexta-feira. Outra câmara, preparando as pessoas para o repouso do fim de semana. Não se descansa trazendo ainda a pressão dos compromissos. Uma semana composta apenas de terça, quarta e quinta-feira era a utopia do mundo. Poderia ser um movimento universal.

        Saía todas as manhãs com um manifesto redigido em papel almaço pautado, percorria as ruas colhendo assinaturas. Via como a segunda-feira era odiada, as pessoas assinavam com prazer, cumprimentando-o. "Finalmente se faz alguma coisa para abolir esse dia maldito. É disso que precisamos, de iniciativas particulares. Pode-se até fundar uma organização não-governamental." Também era ridicularizado, enxotado, ofendido, chegaram a cuspir nele, empurraram-no contra as paredes, enfiaram a sua cabeça em um bueiro cheio de coisas podres. Ele não desistia, estava apaixonado pela causa. As folhas tomavam duas estantes, a mulher olhava para elas e sacudia a cabeça, porém não tentava impedir que ele fosse até o fim, mostrava-se feliz. A cada dia ele trazia histórias engraçadas ou estranhas, os dois analisavam o comportamento das pessoas. Ela só não acreditou quando ele contou a respeito de um homem que tinha perdido a mão na caixa do correio, estava na fila dos Encontrados e não parecia desesperado, apenas tentava recuperar a mão. O entusiasmo dele era crescente. Depois do Brasil, buscaria assinaturas no mundo inteiro. Era preciso reunir as pessoas, debater o assunto, montar uma organização. Marcou o dia, ela redigiu o folheto, sabia montar frases insinuantes, convencer as pessoas a consumir.

        Imprimiram vinte mil volantes. Perto da casa havia um cinema recém-fechado, eles conheciam o proprietário, era também dono de uma tecelagem cliente da agência em que ela trabalhara. O homem concordou em alugar por uma noite, desde que eles pagassem as despesas de luz e varressem a sala, devia haver uma boa poeira amontoada. Seriam responsabilizados pelo vandalismo, caso ocorresse, nunca se sabe com multidões. Assim, os dois começaram a distribuir os volantes. E se alternavam, um dia, ela saía com o manifesto, recolhendo assinaturas e ele com folhetos. Depois, invertiam. Esperavam umas mil pessoas na primeira noite, o entusiasmo era grande. "As pessoas andam vazias", ele comentava, "precisam de alguma motivação, um sonho, um sentido para a vida."

        Ao apanhar o elevador, certa manhã, cheio de vigor, ouviu a vizinha conversando com o médico. Era médico, estava todo de branco: "Pois é, doutor! Veja só se pode ser. Meu marido não suporta a terça-feira, fica mal, muito mal, perde as forças, nem se levanta da cama. Veja só! O corpo inteiro dói, tem cãibras, as juntas incham. Ele odeia as terças-feiras. O que vamos fazer? Estamos ficando todos loucos, ele até fala em eliminar a terça-feira, está com os planos prontos. Veja só se pode ser!".

Ignácio de Loyola Brandão.

Fonte: Letra e Vida. Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – Coletânea de textos – Módulo 3 – CENP – São Paulo – 2005. p. 96-101.

Entendendo o conto:

01 – Qual é a principal aflição do protagonista do conto?

      A principal aflição do protagonista é o seu ódio incontrolável e físico pelas segundas-feiras. Esse ódio se manifesta com sintomas como suores, calafrios, dores musculares, visão embaçada, nevralgia e até inchaços e tosse seca.

02 – Como a esposa do protagonista reage inicialmente aos seus sintomas e o que ela sugere?

      A esposa do protagonista inicialmente fica alarmada com os sintomas, mas, com o tempo, ela intui que "isso é coisa da segunda-feira" e sugere que ele procure um psicólogo.

03 – Quais foram algumas das tentativas do protagonista para lidar com seu ódio pela segunda-feira antes de sua "solução final"?

      Ele tentou seguir conselhos do psicólogo (pensar em outras coisas, assistir a filmes longos), sugestões de amigos (ir a motéis com a esposa), e foi a diversos especialistas e locais como centros espíritas, terreiros de macumba, tarólogos, astrólogos, médicos ortomoleculares e cultos carismáticos. Também tentou alterar seu horário de trabalho para evitar a segunda-feira.

04 – O que o médico não-ortodoxo diagnostica para o protagonista, segundo revistas científicas tailandesas?

