sexta-feira, 1 de agosto de 2025

TEXTO: DISCURSO POLÍTICO-ESTUDANTIL - FRAGMENTO - J.D.D.N. ALUNO DA 8ª SÉRIE - COM GABARITO

 Texto: Discurso político-estudantil – Fragmento

        Bom dia, pessoal. Nós somos da chapa de oposição e vamos apresentar propostas que vão mudar a vida de vocês dentro e fora da escola.

        A primeira proposta é “música no recreio”, mas com banda ao vivo uma vez por mês. Provavelmente, vocês estão pensando “todo ano é a mesma promessa, mas ninguém cumpre”. Por que vocês devem acreditar que nós vamos cumprir a promessa? Porque, na nossa chapa, duas pessoas são de bandas, o que facilita o contato com músicos. [...] Durante a gestão da atual chapa, alguma banda veio tocar ao vivo no recreio da escola?

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifQmCUmF692P05FqI4ssn1giT8habUSbEzchLsLpG_INgm65LCCruUe23iK0dg3XzsQUoXsMhyMJYu1jKonheSnJXJ-S23zDR9twnz5FmhaSnXhR0DjGMcDHLo5rFnVOkE0M72nGBtPjc5NSRyZ8q_y_zNvWEwM2XESgkpsUDD1FCvmhuo83BwTAcizXE/s320/Beijing_students_protesting_the_Treaty_of_Versailles_(May_4,_1919).jpg


        A segunda proposta é de continuidade do “Baile do aluno”, mas com melhoria. A nossa chapa vai continuar com o “Baile do aluno”, que já foi realizado nos dois últimos anos. No entanto, vai ser um baile muito melhor, pois vamos propor à direção que seja um baile para os dois turnos e não como aconteceu no ano passado e no retrasado, dividindo todo mundo: turno da manhã em um dia, turno da noite em outro dia. Nós sabemos que essa divisão foi uma exigência da direção, que tinha medo de que muita gente reunida pudesse causar tumulto e estragar alguma coisa na escola. Nossa chapa já começou a conversar com a direção e vai assumir a responsabilidade pela realização de um único baile. Nós vamos entrar em todas as turmas e vamos pedir a colaboração de todos. [...] Não adianta a outra chapa dizer que vai fazer isso, pois eles ficaram um ano à frente do Grêmio e nem tocaram no assunto.

        A terceira proposta tem a ver com a carteirinha de estudante, mas carteirinhas pra valer. Vocês vão falar “mas não tem novidade alguma na carteirinha de estudante, o ano passado teve, o ano retrasado teve”. Qual é a novidade da carteirinha de estudante? A gente pesquisou e descobriu que esta carteirinha aqui, a do ano passado, a do ano retrasado, só é válido em Dracena. [...] Qual é a solução? A solução é simples e fácil: dia trinta, vocês votam na nossa chapa. Por quê? Porque há três meses a gente está em contato com um órgão que se chama UBES, União Brasileira dos Estudantes Secundaristas. É o maior órgão de estudantes do Brasil. É uma espécie de grêmio do Brasil inteiro essa UBES, para ficar mais claro. A nossa carteirinha passaria a valer por todo o Brasil. Vocês podem até falar “ah, por isso não, eu voou votar na outra chapa, porque eles também podem fazer esse projeto da carteirinha válida por todo o Brasil”. Olha, eu não vou falar que eles não podem, só que é o seguinte: como eu já disse, há três meses a nossa chapa já está em contato com a UBES. Então, vamos fazer um cálculo assim: eles vão demorar, no mínimo, seis meses para entregar a carteirinha de estudante válida por todo o Brasil, para vocês. Com a gente, não, com a gente, vai ser diferente. Como já tem um contato, tem tudo esquematizado, em menos de um mês, ou até dois, no máximo, essas carteirinhas estariam prontas para vocês.

        Então, resumindo e deixando claro: carteirinha de estudante que vale por todo o Brasil é só com a gente! Baile do aluno em conjunto com os dois turnos é só com a gente! Recreio com música e banda ao vivo uma vez por mês é só com a gente! Com a outra chapa, vocês vão ter carteirinha de estudante que só vale em Dracena; baile do aluno da tarde separado do baile do aluno da manhã; recreio desanimado, de vez em quando uma musiquinha.

        Então, essas são as nossas propostas para vocês pensarem. Nós temos certeza de que, se vocês pensarem direitinho, dia trinta, vocês vão votar na chapa de oposição. Obrigado pela atenção. No dia trinta, o voto de vocês vai decidir se as coisas vão continuar como estão ou se vão mudar para melhor.

J. D. D. N., aluno da 8ª série (9º ano), 2006. Discurso coletado para esta edição/Arquivo da editora.

Fonte: Universos – Língua Portuguesa – Ensino fundamental – Anos finais – 9º ano – Camila Sequetto Pereira; Fernanda Pinheiro Barros; Luciana Mariz. Edições SM. São Paulo. 3ª edição, 2015. p. 16-17.

Entendendo o texto:

01 – Quem está apresentando o discurso e qual é o objetivo principal?

      O discurso está sendo apresentado pela chapa de oposição em uma eleição estudantil. O objetivo principal é convencer os alunos a votarem neles ao apresentar propostas que prometem mudar a vida deles dentro e fora da escola para melhor.

02 – Qual é a primeira proposta da chapa de oposição e como eles pretendem garantir seu cumprimento?

