Entrevista: Lazer
x Crise Econômica
Na
crise, enquanto os trabalhadores só pensam em não perder o emprego, alguns
patrões consideram que o melhor aproveitamento do tempo livre traz como
consequência, melhor rendimento no trabalho.
Para o sociólogo argentino Jorge Werthein,
representante da Unesco (Órgão ligado à Organização das Nações Unidas – ONU) no
Brasil, em época de desemprego, falar em lazer e tempo livre é problemático.
Nesta entrevista, ele se mostra esperançoso quando declara que “o tempo livre
que decorre do trabalho digno não pode ser visto como condenação ao
desemprego.”
--- O senhor
acredita que os avanços tecnológicos, que teoricamente proporcionam às pessoas
mais tempo fora do trabalho, representam um avanço no aproveitamento do tempo
livre?
Por outro lado, representa avanço, sim,
na medida em que pode ampliar o tempo livre, possibilitando o exercício da
criatividade e da realização pessoal. Por outro lado, só a menor parte da
população trabalhadora se beneficia do tempo livre, o que representa um
problema e uma limitação.
--- Qual
deve ser a orientação para que o tempo livre seja melhor aproveitamento?
Muitos estudiosos proclamam o trabalho
como necessidade humana básica. Nessa perspectiva, o tempo livre é definido
como um modo de recuperar as forças produtivas, ou seja, descansar para poder
produzir. O declínio do emprego, por causa do avanço da ciência e da tecnologia
e dos modelos de desenvolvimento que a gente vê – que concentram decisões
tecnológicas e lucros, começa a abalar os padrões da livre concorrência. E o
tempo livre também pode ser visto como um produto do sistema capitalista, como
objeto de exploração capitalista.
--- De que maneira isso ocorre?
Pela propaganda de valores que tenham
efeitos positivos no aumento da produção e do consumo. Mas é preciso reconhecer
que é parcial, pois não considera a própria luta histórica dos trabalhadores
pela redução da jornada de trabalho. De mais de setenta horas semanais de trabalho
em meados do século passado, a jornada em muitos países já está hoje abaixo de
quarente horas. Essa conquista dos trabalhadores permitiu o desenvolvimento de
uma cultura do lazer. As pessoas comuns passaram a ter acesso a determinados
bens da civilização antes reservados apenas às camadas dominantes da sociedade.
Ao mesmo tempo, surgiram inúmeras instituições sociais promotoras do lazer que
imprimiram uma dimensão cultural ao tempo livre. Mas essa dimensão do lazer
começa a sofrer os primeiros reveses, pois o processo de globalização aumenta
sua velocidade, os modos de produção mudam e a crise do desemprego aumenta e se
universaliza.
--- Existe
um preconceito que marginaliza o tempo livre como fator negativo para o
desenvolvimento das pessoas. Ainda se relaciona tempo livre com o ócio?
O tempo livre só será negativo na
medida em que se reduzir a uma sociedade de consumo. Quem vê o tempo livre
apenas como ócio esquece-se de que a própria Declaração Universal dos Direitos
do Homem. Toda pessoa tem direito a repouso e lazer, inclusive à limitação
razoável das horas de trabalho e a férias periódicas remuneradas.
--- Por causa das jornadas excessivas
de trabalho, tempo gasto na condução, entre outros fatores, os trabalhadores
não conseguem adquirir crescimento cultural. Como corrigir essa defasagem?
O crescimento cultural dos excluídos
representa um dos maiores desafios do nosso tempo. Só uma nova ética das
relações internacionais, que permita a redução das desigualdades entre os
povos, poderá viabilizar o retorno da dimensão humana do desenvolvimento.
--- Como a Unesco interpreta a questão
do lazer; do trabalho e do tempo livre? O mundo atual mostra preocupação com
essas questões?
A Unesco luta incessantemente em várias
frentes para que os direitos humanos sejam respeitados. Luta por um direito que
tenha compromisso com a ética e não com a futilidade e a vida sem sentido,
banalizada.
Todos os compromissos da Unesco têm
algum tipo de relação com o problema do desemprego e do tempo livre. Educação,
ciência, cultura, direitos humanos, tudo isso envolve, de alguma maneira, a
questão do trabalho e do lazer. Todo o esforço da Unesco, desde quando foi
criada, logo após a Segunda Guerra Mundial, tem sido no sentido de promover a
paz e a justiça social por meio de diversas formas de intercâmbio científico e
cultural e compromissos públicos entre seus Estados-membros.
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