      O médico não-ortodoxo diagnostica que o protagonista é portador do vírus MondayMonday, um vírus raro que se espalha no planeta globalizado e para o qual ainda não há medicamentos ou vacinas.

05 – Qual é a "solução" que o protagonista idealiza para acabar com seu sofrimento, e qual é a primeira reação de sua esposa a essa ideia?

      A "solução" que ele idealiza é acabar com a segunda-feira, eliminando-a do calendário. A primeira reação de sua esposa é considerá-la "coisa de louco", argumentando que, se a segunda-feira fosse eliminada, a terça se tornaria a segunda e o domingo o primeiro, o que seria uma confusão.

06 – Como o protagonista tenta justificar a ideia de eliminar a segunda-feira para sua esposa, além de sua própria doença?

      Ele argumenta que a segunda-feira é odiada por todos, causa alergias, neuroses, traumas e paranoias, e que sua eliminação acabaria com metade da violência e da ansiedade do país.

07 – O que a ex-publicitária, esposa do protagonista, fez quando percebeu que odiava os produtos para os quais criava campanhas?

      Ela "deu um basta", escreveu com tipos enormes a frase "O molho é uma merda" para um diretor de criação e abandonou a carreira, percebendo que seus dedos incharam ao digitar a frase.

08 – O que o protagonista faz para começar a concretizar seu plano de eliminar a segunda-feira?

      Ele começa a escrever um manifesto em papel almaço pautado e sai pelas ruas coletando assinaturas das pessoas, percebendo o entusiasmo de muitos com a ideia.

09 – Além do Brasil, para onde o protagonista planeja expandir sua campanha para abolir a segunda-feira?

      Ele planeja expandir sua campanha para o mundo inteiro, buscando assinaturas em outros países e organizando um movimento universal.

10 – Qual é a ironia no final do conto, em relação ao objetivo do protagonista?

      A ironia no final do conto é que, após toda a determinação e esforço do protagonista para eliminar a segunda-feira, ele ouve a vizinha no elevador reclamando com o médico sobre seu marido, que agora odiava as terças-feiras e falava em eliminá-las. Isso sugere que a aversão a um dia específico da semana pode ser um ciclo que se repete, independentemente da eliminação de um dia.

 

CONTO: AS HISTÓRIAS QUE NOS POSSUEM - FRAGMENTO - HELOISA PRIETO - COM GABARITO

 Conto: As histórias que nos possuem – Fragmento

           Heloisa Prieto

        Jonas recebeu de Deus a missão de ir à cidade de Nínive. Caminhou até o porto e encontrou um navio que partia para aquele destino. Porém, durante a viagem, o Senhor enviou sobre o mar um vento furioso e o navio corria perigo de naufrágio. Os marinheiros, apavorados, invocaram cada um o seu deus. Entretanto, Jonas desceu ao porão do navio e lá dormiu um profundo sono.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhGQVUFfPy6Z28nCUOFpgsBshLyIKCZkSSJEFZuI4uCHJoUVymLJZ00Mr-JLyEPyf8oellYStDJEIj6BseJAsvif-ONRtqfEvws8WXjl6BU3P-2uRwO5exW50UNMKWbu-wIwqQDzR4TTk9DrwwZV3xXv-DPt3hSHygmvJ5TzeJe1Yxin1vKaIJ8EtPq0Rg/s1600/2e7781ca-ee7f-4873-ab2d-ba8fe1b397ed-jonasc.jpg


        Logo chegou perto dele o piloto e lhe disse: "Como você pode dormir assim? Desperte, invoque seu deus e peça-lhe proteção".

        Nisso, os marinheiros consultaram os seus diferentes oráculos para saber por que a tempestade havia tombado sobre eles. Concluíram que o responsável por aquele perigo era Jonas. Foram até ele e lhe perguntaram: "Onde é a sua terra? Para onde você vai?".

        Jonas respondeu: "Eu sou hebreu, eu temo o Senhor Deus do Céu, que fez o mar e a terra". Todos os marinheiros se assustaram. "Que faremos de você para que o mar se acalme?", perguntaram. E Jonas respondeu-lhes: "Lancem-me ao mar, pois sei que é por minha causa que surgiu esta terrível tempestade!".

        Os marinheiros obedeceram ao seu desejo. Jonas foi lançado às águas. Nesse mesmo momento o mar ficou calmo. Porém, ao mesmo, o Senhor preparou uma imensa criatura marinha que engoliu Jonas. Na barriga dela, Jonas permaneceu vivo durante três dias e três noites. "As águas me cercaram até a alma", disse Jonas ao Senhor, "o abismo me engoliu e as ondas do mar me cobriram a cabeça. Porém, o Senhor preservou minha vida".