      A primeira proposta é "música no recreio", com banda ao vivo uma vez por mês. Eles pretendem garantir o cumprimento porque duas pessoas da chapa são de bandas, o que facilita o contato com músicos, diferenciando-os da chapa atual que não cumpriu essa promessa.

03 – Como a chapa de oposição pretende melhorar o "Baile do aluno"?

      A chapa de oposição pretende melhorar o "Baile do aluno" tornando-o um baile para os dois turnos (manhã e noite) em um único dia, ao invés de dividi-los como nos anos anteriores. Eles já estão conversando com a direção e assumirão a responsabilidade para garantir essa unificação.

04 – Qual é a principal inovação proposta pela chapa de oposição em relação à carteirinha de estudante?

      A principal inovação é oferecer uma carteirinha de estudante válida em todo o Brasil, e não apenas na cidade de Dracena, como as carteirinhas anteriores. Eles afirmam ter contato com a UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) para agilizar esse processo.

05 – Qual argumento a chapa de oposição usa para mostrar sua vantagem em relação à outra chapa na questão da carteirinha de estudante?

      A chapa de oposição argumenta que, como já estão em contato com a UBES há três meses e têm tudo "esquematizado", eles conseguirão entregar a carteirinha válida em todo o Brasil em menos de um mês ou no máximo dois. Eles sugerem que a outra chapa, se tentasse, demoraria no mínimo seis meses.

06 – Como a chapa de oposição resume suas principais propostas no final do discurso?

      No final do discurso, a chapa de oposição resume suas principais propostas como: carteirinha de estudante que vale por todo o Brasil, baile do aluno em conjunto com os dois turnos, e recreio com música e banda ao vivo uma vez por mês. Eles contrastam essas propostas com o que a outra chapa oferece ("carteirinha que só vale em Dracena; baile do aluno da tarde separado do baile do aluno da manhã; recreio desanimado").

07 – Qual é o apelo final da chapa de oposição aos eleitores?

      O apelo final é para que os alunos pensem direitinho e votem na chapa de oposição no dia trinta. Eles enfatizam que o voto dos estudantes "vai decidir se as coisas vão continuar como estão ou se vão mudar para melhor".

 

POEMA: MAMÃ NEGRA - FRAGMENTO - VIRIATO DA CRUZ - COM GABARITO

 Poema: Mamã negra – Fragmento

             Viriato da Cruz

Tua presença, minha Mãe – drama vivo duma Raça,

Drama de carne e sangue

Que a Vida escreveu com a pena dos séculos!

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiDhVUnyp_jHHgX1dniYS4AAJyDPtwV_hOZvbTaGpysZKBVoiAe_z0AwejdfR4zLpjgarJcRloAlbNMZxEU6NsSkPBQGF1OwCu7Ls_IfVICEl_7k9r84rNecaLJmZ4yA7nSr4Kum9LrV8ePPRUbLA_2whthLyCAXU0M9z__LyVgrJxAuFtRXZ73tP95VNg/s320/hq720.jpg


Pela tua voz

Vozes vindas dos canaviais dos arrozais dos cafezais

dos seringais dos algodoais!...

 

Vozes das plantações de Virgínia

dos campos das Carolinas

Alabama

Cuba

Brasil...

Vozes dos engenhos dos banguês das tongas dos eitos

das pampas das minas!

Vozes de Harlem Hill District South

vozes das sanzalas!

Vozes gemendo blues, subindo do Mississipi, ecoando

dos vagões!

Vozes chorando na voz de Carrothers:

Lord God, what will have we done [Ó, Deus, o que teríamos feito?]

Vozes de toda América! Vozes de toda a África!

[...]

Viriato da Cruz. Em: Maria Alexandre Dáskalos; Lívia Apa; Arlindo Barbeitos. Poesia africana de língua portuguesa (antologia). Rio de Janeiro: Lacerda, 2003. p. 55.

Fonte: Universos – Língua Portuguesa – Ensino fundamental – Anos finais – 8º ano – Camila Sequetto Pereira; Fernanda Pinheiro Barros; Luciana Mariz. Edições SM. São Paulo. 3ª edição, 2015. p. 47.

Entendendo o poema:

01 – Qual o tema central abordado pelo poema?

      O poema aborda o drama e sofrimento da raça negra, personificados na figura da "Mamã negra". Ele explora a dor, o trabalho forçado e a opressão vivenciados por essa raça ao longo dos séculos.

02 – Como o poema evoca a dimensão geográfica do sofrimento?

      O poema evoca a dimensão geográfica ao mencionar uma vasta gama de locais, como canaviais, arrozais, cafezais, seringais, algodoais, além de regiões específicas como Virgínia, Carolinas, Alabama, Cuba, Brasil, Harlem, Hill District, South e sanzalas. Essa lista exaustiva de lugares demonstra a abrangência global da exploração e da diáspora africana.

03 – Que tipo de trabalho é associado à voz da "Mamã negra" no poema?

      A voz da "Mamã negra" é associada a trabalhos agrícolas e extrativistas, como o cultivo de cana, arroz, café, borracha e algodão. Também são mencionados os "engenhos, banguês, tongas, eitos, pampas e minas", que remetem a locais de intensa exploração e trabalho escravo.

04 – De que forma o poema utiliza o elemento "voz" para construir seu significado?

      O poema usa a "voz" como um elemento central para representar a memória coletiva e o lamento histórico da raça negra. As "vozes" vêm de diversos lugares e contextos de sofrimento, culminando em "vozes gemendo blues" e chorando, simbolizando a expressão da dor e da resiliência.

