Texto: OS REQUINTES DA MISÉRIA
Já se tornou um aborrecido lugar-comum
afirmar que o Brasil possui dimensões continentais. Os ufanistas que tanto
repisaram essa fórmula para receitar esperança no futuro do país talvez não
tenham previsto que a quantidade e a variedade de problemas desse
"gigante" infelizmente também teriam grandezas igualmente
continentais.
Recente levantamento feito pelo Centro
de Referências, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes do Distrito
Federal arrolou nada menos que 13 tipos de exploração sexual de menores em 20
Estados. A lista leva a supor que, desgraçadamente, para muitos brasileiros, a
atividade sexual já deixou de ser um meio de prazer e realização, para se
transformar em passaporte de entrada no mais dantesco dos infernos possíveis.
De norte a sul do país, segundo a
pesquisa, a iniciação sexual de milhares de menores ocorre por meio de
exploração turística, prostituição em garimpos, navios e grandes centros
urbanos, escravidão e tráfico, estupro, incesto e abuso sexual domésticos,
leilões de virgindade, mutilações, homicídios e encarceramento.
Só na região metropolitana de Belém
(PA) existem pelo menos 7,5 mil prostitutas entre 12 e 18 anos. Nem mesmo os
Estados mais ricos do Sudeste e Sul do país estão livres desse odioso mercado
do sexo infantil.
A cada nova amostragem das dimensões
que vão assumindo a miséria e todas as perversões que a ela se associam no
Brasil, corre-se o risco de que o país alcance notoriedade não por suas enormes
potencialidades, mas pela diversidade de aberrações que foi capaz de produzir
-algumas delas, infelizmente, com alta cotação no mercado internacional.
Torna-se inevitável assim constatar que
o desafio da modernização do país não pode estar dissociado de um resoluto
combate a todas as formas de desigualdade e exclusão social, a começar das que
já atingiram os extremos da crueldade.
Folha de São Paulo, 15 abr. 1996.
Entendendo o texto:
01 – Qual a importância do
primeiro parágrafo para o texto?
É uma introdução
genética ao tema, que não é apresentado nesse parágrafo. Sua função é deixar
bastante claro que se trata de um problema de repercussões profundas, capaz de
abalar a imagem de si mesmos que alguns setores da sociedade brasileira gostam
de atribuir ao país.
02 – Que tipo de informações
nos transmite o segundo parágrafo? Qual sua importância para o texto?
Esse parágrafo
nos informa que há “nada menos” do que tipos de exploração sexual de menores em
vinte estados brasileiros. É importante ressaltar que esses dados provêm de uma
fonte autorizada e responsável, o Centro de Referências, Estudos e Ações sobre
Crianças e Adolescentes do Distrito Federal.
03 – Qual a relação de
conteúdo entre o primeiro e o segundo parágrafo?
O segundo
parágrafo consiste numa particularização (a exploração sexual de crianças e
adolescentes) do que foi enunciado no primeiro (os problemas continentais do
Brasil). Em outras palavras: caminha-se do geral para o particular.
04 – Qual a importância da
alusão ao Centro de Referências, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes
do Distrito Federal (segundo parágrafo)?
É a chamada
referência a uma autoridade como fonte dos dados utilizados para o encaminhamento
da argumentação.
05 – Comente o valor
argumentativo das expressões destacadas a seguir. Para fazer isso
satisfatoriamente, procure-as no texto a fim de contextualizá-las:
a)
“... arrolou nada menos que 13 tipos...” (2° parágrafo).
A expressão destaca a quantidade como exagerada.
b)
“... existem pelo menos 7,5 mil prostitutas...” (4° parágrafo).
Tem o mesmo papel da anterior, indicando ainda que a cifra pode ser
mais elevada.
c)
“Nem
mesmo os Estados mais ricos...” (4° parágrafo).
A expressão aumenta a força do argumento ao apresenta-lo como pouco
esperado.
d)
“Torna-se inevitável assim constatar...” (último parágrafo).
A palavra encaminha uma conclusão.
06 – Ocorrem, no texto,
vários advérbios terminados em –mente.
Encontre-os e analise seu emprego e seu valor argumentativo.
O aluno deve
perceber que, além de seu papel tradicional – advérbios de modo (igualmente, no primeiro parágrafo) –,
esses advérbios são utilizados no texto dissertativo para exprimir avaliações
do produtor do texto. É ele quem avalia certos fatos e indica essas avaliações
por meio de termos como infelizmente
(primeiro e quarto parágrafos), desgraçadamente
(2° parágrafo).
07 – Observe o emprego dos
adjetivos no texto e responda: que papel exercem essas palavras no desenvolvimento
da argumentação? Retire um exemplo do texto para explicar sua resposta.
O aluno deve
perceber que o adjetivo não só pode indicar caracterização – o que é
tradicionalmente ensinado pela gramática –, mas também pode exprimir a
avaliação do produtor do texto em relação aos fatos apontados. Estão nesse
último caso adjetivos como aborrecido,
dantesco, odioso, resoluto.
08 – Observe a construção
“... não por suas enormes
potencialidades, mas pela
diversidade de aberrações que foi capaz de produzir...” (5° parágrafo). Em sua
opinião, o emprego da estrutura “não...
mas...” consegue que efeito sobre o leitor?
A primeira parte da estrutura apresenta
ao leitor posição diferente daquela adotada pelo produtor do texto, que coloca
sua opinião na segunda parte da estrutura. Isso faz com que o leitor veja nessa
segunda parte um argumento de mais força do que o da primeira.
09 – Comente o valor
argumentativo da construção “Torna-se inevitável assim constatar que...”
(último parágrafo).
É uma estrutura aparentemente impessoal
que induz a aceitar como inquestionável e absolutamente lógica a conclusão a
que se vai chegar.
10 – Você conhece o problema
analisado pelo texto? De que forma esse problema se relaciona com você?
Resposta pessoal
do aluno.
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