        Então, deus ordenou à baleia que o libertasse e ela abriu a sua enorme boca para que Jonas descesse calmamente na praia.

 "História de Jonas", adaptada da Bíblia Sagrada

        Professora de uma classe de pré-escola, tive um aluno que se chamava Jonas. Ele era adorável, olhos castanhos, meigos, uma criança que se expressava por gestos largos, carinhosos. Sempre que o observava brincando, lembrava-me da história bíblica de Jonas e da baleia. Ficava imaginando o quanto a baleia havia amado Jonas, que acolhera em sua imensa barriga até libertá-lo na praia. Encantada com o meu aluno, resolvi reler a narrativa bíblica, o mito milenar do homem que sobreviveu a uma terrível tempestade, dentro da barriga de um animal. Essa narrativa pode ser interpretada de várias maneiras. Por exemplo, ela aponta a nobreza de Jonas, que preferiu ser lançado ao mar a pôr em risco as vidas dos tripulantes. A sua coragem comove a Deus, que o protege e liberta. Jonas sobrevive sem lutar. Ao contrário dos heróis que têm de nadar bravamente através dos mares para sobreviver, Jonas é salvo pela própria natureza. Não entra em pânico, nem se desespera. Por isso, consegue permanecer na barriga da baleia até que ela o deixe na praia, e ele possa dar início a uma nova vida.

        Quando um bebê nasce, chega ao mundo cercado de histórias. É quase como se deixasse a barriga da mãe e fosse envolto numa rede de histórias. A começar pela história do próprio nome. Por que lhe foi dado este nome e não aquele? Quem o escolheu? O que significa? O nome contém uma história? A que tradição étnica pertence?

        Em certas culturas indígenas, como a dos povos munduruku, no norte do Pará, as crianças recebem dois nomes: o nome social e o nome mágico, secreto. Cada um deles faz referência a uma função mítica, a uma narrativa significativa.

        Na cultura afro-brasileira do candomblé, as pessoas vivem de acordo com os Odus, ou seja, narrativas míticas que orientam as nossas vidas. Cada pessoa deve descobrir o seu mito pessoal, o seu Odu, para compreender melhor o roteiro da sua própria vida. O Odu pessoal está entrelaçado ao familiar e ao contexto cultural. Uma vez descoberto o enredo que conduz uma vida, é preciso quebrá-lo. Só assim, liberta da trama de histórias que a acolheram quando veio ao mundo, uma pessoa pode atingir a autonomia da escolha e da criação do seu próprio destino.

        Citei exemplos de três tradições religiosas distintas – a judaico-cristã, a indígena e a afro-brasileira – com a intenção de mostrar que as narrativas exercem funções primordiais em todos os credos e culturas. É como se narrar fosse uma forma de pensar o mundo.

        Na antiga tradição oriental sufi (o sufismo é a tradição esotérica do islamismo), a sabedoria se aloja nas histórias. Quando uma pessoa enlouquecia, chamava-se um contador de histórias para curá-la. Histórias e mais histórias eram narradas ao louco até ele recuperar a capacidade de "pensar o mundo".

        Esse é o princípio básico das famosas “Mil e uma noites”. Um príncipe enlouquece ao ser traído por sua esposa. Transforma-se em uma espécie de assassino em série, como nos filmes americanos de hoje. A cada noite ele se casa com uma jovem, apenas para matá-la depois da cerimônia.

        Acontece que vive na sua cidade uma moça belíssima e inteligente chamada Sherazade. Como era mercador, seu pai lhe trazia muitos livros. Sherazade conclui de suas leituras que pode curar o príncipe. Declara ao pai que pretende casar-se com ele. Naturalmente, o pai fica apavorado e protesta. Não deseja perder a sua filha mais querida pela espada de um louco. Porém, firme em sua intenção, Sherazade prossegue com seu plano. O casamento é celebrado com todas as pompas. Quando termina a cerimônia e se aproxima o momento em que sua vida será ceifada, Sherazade pede ao príncipe que lhe satisfaça um pequeno desejo: todas as noites, tinha o hábito de contar uma história à sua irmã caçula e, agora, gostaria de narrar-lhe a última história antes de iniciar sua vida de casada.