05 – Qual a conexão entre a "Mamã negra" e a "História" no fragmento?

      A "Mamã negra" é descrita como um "drama de carne e sangue / Que a Vida escreveu com a pena / dos séculos!". Isso estabelece uma conexão direta entre ela e a própria história da raça negra, indicando que sua existência e sofrimento são a materialização viva de um passado de opressão e luta.

 

 

DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA: COMO, ONDE E QUANDO NASCEU A LÍNGUA PORTUGUESA? FRAGMENTO - ATALIBA T. DE CASTILHO - COM GABARITO

 Divulgação Científica: Como, onde e quando nasceu a língua portuguesa? – Fragmento

            Ataliba T. de Castilho (USP, CNPq)

        [...]

        Para saber como, onde e quando nasceu a Língua Portuguesa, precisaremos em primeiro lugar entender o que é a Europa Latina.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhWH8-7IStAW0mwItCkWDRzc3wmIQsaTozyvU2rjoxJs4Y6rdCFvHPC54IK8faUp1CBIyqp3RXVB1ctcYvRPAY8Fexm5AwKt0YnNxRbfrA1Qhmnr2nmVRcZ-TEJHksjPQAFWgLEFkwnGOcG4tXdo2Ffy6vVDhA-aoxVz92Z34iSbYMz9KId-molIT4uRss/s320/maxresdefault.jpg


        [...]

        Tópico 1

        Pra começo de conversa, você sabia que existe a América Latina, mas sabia também que existe uma Europa Latina? Pois é, além de América Latina também existe uma Europa Latina. É isso mesmo, só que ao contrário. É porque existiu uma Europa Latina que temos hoje uma América Latina, onde se falam o Português, o Espanhol e o Francês, trazidos pelos colonizadores.

        A Europa Latina é a parte europeia do que sobrou do Império Romano. O Império Romano desapareceu enquanto organização política e administrativa, mas sua cultura continua viva, sendo cultivada, por exemplo, aqui no Brasil! Daí a importância em conhecer a Europa Latina.

        [...]

        Tópico 2

        Os romanos invadiram a Península Ibérica entre 197 antes de Cristo e 400 depois de Cristo. Quem diria, dois mil anos mais tarde, nós aqui no Brasil estamos falando uma língua latina! Quando os romanos conquistaram a Península Ibérica eles atiraram (lanças e flechas) no que viam (os coitados dos ibéricos) e acertaram no que não viam (os povos da América Latina).

        [...]

        Mas enfim, o que levou os romanos a invadirem a Península Ibérica foi uma razão tão simples quanto antiga: a ambição humana.

        [...]

        O sul da Península foi rapidamente submetido, mas o norte e o centro permaneceram por muito tempo na mão dos antigos donos do negócio. O norte foi particularmente resistente, graças à chefia de Viriato, chefe dos Lusitanos. Em 139 a.C. eles foram atraiçoados e eliminados pelos romanos. Um ano antes tinha sido fundada a cidade de Felicitas Julia Olisipo, atual Lisboa.

        [...]

        A Hispânia Citerior foi colonizada por militares, tendo-se ali desenvolvido uma cultura mais rural, menos desenvolvida economicamente, mais ligada a Roma, de onde era accessível por terra. Em consequência, o Castelhano ou Espanhol, ali desenvolvido, seria mais inovador, transformando mais fortemente o Latim Vulgar. O Catalão se constitui num caso à parte, com sua natureza de “língua-ponte”, assumindo propriedades linguísticas da Ibero-România e da Galo-România: Baldinger (1962).

        [...]

        Tópico 3

        Agora que ficou clara a importância do Latim Vulgar, seria o caso de ler algum texto escrito nessa língua.

        Pois é, meu caro, desta vez não vai dar! O Latim Vulgar era só falado, e falado por quem não dominava a escrita – sendo que naqueles tempos, ainda por cima, poucos indivíduos dominavam a escrita. Para piorar as coisas, os japoneses ainda não tinham inventado o gravador eletrônico portátil. O jeito então é comparar as línguas românicas entre si, pois sendo descendentes do Latim Vulgar, guardaram traços dele. É como diziam os antigos: “quem sai aos seus não degenera”. [...]

        Para ajudar na reconstituição do Latim Vulgar, também se pode buscar por aí um ou outro texto latino que tenha documentado essa variedade, como as comédias romanas, as inscrições em arcos-do-triunfo e em pedras tumulares, os grafitti em paredes que tenham sobrevivido (como em Pompéia, por exemplo), e por aí vai. Mas é preciso tomar cuidado com esses testemunhos, pois é evidente que quem os escreveu sabia Latim Culto, e pode ter misturado sem querer as duas variedades.

        [...]

        Tópico 4

        A latinização da Península Ibérica pelos romanos e a existência de povos e culturas pré e pós-romanos no território criaram as condições para o surgimento do Português. Vamos ver isso passo a passo. A expansão romana pela Europa teria como resultado o surgimento de um grande conjunto de línguas, denominadas línguas românicas, derivadas do Latim Vulgar. Entre os últimos tempos do Latim e o surgimento das línguas românicas, aproximadamente entre os anos 600 e 1000, falou-se na Europa o Romance. [...]

