quarta-feira, 3 de outubro de 2018

CRÔNICA: VOCÊ É UM NÚMERO - CLARICE LISPECTOR - COM GABARITO

Crônica: Você é um número
             Clarice Lispector

      
        Se você não tomar cuidado vira número até para si mesmo. Porque a partir do instante em que você nasce classificam-no com um número. Sua identidade no Félix Pacheco é um número. O registro civil é um número. Seu título de eleitor é um número. Profissionalmente falando você também é. Para ser motorista tem carteira com número, e chapa de carro. No Imposto de Renda, o contribuinte é identificado com um número. Seu prédio, seu telefone, seu número de apartamento -- tudo é número. 
        Se é dos que abrem crediário, para eles você é um número. Se tem propriedade, também. Se é sócio de um clube tem um número. Se é imortal da Academia Brasileira de Letras tem o número da cadeira. 
        É por isso que vou tomar aulas particulares de Matemática. Preciso saber coisas. Ou aulas de Física. Não estou brincando: vou mesmo tomar aulas de Matemática, preciso saber alguma coisa sobre cálculo integral. 
        Se você é comerciante, seu alvará de localização o classifica também.
        Se é contribuinte de qualquer obra de beneficência também é solicitado por um número. Se faz viagem de passeio ou de turismo ou de negócio também recebe um número. Para tomar um avião, dão-lhe um número. Se possui ações também recebe um, como acionista de uma companhia. É claro que você é um número de recenseamento. Se é católico recebe número de batismo. No registro civil ou religioso você é numerado. Se possui personalidade jurídica tem. E quando morre, no jazigo, tem um número. E a certidão de óbito também. 
        Nós não somos ninguém? Protesto. Aliás, é inútil o protesto. E vai ver meu protesto também é número.
        Uma amiga minha contou que no Alto Sertão de Pernambuco uma mulher estava com o filho doente, desidratado, foi ao Posto de Saúde. E recebeu a ficha número 10. Mas dentro do horário previsto pelo médico a criança não pôde ser atendida porque só atenderam até o número 9. A criança morreu por causa de um número. Nós somos culpados. 
        Se há uma guerra, você é classificado por um número. Numa pulseira com placa metálica, se não me engano. Ou numa corrente de pescoço, metálica. 
        Nós vamos lutar contra isso. Cada um é um, sem número. O si-mesmo é apenas o si-mesmo. 
        E Deus não é número. 
        Vamos ser gente, por favor. Nossa sociedade está nos deixando secos como um número sexo, como um osso branco seco exposto ao sol. Meu número íntimo é 9. Só. 8. Só. 7. Só. Sem somá-los nem transformá-los em novecentos e oitenta e sete. Estou me classificando como um número? Não, a intimidade não deixa. Veja, tentei várias vezes na vida não ter número e não escapei. O que faz com que precisemos de muito carinho, de nome próprio, de genuinidade. Vamos amar que amor não tem número. Ou tem? 

                                                                                Clarice Lispector.
Entendendo o texto:
01 – Podemos afirmar que o texto acima é uma crônica? Justifique sua resposta:
      Sim. Porque ela é uma narração que tem por base fatos que acontecem em nosso cotidiano. Por isso, é uma leitura agradável.

02 – Qual o assunto do texto abordado?
      O assunto abordado é a frieza e a desumanização das pessoas quando são trocadas por números.

03 – A autora já começa com uma advertência. Qual?
      Se não tomarmos cuidado, vamos virar um número até para nós mesmos.

04 – Qual a importância dessa advertência para o texto de um modo geral?
      Devemos ser mais humanos, para não nos transformarmos em números.

05 – O texto todo gira em torno de uma enorme crítica ao ser humano em sociedade, mas em um dos parágrafos há uma crítica bem mais acentuada. Qual é esta crítica e a quem é dirigida?
      Encontra-se no nono parágrafo, onde a autora pede para nós lutarmos contra isso. Que cada um é um, sem número. É dirigida a todos nós.

06 – Na sua opinião sincera, o protesto da autora é inútil?
      Resposta pessoal do aluno.

07 – Há diferença entre ser tratado pelo nome ou por um número? Explique seu ponto de vista:
      Sim. Existe uma grande diferença, nos sentimos valorizado, respeitados. Já como número há uma frieza; apenas um número.

08 – Durante toda a exposição de seus pensamentos acerca dos números que rodeiam nossa vida, a autora confirma a todo instante que tudo é numerado. Apenas o que escapa de ser numerado, segundo ela? Ela tem certeza disso?
      Somente Deus. Sim, ela tem certeza. 
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