        O príncipe concede-lhe o desejo. Sherazade começa a narrar. Porém, ciente da sua capacidade de seduzir por meio de narrativas, a bela jovem mantém o príncipe preso ao fio de suas palavras. Quando o sol nasce, ela interrompe a narração da aventura que narrava na melhor parte. Curioso de saber o final da história, o príncipe poupa-lhe a vida.

        Assim prossegue Sherazade durante mil e uma noites. Lentamente, pelo contato com as histórias, o príncipe vai se tranquilizando até que, certo dia, declara estar curado. Daquele momento em diante, passa a reinar como o mais sábio dos soberanos.

        É interessante notar que a própria Sherazade jamais se arrisca a declarar que o príncipe está curado. Ao longo das narrativas, eles têm vários filhos, mas ela só as interrompe quando ele mesmo afirma sentir-se profundamente feliz.

        Qual é a diferença entre a última história narrada ao príncipe e as outras? Todas são de grande beleza, com uma arquitetura narrativa tão perfeita que até hoje se recorre à estrutura do suspense utilizada por Sherazade, por exemplo, nas novelas de televisão. Ou seja, interrompe-se a narrativa em um ponto de virada. No momento em que se introduz um perigo, uma nova informação, algo que desperta a curiosidade do telespectador a ponto de obrigá-lo a ligar a televisão no mesmo horário, no mesmo canal, no dia seguinte. [...]

        Por hora, basta ressaltar a força das narrativas nessa obra-prima da cultura oriental.

        Voltando à Bíblia, é interessante pensar nas respostas que Cristo dava aos inimigos sempre que era provocado. Em vez de dar longas explicações, ele simplesmente respondia por meio de parábolas. Contudo, as breves narrativas que proferia contêm uma trama de significados tão profundos que são citadas mesmo fora do contexto religioso.

        Como responder a uma criança de cerca de cinco ou seis anos o que significa exatamente a palavra justiça? Utilizando longas explicações? Geralmente, quando um adulto tenta explicar alguma coisa e não consegue, recorre a um exemplo. Naturalmente, o exemplo escolhido acaba terminando em uma breve narrativa. A criança que ouve a história às vezes percebe outras nuances que o próprio adulto ignora. E pode simplesmente acontecer de uma pergunta sobre justiça acabar gerando uma narrativa que conduza a criança a outra questão fundamental para ela.

        Vamos imaginar um diálogo desses:

        -- Papai, o que é um traidor? – pergunta a criança.

        -- E um sujeito que não respeita os amigos – responde o pai.

        -- Como assim? – insiste a criança.

        -- Ah, por exemplo, todos combinam que não se deve mentir e, aí, alguém mente. Essa pessoa traiu a confiança do seu grupo – explica o pai.

        -- Entendi – diz a criança, que sai para brincar.

        -- Entendeu mesmo? – pergunta o pai.

        -- Todo traidor é mentiroso – responde a criança.

        Conforme afirma Yves de La Taille, em seu livro Limites – três dimensões educacionais: "Hoje se tende a admitir que não há apenas uma chave para o conhecimento, mas várias". A mesma narrativa pode conter muitas chaves para a compreensão de uma verdade.

        Pessoalmente, sempre associei a palavra traição à figura de judas Iscariotes, que considerava ao mesmo tempo fascinante e repugnante. Judas era o discípulo amado de Cristo que o traiu, vendendo-o aos inimigos. Para que os soldados soubessem qual era o homem que deviam prender, Judas os avisa que o cumprimentaria com um beijo. De modo que Cristo é traído com uma manifestação de carinho.

        Mais tarde, arrependido, Judas enforca-se. Cristo é morto, porém ressuscita e vive para sempre.

        Somente muitos anos depois, quando reli as histórias da Bíblia do ponto de vista literário, é que me dei conta de que Pedro, outro discípulo, também havia traído Cristo. Porém, sua traição contém outro significado. Ele trai a Cristo motivado pelo medo. Ao passo que Judas o trai motivado pelo dinheiro. Pedro resgata seu vínculo com Cristo, mas o mesmo não acontece com Judas. O interessante nesses dois exemplos é que Cristo compreende e perdoa a ambos.

        Já na universidade, voltei a ler essas passagens da Bíblia comparando-as a textos, narrativas e histórias de outras culturas, ou seja, utilizando outras chaves de compreensão.

        Do ponto de vista da teoria literária, o vilão, no caso Judas, é o propulsor à ação. Sem ele, Cristo não se teria transformado no redentor.