        Subtópico 4.1

        Os cidadãos romanos tinham consciência das variedades de Latim que estavam usando, tal como hoje, quando distinguimos o Português Culto do Português Popular. Naquele tempo, as variedades do Latim eram reconhecidas e designadas pelas expressões latine loqui, isto é, falar Latim Culto, e romanice loqui, isto é, falar o Latim Vulgar dialetado que se espalharia pela Europa.

        O advérbio romanice, que aparece na expressão romanice loqui, mudaria foneticamente para Romance, passando a designar primeiramente a resultante europeia da dialetação do Latim Vulgar por toda a Europa Latina, e posteriormente um gênero literário – precisamente as narrativas redigidas nessa língua, intermediária entre o Latim Vulgar e as futuras línguas românicas. É no primeiro desses sentidos que se toma aqui a palavra Romance.

        O período Romance não é conhecido em detalhes. Tudo o que se sabe é que o Romance variava geograficamente, e já não podia mais ser considerado como Latim, dadas as profundas alterações operadas na gramática da língua de Roma, nem era ainda algumas das línguas românicas que hoje conhecemos. A própria duração do Romance variou no tempo: na França, ele parece ter sido extinto em 800, quando surge o primeiro documento em Francês, os Juramentos de Estrasburgo, de 838. Na Ibéria o “prazo de validade” do Romance foi mais extenso, e ele deve ter sobrevivido até 1100. Você sabe, os bons ares do lugar, o azeite, o queijo e o vinho...

        [...]

        Subtópico 4.3

        A Ibéria não era nenhum deserto humano quando os Romanos chegaram. Eles encontraram aqui os Bascos ou Iberos, aquele povo não Indoeuropeu, e ainda os Celtas, os Ambroilírios, os Fenícios ou Cartagineses (a quem derrotaram) e os Gregos.

        [...]

        Nenhum desses povos conseguiu preservar sua língua diante do avanço romano, com exceção dos Bascos. O Latim Vulgar receberia deles contribuições lexicais, tendo preservado sua morfologia e sua sintaxe. É por isso que o Galego, o Português e o Castelhano mantêm até hoje uma gramática neolatina.

        [...]

        Subtópico 4.4

        A Península Ibérica não virou um paraíso na terra só porque os romanos tinham chegado e tomado conta do pedaço.

        Estavam os descendentes dos romanos muito felizes com suas novas propriedades hispânicas, quando o lugar entrou na mira dos germanos. Logo os germanos, que tanta confusão já tinham armado no coração mesmo do Império, e que acabariam por dar-lhe fim, em 497 d.C.! Mas não apenas os germanos fizeram estripulias no lugar! Mal começada a Era Moderna, lá vieram os Árabes acabar com a graça dos descendentes dos invasores germânicos.

        [...]

        Tópico 6

        O Português Arcaico foi falado e escrito entre os sécs. XIII e XVI, mais precisamente, até o ano de 1540.

        Se há um assunto complicado é o da datação das línguas e das fases históricas pelas quais elas passaram. Pense um pouco. A história dos povos exige datas, afinal ela é uma narrativa de eventos que se dispõem na linha do tempo. Até aí tudo bem. O problema é que na história das línguas só podemos datá-las através de documentos nos quais elas apareçam escritas. Ora, quando uma dada língua chega a ser escrita, é por que já vinha sendo falada há muito tempo! Há quanto tempo? Impossível saber. De modo que vamos olhar estas datas todas com um pé atrás, entendendo que elas são aproximativas.

        Neste quadro de dificuldades, diversos autores têm trabalhado com a hipótese de que o Português surgiu quando se deixou de escrever documentos no Romance do Noroeste da Península, adotando-se a língua que decerto já vinha sendo falada há tempos. Ora, isso se deu por volta de 1200, talvez um pouco antes, isto é, entre o séc. XII e o séc. XIII. Logo, podemos dizer – até que se descubram documentos mais antigos – que o Português se formou nessa data, e que portanto já existe há 800 anos. Velhinho, hein? Pois não é não. O Francês é pouco mais de três séculos mais velho, e o Castelhano existe desde 900 e tal. Imagine então a idade das línguas da Índia, da China e do Japão!

        [...]

        Tópico 7

        Levou tempo para que se tomasse consciência do Português como uma nova língua. Tiveram importância nesse ofício duas instituições, que agiram como centros irradiadores de cultura na Idade Média: os mosteiros, onde se levavam a cabo traduções de obras latinas, francesas e espanholas (Mosteiros de Santa Cruz e Alcobaça) e a Corte, para a qual convergiam os interesses nacionais. Escreviam ali fidalgos e trovadores, aprimorando a língua literária.

        Constituída essa consciência linguística, passamos ao século XVI, quando o debate hoje rotulado como “a questão da língua”, além da publicação das primeiras gramáticas e dicionários, focalizaram a importância do Português, sua expansão e sua oposição ao castelhano.

        Gramáticos portugueses dos séculos XVI e XVII proclamam as virtudes da língua pátria, capaz de veicular quaisquer tipos de sentimentos e arrazoados. Eles se opunham àqueles que julgavam as línguas românicas veículos toscos, insuficientes para as altas criações do espírito. E aqui entra Camões, com seus célebres versos.

        E na língua, na qual quando imagina

        Com pouca corrupção crê que é a Latina (Lus. I, 33)

        A ninguém passou despercebida a relação entre a expansão do Império e a Língua Portuguesa, que seria levada aos quatro cantos do mundo. Escritos evidenciam essa percepção, como se pode ler nos primeiros gramáticos, um dos quais, João de Barros, escreveu as Décadas da Ásia, em que trata igualmente do assunto.

        [...]

        Finalmente, o Romantismo vem encontrar os gramáticos atentos ao gênio da língua e ao papel do povo em sua elaboração. Já agora a questão da língua é entregue à ciência, personificada em Francisco Adolfo Coelho, fundador da Linguística Portuguesa. A história da língua passa a incorporar a língua não escrita. E nisto estamos.

        [...]

Ataliba T. de Carvalho. Como, onde e quando nasceu a língua portuguesa? Disponível em: http://www.museudalinguaportuguesa.org.br/files/mlp/texto_9.pdf. Acesso em: 3 fev. 2015. p. 01-36.

Fonte: Universos – Língua Portuguesa – Ensino fundamental – Anos finais – 8º ano – Camila Sequetto Pereira; Fernanda Pinheiro Barros; Luciana Mariz. Edições SM. São Paulo. 3ª edição, 2015. p. 25-28.

Entendendo a divulgação:

01 – O que é a Europa Latina e qual sua importância para a língua portuguesa?

      A Europa Latina é a parte europeia que restou do Império Romano. É importante porque, embora o Império Romano tenha desaparecido como organização política, sua cultura continuou viva, e foi dela que se originaram as línguas latinas, incluindo o português.

02 – Quando e como os romanos invadiram a Península Ibérica?

      Os romanos invadiram a Península Ibérica entre 197 a.C. e 400 d.C. O motivo principal dessa invasão foi a ambição humana, e eles gradualmente submeteram a região, enfrentando resistência no norte, como a liderada por Viriato.

03 – Qual era a diferença entre Latim Culto e Latim Vulgar?

      O Latim Culto era a variedade formal da língua, dominada pela escrita e usada por aqueles com educação. O Latim Vulgar, por sua vez, era a língua falada cotidianamente pelas pessoas que, em sua maioria, não dominavam a escrita, e foi essa variedade que se espalhou e deu origem às línguas românicas.

04 – Por que é difícil estudar o Latim Vulgar diretamente através de textos?

      É difícil estudar o Latim Vulgar diretamente porque ele era uma língua essencialmente falada e utilizada por pessoas que não dominavam a escrita. Os textos latinos que sobreviveram são geralmente em Latim Culto, e mesmo quando há vestígios do Latim Vulgar (como em comédias romanas ou grafites), é preciso cautela, pois os autores podiam misturar as variedades.

05 – O que foi o período "Romance" na formação das línguas românicas?

      O período Romance foi uma fase intermediária, aproximadamente entre os anos 600 e 1000 d.C., entre o Latim Vulgar e o surgimento das línguas românicas. Nesse período, o Latim Vulgar já havia sofrido profundas alterações gramaticais e geográficas, mas ainda não era nenhuma das línguas românicas que conhecemos hoje.

06 – Quando se estima que o português "nasceu" como uma língua distinta?

      Estima-se que o português se formou por volta de 1200 d.C., ou seja, entre os séculos XII e XIII. Essa data é aproximada, marcada pelo momento em que documentos deixaram de ser escritos no Romance do Noroeste da Península e a língua que já era falada passou a ser registrada.

07 – Quais povos habitavam a Península Ibérica antes da chegada dos romanos, e qual deles conseguiu preservar sua língua?

      Antes dos romanos, a Península Ibérica era habitada por povos como os Bascos (ou Iberos), Celtas, Ambroilírios, Fenícios (ou Cartagineses) e Gregos. Desses, apenas os Bascos conseguiram preservar sua língua diante do avanço romano.

08 – Como a invasão dos povos germânicos e árabes influenciou a Península Ibérica após a romanização?

      Após a romanização, a Península Ibérica foi invadida pelos germanos, que desestabilizaram o Império Romano. Mais tarde, com o início da Era Moderna, os árabes também invadiram a região, alterando ainda mais o cenário cultural e linguístico.

09 – Quais instituições foram importantes para a tomada de consciência do português como uma nova língua na Idade Média?

      Duas instituições foram cruciais: os mosteiros (como os de Santa Cruz e Alcobaça), que realizavam traduções e disseminavam cultura, e a Corte, para onde convergiam os interesses nacionais e onde fidalgos e trovadores aprimoravam a língua literária.

10 – Qual o papel de autores como Camões e João de Barros na valorização da língua portuguesa?

      Autores como Camões e João de Barros desempenharam um papel fundamental na valorização do português. No século XVI, eles e outros gramáticos proclamaram as virtudes da língua pátria, defendendo sua capacidade de expressar sentimentos e ideias complexas, opondo-se àqueles que a consideravam inferior. João de Barros, em suas Décadas da Ásia, também evidenciava a relação entre a expansão do Império Português e a disseminação da língua.

 

 

PIADA: MEDO - DOMÍNIO POPULAR - COM GABARITO

 Piada: Medo

-- Luizinho, do que você tem mais medo?

-- Da Mula sem cabeça, fessora.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjz2JQdQqubkRiWxtj1sjbXfxbC81KMvlfw-9upIGEjuYgFKQUlveJMr8nxzKIZ_dhEETjL17CJDhlTHg9fdD0OwsD5RDKBlCe7nGl4iuJsLsnh0oqW4RGaTWQq1qIuyOi1a3x90lM7DYsxQJoUpmoU8fQu-6aq5ErODbQDWFDg7TiHt9aLI-vgPv6jjUM/s320/hq720.jpg


-- Ah, Luizinho, a mula sem cabeça não existe. É apenas uma lenda. Você não precisa ter medo.