        Como se pode ver, passei anos tentando compreender a complexidade da figura do traidor. Associei narrativas de diferentes culturas e, mesmo assim, creio que apenas estou começando a compreender por que Cristo foi tão complacente com Judas.

        Assim são as narrativas. Múltiplas em significados. Inesgotáveis. Passíveis de inúmeras leituras. Ao longo da vida, conforme amadurecemos, "lemos" as mesmas histórias de diferentes ângulos.

        Quando uma história nos possui, ou seja, quando uma narrativa é recorrente, uma história sempre presente em nossa vida, seja ela Cinderela, João e o Pé de Feijão, Branca de Neve, Chapeuzinho Vermelho, 0 pequeno príncipe, do autor francês Saint-Exupéry, ou um filme como Casablanca ou ...E o vento levou, o Sítio do Pica-Pau Amarelo, essa história se transforma em um tema fascinante que se relaciona com a forma pela qual decodificamos nossas experiências.

        Além da trama de histórias milenares, culturais, somos também cercados pelas pequenas narrativas pessoais e intransferíveis.

        Há, por exemplo, a história do romance dos nossos pais. Será que namoraram muitos anos? Será que se encontraram por acaso? Somos fruto de uma história feliz ou de um amor desesperado?

        Há crianças que nascem em elevadores, enquanto outras, preguiçosas, custam a nascer, e suas mães são obrigadas a fazer cesarianas. Existem histórias de pais nervosos, que desmaiam na sala de parto, de irmãozinhos ciumentos, que destroem os brinquedos do recém-nascido.  

        Existem vários autores que criaram suas obras com base em histórias familiares. O jovem amazonense Milton Hatoum, um dos expoentes da nossa literatura contemporânea, lança seus leitores no ambiente caloroso de uma família árabe que vive na Amazônia, em seu livro Relato de um certo Oriente, do qual reproduzo o trecho abaixo:

        -- Lembram como fazia Emilie? – disse tio Hakim, sorvendo o último gole de café. – Ela pedia para que todos emborcassem a xícara na bandeja, e depois examinava o fundo da porcelana para decifrar no emaranhado de linhas negras do líquido ressequido o destino de cada um.

        A conversa se estendia por toda a noite, porque as pessoas não conseguiam ouvir as histórias sem emitir uma opinião ou recordar algo; alguém já começara a abrir as caixas de bombons e doces para acompanhar a próxima rodada de café; depois viriam os sucos e aguardentes, e quem sabe uma refeição improvisada no meio da madrugada.

        É interessante notar que Emilie, uma das personagens centrais desse romance, lia o destino na borra de café. No parágrafo seguinte, pelas descrições das conversas noturnas regadas a café, sucos, aguardentes, e alimentadas por doces e bombons, é como se pudéssemos "ler" o ambiente das rodas de histórias, nas quais era impossível ficar calado.

        Uma xícara de café, o ruído de uma caixa de doces sendo aberta e conversas que não terminam mais fazendo parte da vida de cada um; mas, com o talento de um autor como Milton Hatoum, deslocam-se para a categoria das "horas inesquecíveis", ecos de um bem-estar, momentos que valem a pena ser vividos.

        Contudo, sempre é preciso lembrar-se de que a palavra "ler", etimologicamente, significa "enovelar". Portanto, mesmo que autores como Milton Hatoum, ou Steinbeck, tenham tomado como ponto de partida as próprias experiências familiares, isso não significa que elas sejam absolutamente fiéis à realidade. Quem aprecia a obra de Lobato sabe que mergulhar em uma aventura do Sítio do Pica-Pau Amarelo era caminhar em outra realidade, "lagartear, o prazer de viver, puro, sem mistura".

        Afinal, onde mora a verdade? O que é mais revelador, a biografia de um artista ou sua obra? Na verdade, nenhuma biografia jamais dará conta dos segredos, da riqueza interior da vida de um artista ou de uma personalidade famosa. Contudo, a recíproca também é verdadeira: mesmo que se disseque uma obra em busca de traços e informações a respeito da vida do autor, ela aponta sempre para outro nível de realidade, para a dimensão das emoções, da percepção, de outra verdade. Uma obra contém basicamente o imaginário do seu autor. Quando se escreve, instaura-se um jogo entre leitor e escritor. Um jogo verdadeiro, porém, ambivalente, repleto de segredos.