-- Mariazinha, do que você tem mais medo? –

-- Do Saci Pererê, fessora.

-- Mariazinha, o saci-Pererê também não existe, também é só uma lenda. Você não precisa ter medo.

-- E Você Joãozinho? Do que tem mais medo?

-- Do Malamém, fessora.

-- Malamém? Nunca Ouvi Falar. Quem é esse tal de Malamém?

-- Quem é, eu também não sei, fessora. Mas toda noite minha mãe diz na oração; "Não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do Malamém". 

Domínio popular.

Fonte: Universos – Língua Portuguesa – Ensino fundamental – Anos finais – 8º ano – Camila Sequetto Pereira; Fernanda Pinheiro Barros; Luciana Mariz. Edições SM. São Paulo. 3ª edição, 2015. p. 164.

Entendendo a piada:

01 – Quais foram os medos expressos por Luizinho e Mariazinha, respectivamente?

      Luizinho expressou medo da Mula sem cabeça, e Mariazinha disse ter medo do Saci-Pererê.

02 – Qual a reação da professora aos medos de Luizinho e Mariazinha?

      A professora tranquilizou ambos, afirmando que a Mula sem cabeça e o Saci-Pererê não existem e são apenas lendas, portanto, eles não precisavam ter medo.

03 – Qual o medo que Joãozinho revela ter?

      Joãozinho revela ter medo do Malamém.

04 – Qual foi a reação inicial da professora ao medo de Joãozinho?

      A professora ficou confusa e admitiu que nunca tinha ouvido falar em "Malamém", perguntando quem seria.

05 – Por que Joãozinho tem medo do Malamém, mesmo sem saber quem ele é?

      Joãozinho tem medo do Malamém porque sua mãe o menciona todas as noites na oração: "Não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do Malamém". A repetição na oração familiar o faz crer na existência e periculosidade do "Malamém".

 

CONTO: O VISCONDE PARTIDO AO MEIO - FRAGMENTO - ÍTALO CALVINO - COM GABARITO

 Conto: O visconde partido ao meio – Fragmento

          Ítalo Calvino

        Havia uma guerra contra os turcos. O visconde Medardo di Terralba, meu tio, cavalgava pelas planícies da Boêmia rumo ao acampamento dos cristãos. Acompanhava-o um escudeiro chamado Curzio.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiud0Vsne_CeVUSJukpWUg3JZF2mkg3CRZ0UQUeySSN5xnq_hUUNCe_xB7rNPDpvL_hi77KI-lgTUMdhZSv2F6_zqMttaHVOhTS5ZEb97DLptbj1zxbf6jirCDwnH20zm66PzbN5xoGtR3rUXxiCDo_lJbkZTmysBzW2Jj2AWqCu5jWHW4tID5W0Onx7xw/s320/MG_4640a-e1556822169613.jpg


        As cegonhas voavam baixo, em bandos brancos, atravessando o ar opaco e parado.

        — Por que tantas cegonhas? — perguntou Medardo a Curzio —, para onde estão voando?

        Meu tio acabava de chegar, se alistara havia pouco, para agradar a alguns duques, nossos vizinhos, empenhados naquela guerra. Munira-se de um cavalo e de um escudeiro no último castelo em mãos cristãs, e ia apresentar-se ao quartel imperial.

        — Estão voando para os campos de batalha — disse o escudeiro, sombrio. — Vão nos acompanhar por todo o caminho.

        O visconde Medardo ficara sabendo que naquelas terras o voo das cegonhas é sinal de boa sorte; e queria mostrar-se alegre por vê-las. Mas, a contragosto, sentia-se inquieto.

        — O que pode atrair as pernaltas aos campos de batalha, Curzio? — perguntou.

        — Agora, também elas comem carne humana — respondeu o escudeiro —, desde que a carestia tornou os campos áridos e a estiagem secou os rios. Onde há cadáveres, as cegonhas, os flamingos e os grous substituíram os corvos e os abutres.

        Meu tio se achava então na primeira juventude: a idade em que os sentimentos se misturam todos num ímpeto confuso, ainda não separados em bem e mal; a idade em que cada experiência nova, também macabra e desumana, é toda trepidante e efervescente de amor pela vida.

        — E os corvos? E os abutres? — perguntou. — E as aves de rapina? Onde foram parar? — Estava pálido, mas seus olhos cintilavam.

        O escudeiro era um soldado de pele escura, bigodudo, que nunca erguia os olhos.

        — À força de comer as vítimas da peste, a peste os atacou também. — E apontou com a lança certas moitas escuras que a um olhar mais atento se revelavam não de plantas, mas de penas e pés ressecados de aves de rapina.

        — Assim, nem dá para saber quem morreu antes, se a ave ou o homem, e quem se lançou sobre o outro para esganá-lo — disse Curzio.

        Para fugir da peste que exterminava as populações, famílias inteiras tinham se encaminhado para os campos, e a agonia havia golpeado a todos ali. Em montes de carcaças, espalhadas pela planície árida, viam-se corpos de homens e mulheres, nus, desfigurados pelas marcas da peste e, coisa a princípio inexplicável, penugentos: como se daqueles braços macilentos e costelas tivessem crescido penas pretas e asas. Eram as carcaças de abutres misturadas com as sobras deles.

        O terreno já ia mostrando sinais de batalhas. A marcha se tornara mais lenta porque os dois cavalos topavam nos restos e lombadas.

        — O que está acontecendo com nossos cavalos? — perguntou Medardo ao escudeiro.

        — Senhor — respondeu ele —, nada desagrada tanto aos cavalos quanto o fedor das próprias tripas.

        A faixa de planície que atravessavam achava-se de fato cheia de carcaças equinas, algumas para cima, com os cascos voltados para o céu, outras de bruços, com o focinho enfiado na terra. 

        — Por que tantos cavalos caídos neste ponto, Curzio? — perguntou Medardo.

        — Quando o cavalo sente que está sendo atingido na barriga — explicou Curzio —, trata de segurar as vísceras. Alguns apoiam a pança no chão, outros se viram de costas para que elas não caiam. Mas a morte não tarda a ceifá-los do mesmo jeito.

        — Quer dizer que são sobretudo os cavalos que morrem nesta guerra?

        — As cimitarras turcas parecem feitas de propósito para rasgar-lhes o ventre com um só golpe. Mais adiante verá os corpos dos homens. Primeiro caem os cavalos e depois os cavaleiros. Pronto, lá está o campo.

        Nos limites do horizonte elevavam-se os pináculos das tendas mais altas, os estandartes do exército imperial e a fumaça.

        Continuando a galopar, viram que os caídos da última batalha tinham sido quase todos removidos e enterrados. Só se viam alguns membros dispersos, especialmente dedos, apoiados nos restolhos.

        — De vez em quando há um dedo indicando o caminho — disse meu tio Medardo. — Que significa?

        — Deus os perdoe: os vivos cortam os dedos dos mortos para arrancar-lhes os anéis.

        — Quem vem lá? — disse uma sentinela com capote coberto de mofo e musgo como a casca de uma árvore exposta à tramontana.

        — Viva a sagrada coroa imperial! — gritou Curzio.

        — E que morra o sultão! — replicou a sentinela. — Mas, por favor, quando chegarem ao comando, digam-lhes para mudar logo o turno, pois começo a deitar raízes!

        Agora os cavalos corriam para escapar da nuvem de moscas que circundava o campo, zumbindo pelas montanhas de excrementos.

        — De muitos valentes — observou Curzio — o esterco de ontem ainda está no chão, e eles já chegaram ao céu. — E benzeu-se.

        Na entrada do acampamento, costearam uma fila de baldaquins, sob os quais mulheres de cabelos encaracolados e corpulentas, com longos vestidos de brocado e os seios nus, acolheram-nos com gritos e risadas.

        — São os pavilhões das cortesãs — disse Curzio. — Nenhum exército possui outras tão lindas.

        Meu tio já cavalgava com o rosto virado para trás, observando-as.

        — Cuidado, senhor — acrescentou o escudeiro —, andam tão sujas e empestadas que nem os turcos as aceitariam como presas de um saque. Além de carregadas de chatos, percevejos e carrapatos, agora até os escorpiões e os lagartos fazem ninhos sobre elas.

        Passaram diante das baterias do campo. À noite, os artilheiros cozinhavam o rancho de água e nabos no bronze das espingardas e dos canhões, abrasado dos intensos disparos da jornada.

        Chegavam carroças cheias de terra e os artilheiros a peneiravam.

        — A pólvora está ficando escassa — explicou Curzio —, mas a terra onde as batalhas aconteceram está tão impregnada que, insistindo-se, dá para recuperar algumas cargas.

        Depois vinham as instalações da cavalaria, onde, entre as moscas, os veterinários trabalhavam sem parar remendando a pele dos quadrúpedes com costuras, faixas e emplastos de alcatrão fervente, todos relinchando e escoiceando, inclusive os doutores.

        As tendas da infantaria seguiam-se por um grande trecho. O sol se punha e diante de cada tenda os soldados estavam sentados com os pés imersos em tinas de água morna. Sendo comuns os alarmes repentinos de dia e de noite, mesmo na hora do pedilúvio continuavam a segurar o capacete e a lança. Em tendas mais altas e montadas em forma de quiosque, os oficiais punham talco nas axilas e se refrescavam com leques de rendas.

        — Não fazem isso por frescura — disse Curzio —, ao contrário: querem mostrar que se acham completamente à vontade em meio à dureza da vida militar.

        O visconde de Terralba foi logo conduzido à presença do imperador. Em seu pavilhão cheio de tapeçarias e troféus, o soberano estudava nos mapas os planos de futuras batalhas. As mesas estavam cobertas de mapas abertos, e o imperador espetava neles alfinetes, retirando-os de uma almofada própria que um dos marechais lhe estendia. Os mapas já estavam tão carregados de alfinetes que não se entendia mais nada, e para ler alguma coisa precisavam tirar os alfinetes e voltar a recolocá-los. Nesse tira e põe, para ficar com as mãos livres, tanto o imperador quanto os marechais mantinham os alfinetes entre os lábios e só podiam falar por meio de ganidos.

        Ao ver o jovem que se inclinava diante dele, o soberano emitiu um ganido interrogativo e tirou depressa os alfinetes da boca.

        — Um cavaleiro recém-chegado da Itália, majestade — apresentaram-no —, o visconde de Terralba, de uma das mais nobres famílias da região de Gênova.

        — Que seja logo nomeado tenente.

        Meu tio bateu as esporas, ficando em sentido, enquanto o imperador fazia um amplo gesto real e todos os mapas se enrolavam sobre si mesmos e caíam.