        John Steinbeck, um dos maiores autores da literatura norte-americana, criou a obra-prima A leste do Éden, inspirando-se nas narrativas que ouvia na Califórnia. Até que ponto ele as ouviu realmente? Será que existiram as pessoas que teriam dado origem aos seus personagens? Na verdade, muito além da dimensão do diálogo entre a vida e obra, esse livro é particularmente interessante porque trata da forma como uma história marcou a vida dos personagens de uma família.

        Escrita como uma saga, descrevendo as vidas de gerações sucessivas, a narrativa culmina com o conflito entre dois irmãos gêmeos, Caleb e Aron. Ambos tinham sido fruto de um amor transgressivo. Adam Trask, o pai deles, um fazendeiro protestante, apaixonara-se por Cathy, garota rebelde com passagens pela prostituição, mentirosa compulsiva, uma mente perversa oculta sob um rosto belíssimo, angelical.

        Adam casa-se com Cathy com o intuito de oferecer-lhe a segurança e o carinho que ela jamais tivera. Porém, a garota não se adapta a uma vida pacata e abandona o marido e os filhos. Passa a viver no bordel, deixando Adam não só com o coração inteiramente despedaçado, mas também diante do difícil encargo de criar os gêmeos sozinho.

        Infeliz e angustiado, Adam conta com seu criado chinês para auxiliá-lo nos afazeres domésticos e na criação dos garotos. Ocorre que, embora de aparência modesta, de comportamento atencioso e humilde, o criado chinês era, na realidade, um grande erudito, pertencente a um grupo de sábios que se reunia semanalmente no hoje famoso bairro chinês da cidade de San Francisco, Chinatown.

        Pois bem, Lee, o sábio chinês, não se conforma com a maneira como os gêmeos são criados. Percebendo que Adam atribuía a Caleb o papel do personagem bíblico Caim e a Aron, o papel de Abel, Lee contesta a história bíblica. Considera a decisão divina de privilegiar a oferenda de Abel injusta e irresponsável. Como pode um deus enaltecer um filho em detrimento do outro?

        Na verdade, o perspicaz sábio chinês percebe que Adam reservava aos filhos o mesmo destino que os personagens bíblicos. Aron cresce fraco, superprotegido e revela-se incapaz de lidar com os reveses da vida. Caleb, o rejeitado, habitua-se à incompreensão; contudo, desenvolve uma força interior que o obriga a sobreviver às frustrações que tem de enfrentar.

        Um triângulo amoroso configura-se quando ambos se apaixonam por Abra, menina de sabedoria, honestidade e integridade. Essa personagem feminina, forte e realizadora, contrapõe-se ao impacto devastador da personagem de Cathy, a mãe, cuja existência, aliás, é ignorada por Aron, que acredita ser órfão.

        A situação bíblica configura-se à medida que Adam desenvolve um projeto agrícola que consiste em levar alfaces californianas para outros estados. Seu plano de transportá-las de trem, preservadas no gelo, fracassa, e Adam perde dinheiro e prestígio na empreitada. Infeliz, afunda-se ainda mais na depressão.

        Para tentar ajudar o pai, provar seu valor e demonstrar seu carinho, Caleb faz negócios com outros comerciantes e é extremamente bem-sucedido. Corre até o pai e declara ter conseguido o valor necessário para ressarci-lo do seu prejuízo. Porém, desconfiado, amargo, o pai não só recusa a aceitar a soma como também acusa o filho de estar envolvido em negócios ilícitos.

        Inconformado com a injustiça paterna, Caleb, ciente do paradeiro da mãe, leva o irmão até o bordel. Diante do rosto materno, cuja semelhança com o seu é inacreditável, Aron vê seu mundo desabar. Desesperado, alista-se no exército e é morto em combate.

        Adam acusa Caleb pela morte do irmão e a situação bíblica ficaria claramente configurada não fosse a presença de Abra, cujo amor latente por Caleb explode, e pela intercessão de Lee, o sábio chinês.

        Pois, quando Caleb está prestes a cumprir seu destino de Caim, a deixar o pai moribundo, a abdicar do amor pela antiga namorada do irmão, e a partir para vagar infeliz pela terra, Lee decide intervir. Aproxima-se de Adam e declara ter passado três anos estudando hebraico para decifrar a verdadeira história da Bíblia.

        Após estudos minuciosos, o grupo de sábios do qual fazia parte descobrira que cada palavra do idioma hebraico possuía diversos significados. Contudo, a maior parte das traduções publicadas optava por um significado simplista, chegando até mesmo a alterar inteiramente o sentido da palavra original. Porque a palavra que Deus diz a Caim no momento em que ele é jogado ao mundo, após ter matado o próprio irmão, na verdade significa "liberta-te".