        Naquela noite, embora cansado, Medardo tardou a dormir. Andava para a frente e para trás perto da tenda, e ouvia os apelos das sentinelas, os cavalos relinchando e a fala entrecortada de soldados durante o sono. Observava no céu as estrelas da Boêmia, pensava na nova patente, na batalha do dia seguinte e na pátria distante, na música dos caniços dentro d’água. No coração não guardava nem nostalgia, nem dúvidas, nem apreensão. Para ele as coisas ainda eram inteiras e indiscutíveis, e assim era ele próprio. Se tivesse podido prever a terrível sorte que o aguardava, talvez também a tivesse considerado natural e acabada, mesmo em toda a sua dor. Estendia o olhar até o limite do horizonte noturno, onde sabia que se localizava o campo dos inimigos, e com os braços cruzados apertava as costas com as mãos, contente por ter certeza ao mesmo tempo de realidades longínquas e diferentes, e da própria presença no meio delas. Sentia o sangue daquela guerra cruel, disseminado por mil córregos sobre a terra, chegar até ele; e se deixava tocar, sem experimentar raiva nem piedade.

        [...]

Ítalo Calvino. O visconde partido ao meio. Trad. Nilson Moulin. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 11-16.

Fonte: Universos – Língua Portuguesa – Ensino fundamental – Anos finais – 7º ano – Camila Sequetto Pereira; Fernanda Pinheiro Barros; Luciana Mariz. Edições SM. São Paulo. 3ª edição, 2015. p. 222-225.

Entendendo o conto:

01 – Quem são os personagens principais introduzidos no fragmento e qual a relação entre eles?

      Os personagens principais introduzidos são o Visconde Medardo di Terralba, um jovem que se alistou na guerra para agradar a duques vizinhos, e seu escudeiro Curzio, um soldado experiente que acompanha Medardo em sua jornada. Curzio serve como guia e informante para o visconde.

02 – Qual é o cenário da guerra e quem são os inimigos?

      O cenário da guerra é nas planícies da Boêmia, e os inimigos são os turcos. Medardo e Curzio estão a caminho do acampamento dos cristãos para que o visconde se apresente ao quartel imperial.

03 – Qual a "boa sorte" que o visconde esperava encontrar ao ver as cegonhas e como Curzio desmistifica essa crença?

      O visconde Medardo havia aprendido que o voo das cegonhas era sinal de boa sorte naquelas terras. No entanto, Curzio desmistifica essa crença ao explicar que as cegonhas agora comem carne humana nos campos de batalha, devido à carestia que deixou os campos áridos e secou os rios, substituindo corvos e abutres.

04 – O que aconteceu com os corvos e abutres, as aves de rapina tradicionais?

      Os corvos e abutres foram atacados pela peste ao se alimentarem das vítimas da doença. O escudeiro aponta moitas escuras que, de perto, revelam-se não de plantas, mas de penas e pés ressecados dessas aves.

05 – Como o texto descreve os restos de batalhas nos campos e o que Medardo e Curzio encontram?

      O terreno mostrava sinais de batalhas com montes de carcaças humanas (nus, desfigurados pela peste e penugentos devido à mistura com abutres), e carcaças equinas (cavalos caídos com as vísceras expostas). Além disso, encontram membros humanos dispersos, especialmente dedos, que Curzio explica serem cortados pelos vivos para roubar anéis dos mortos.

06 – Como os cavalos reagem ao fedor das próprias tripas nos campos de batalha?

      Curzio explica que "nada desagrada tanto aos cavalos quanto o fedor das próprias tripas". Eles tentam segurar as vísceras, alguns apoiando a pança no chão e outros se virando de costas para que elas não caiam.

07 – Que tipo de pessoas habitavam os baldaquins na entrada do acampamento, e qual a advertência de Curzio sobre elas?

      Os baldaquins na entrada do acampamento eram os pavilhões das cortesãs, mulheres de cabelos encaracolados, corpulentas, com longos vestidos de brocado e seios nus. Curzio adverte que elas estavam muito sujas e empestadas, a ponto de "nem os turcos as aceitariam como presas", e carregavam parasitas como chatos, percevejos e carrapatos, além de escorpiões e lagartos fazendo ninhos nelas.

08 – De que forma os artilheiros improvisavam a cozinha e a obtenção de pólvora?

      Os artilheiros cozinhavam o rancho de água e nabos no bronze das espingardas e dos canhões, aquecido pelos disparos do dia. Para obter pólvora, eles peneiravam a terra dos campos de batalha, que estava tão impregnada de resíduos que permitia a recuperação de algumas cargas.

09 – Descreva a cena dos oficiais na tenda e a explicação de Curzio para seu comportamento.

      Os oficiais, em tendas mais altas e luxuosas, punham talco nas axilas e se refrescavam com leques de rendas. Curzio explica que eles não faziam isso por frescura, mas para mostrar que se achavam completamente à vontade em meio à dureza da vida militar, um tipo de desafio à própria realidade.

10 – Qual era o estado de espírito do Visconde Medardo na noite anterior à batalha, e o que isso revela sobre sua personalidade naquele momento?

      Naquela noite, Medardo estava cansado, mas demorou a dormir. Ele observava o céu, pensava na nova patente e na batalha, sem sentir nostalgia, dúvidas ou apreensão. O texto revela que "para ele as coisas ainda eram inteiras e indiscutíveis, e assim era ele próprio". Isso mostra uma personalidade ingênua e imatura, que ainda não havia sido afetada pelas complexidades e horrores da vida, especialmente os da guerra.