        Essa revelação altera o comportamento do pai, que, finalmente, abraça o filho e se permite amá-lo, libertando-o do seu destino fatídico.

        Nesse momento, quebra-se o enredo trágico que Adam destinara aos dois filhos pela troca do significado de uma única palavra. Troca que só é possível por meio do olhar de um estrangeiro, de alguém proveniente de outra cultura.

        Utilizando um termo da antropologia, a tradução dessa palavra ressignifica toda a história de Caim e Abel, revelando o amor divino que tudo perdoa e compreende.

        Todos nós nascemos, como os gêmeos da obra de Steinbeck, Caleb e Aron, imersos em uma imensa trama de narrativas. Certas narrativas exercem uma grande influência sobre o imaginário familiar, cultural, ou ambos, como se nos possuíssem. Elas condicionam o nosso modo de ver a vida, de tomar decisões, de resolver os problemas afetivos e assim por diante.

        Trata-se do nosso currículo oculto, da bagagem que uma criança traz à escola, só detectável pela sensibilidade do professor que não considera seu aluno um vaso oco a ser preenchido por conhecimentos predeterminados pelos currículos oficiais.

        Contudo, há também o risco oposto: imaginemos um professor, sensível à causa indígena, com um descendente direto de indígenas na sua classe. A tentação de usá-lo para saciar a nossa curiosidade natural a respeito de suas lendas, crenças e costumes também pode ter um efeito devastador.

        Portanto, seja em sala de aula, seja no espaço familiar, é importante lembrar que as histórias constituem um material de grande carga afetiva. Relacionar uma pessoa a uma determinada história pode significar aprisioná-la dentro dela.

        Isso fica mais claro quando pensamos nos escritores. Há um livro de suspense de Stephen King, americano mestre do terror, chamado Louca obsessão, no qual um escritor é raptado por sua maior fã. Cansado de escrever sempre sobre a mesma personagem, ele a mata. Inconformada, sua fã número I o aprisiona, quebra suas pernas e obriga-o a ressuscitar a personagem que ela tanto amava.

        E muito fácil um escritor ser preso pelo sucesso do seu estilo ou de seus personagens. Manter-se sempre obediente a uma determinada fórmula. Contudo, ao mencionar os "Odus do candomblé", as Mil e uma noites, ou a bela saga de Steinbeck, a função primeira das narrativas é a busca da liberdade. Nem que isso signifique, simplesmente, a liberdade de mergulhar em novos rios de histórias.

        Pode ocorrer que o aluno indígena que imaginei em uma classe esteja apaixonado pelos contos de fadas europeus e não sinta vontade alguma de falar sobre suas lendas. Que a ele seja dada então a liberdade de apaixonar-se por outras narrativas.

        "Mar de histórias" é a expressão que se usava em sânscrito para se referir ao universo das narrativas. Ao transitar por essas rotas imaginárias, é sempre bom ter em mente a metáfora do mar. Ou seja, é preciso ter um caminho, é preciso manter o leme firme, mas é também necessária a consciência de que se navega em águas que ora podem ser muito tranquilas, ora podem se transformar em verdadeiros maremotos.

        Esta aventura literária da qual fazem parte o mestre e seus alunos: é preciso coragem para trafegar por mundos imaginários; porém, as viagens serão sempre cheias de descobertas.

Heloisa Prieto.

Fonte: Letra e Vida. Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – Coletânea de textos – Módulo 3 – CENP - São Paulo – 2005. p. 33-40.

Entendendo o conto:

01 – Qual a primeira história bíblica recontada no texto, e o que ela simboliza na visão da autora?

      A primeira história recontada é a de Jonas e a baleia, adaptada da Bíblia. Na visão da autora, ela simboliza a nobreza e a coragem de Jonas, que prefere ser lançado ao mar para salvar os tripulantes. Além disso, representa a proteção e a salvação pela natureza, sem que o herói precise lutar, e a capacidade de sobreviver e recomeçar. A autora também reflete sobre como a baleia "amou" Jonas, acolhendo-o.

02 – Como as culturas indígena e afro-brasileira são citadas para ilustrar a importância das narrativas no nascimento e na vida das pessoas?

      Na cultura indígena Munduruku, as crianças recebem dois nomes (social e mágico), cada um ligado a uma narrativa mítica e a uma função significativa. Na cultura afro-brasileira do candomblé, as pessoas vivem de acordo com os Odus, que são narrativas míticas que orientam suas vidas. Ambas as culturas demonstram que, ao nascer, o indivíduo já é envolvido por uma "rede de histórias" que moldam sua existência.

03 – Qual o papel do "contador de histórias" na tradição oriental Sufi, e como isso se relaciona com a história das "Mil e uma noites"?

      Na tradição Sufi, o contador de histórias era chamado para curar pessoas enlouquecidas, narrando "histórias e mais histórias" até que recuperassem a capacidade de "pensar o mundo". A história das "Mil e uma noites" exemplifica isso, com Sherazade curando o príncipe assassino ao seduzi-lo e prendê-lo ao fio de suas narrativas incompletas, que o tranquilizam e o transformam no "mais sábio dos soberanos".

04 – Por que, segundo o texto, Cristo respondia a seus inimigos por meio de parábolas?

      Cristo respondia a seus inimigos por meio de parábolas em vez de longas explicações porque essas breves narrativas contêm uma "trama de significados tão profundos" que são compreendidas e citadas mesmo fora do contexto religioso. Isso ilustra o poder das histórias em transmitir verdades complexas de forma acessível e impactante.

05 – Qual a diferença de significado entre as traições de Judas e Pedro a Cristo, e o que a autora aprendeu ao relê-las?

      A autora percebe que Judas trai Cristo motivado pelo dinheiro, enquanto Pedro o trai motivado pelo medo. Ao reler, ela nota que Pedro consegue resgatar seu vínculo com Cristo, o que não acontece com Judas. Além disso, do ponto de vista da teoria literária, Judas é o "propulsor à ação", sem o qual Cristo não se teria transformado no redentor. A autora ainda se pergunta por que Cristo foi tão complacente com Judas.

06 – Como a crônica exemplifica a ideia de que "uma mesma narrativa pode conter muitas chaves para a compreensão de uma verdade"?

      A crônica exemplifica isso através da análise das traições de Judas e Pedro, mostrando como a mesma história bíblica pode ter diferentes interpretações dependendo do ponto de vista (literário, psicológico, cultural). A revelação do sábio chinês Lee sobre a palavra hebraica "liberta-te" dita a Caim também ilustra como uma única palavra, com seus múltiplos significados, pode ressignificar uma narrativa inteira.

07 – Qual a importância da revelação do sábio chinês Lee sobre o significado da palavra dita a Caim na Bíblia?

      A revelação de Lee, de que a palavra que Deus diz a Caim significa "liberta-te", é crucial pois quebra o "enredo trágico" que Adam havia destinado aos seus filhos. Essa ressignificação da história bíblica transforma a perspectiva do pai sobre Caleb e Aron, permitindo que ele abrace o filho e o liberte de um destino fatídico. Isso demonstra como a interpretação de uma narrativa pode ter um impacto profundo na vida real.

08 – O que a crônica entende por "histórias que nos possuem" e como elas influenciam nossa vida?

      "Histórias que nos possuem" são narrativas recorrentes e sempre presentes em nossas vidas, sejam elas contos milenares (Cinderela, Chapeuzinho Vermelho), obras literárias ("O Pequeno Príncipe") ou familiares. Elas condicionam nosso modo de ver a vida, tomar decisões e resolver problemas, funcionando como um "currículo oculto" e uma "bagagem" que cada indivíduo traz consigo.

09 – Que risco a autora aponta em relação ao professor que lida com a "bagagem" cultural dos alunos?

      A autora alerta para o risco de o professor, mesmo sendo sensível à causa indígena, por exemplo, usar o aluno como um meio de saciar sua própria curiosidade sobre lendas e costumes. Isso pode ter um "efeito devastador", pois a história, apesar de ser um material de "grande carga afetiva", pode aprisionar a pessoa se ela for relacionada unicamente a uma determinada narrativa.

10 – Qual a metáfora final utilizada pela autora para descrever a "aventura literária" e o que ela sugere sobre o ato de ler e navegar por histórias?

      A autora utiliza a metáfora do "mar de histórias" (expressão sânscrita) para descrever o universo das narrativas e a aventura literária. Ela sugere que é preciso ter um caminho e manter o leme firme (orientação), mas também ter a consciência de que se navega em "águas que ora podem ser muito tranquilas, ora podem se transformar em verdadeiros maremotos". Isso implica que a leitura é uma jornada corajosa, cheia de descobertas, mas também de imprevisibilidade e desafios.